Tirania americana: juízes que decidiram contra Trump se tornam alvo de ataques a suas famílias, com ação direta de Musk
Investigação da Reuters revela campanha de intimidação no X que expõe familiares de magistrados a ameaças após decisões desfavoráveis ao presidente dos EUA
247 – Uma investigação da agência Reuters revelou uma preocupante escalada de ameaças e assédio direcionados a familiares de juízes federais que proferiram decisões contrárias ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em seu segundo mandato iniciado em 2025. Ao menos 11 magistrados viram seus entes queridos se tornarem alvo de intimidação, ataques pessoais e até ameaças de morte após decisões desfavoráveis à nova istração.
Entre os casos mais graves está o do juiz James Boasberg, que determinou em abril que autoridades da istração Trump poderiam ser responsabilizadas por desrespeitar uma ordem judicial sobre deportações. A resposta veio em forma de violência digital e ameaça física. Elon Musk, bilionário e aliado do presidente, compartilhou uma postagem distorcendo o trabalho da filha do juiz. Imediatamente, seguidores exigiram sua prisão. Alguns pediram a execução da família Boasberg.
O juiz John McConnell também ou por situação semelhante após declarar ilegal o congelamento de verbas federais por parte do presidente. A ativista de extrema-direita Laura Loomer publicou uma foto da filha do magistrado, ex-funcionária do Departamento de Educação. Musk republicou o conteúdo para seus mais de 219 milhões de seguidores. A campanha rendeu mais de 600 telefonemas e e-mails ameaçadores à corte de Rhode Island, incluindo ameaças de morte.
Campanha sistemática e efeitos sobre a democracia
A ofensiva contra os magistrados é parte de uma estratégia mais ampla de intimidação, denunciada por juristas entrevistados pela Reuters. Desde que reassumiu a presidência, Trump e seus aliados têm atacado membros do Judiciário que se opõem ao avanço de medidas autoritárias, como a expansão do poder executivo e o desmonte de agências federais. Desde janeiro, mais de 60 juízes ou tribunais de apelação bloquearam iniciativas da Casa Branca.
“Ameaças contra juízes e suas famílias são, em última instância, ameaças ao governo constitucional. É simples assim”, afirmou o juiz Richard Sullivan, do Tribunal de Apelações, que preside o comitê de segurança da magistratura federal.
Juízes ouvidos pela Reuters — muitos sob anonimato — relatam preocupação crescente com a própria segurança e a de seus familiares. A situação é agravada pela propagação de postagens difamatórias em redes sociais como o X (antigo Twitter), controlado por Musk, e em sites da extrema-direita como Gateway Pundit e Patriots.win.
Mensagens de ódio, apelos por violência e “doxxing”
Entre fevereiro e abril de 2025, a Reuters identificou mais de 600 publicações em redes sociais com ataques a familiares de juízes. Desses, ao menos 70 pediam abertamente retaliação física ou prisão. Em um dos casos mais graves, posts pediam que a filha de Boasberg fosse “introduzida a membros do MS13”, uma violenta gangue salvadorenha, e exigiam “a construção de forcas” para executar a família.
O “doxxing” — prática de expor dados pessoais como endereço e local de trabalho — também foi usado como forma de intimidação. Em março, Boasberg determinou a suspensão de uma deportação baseada em uma lei do século XVIII usada pela Casa Branca para expulsar migrantes sob alegações não comprovadas. A retaliação veio rapidamente: sua filha teve fotos e informações pessoais amplamente divulgadas por Musk e Loomer.
A organização onde a filha de Boasberg trabalhava, uma ONG que oferece assistência jurídica a imigrantes de baixa renda, removeu suas informações do site. A família ou a contar com escolta dos U.S. Marshals após as ameaças.
Risco real e precedentes trágicos
Casos de violência contra magistrados já deixaram marcas na história judicial dos Estados Unidos. Em 2005, a juíza Joan Lefkow perdeu o marido e a mãe, assassinados por um litigante descontente. Em 2020, o filho da juíza Esther Salas foi morto a tiros por um ex-advogado que buscava vingança. “Não é uma preocupação teórica”, disse o ex-juiz David Levi, apontando para o risco real enfrentado pelos familiares.
A escalada recente acendeu o alerta nas instituições. O Comitê Judicial do Congresso recebeu um pedido oficial para reforçar a segurança dos magistrados. A juíza da Suprema Corte, Ketanji Brown Jackson, afirmou em conferência: “As ameaças e o assédio são ataques à nossa democracia.”
A investigação da Reuters mostra que, desde o início do segundo mandato de Trump, os ataques à magistratura adquiriram um novo patamar, com uso intensivo de redes sociais, campanhas de difamação coordenadas e tentativas sistemáticas de intimidar juízes e seus familiares.
A resposta do governo Trump e o impacto institucional
O governo nega estimular qualquer tipo de ataque. Em nota à Reuters, o porta-voz da Casa Branca, Harrison Fields, afirmou: “Ninguém leva ameaças à segurança mais a sério do que o presidente Trump — um líder que sobreviveu a duas tentativas de assassinato.” Fields acrescentou que a segurança de todos os americanos é prioridade, e que ameaças serão investigadas e punidas.
Apesar disso, o próprio presidente e membros do governo mantêm discursos agressivos contra o Judiciário. Em comício recente, Trump declarou: “Não podemos permitir que um punhado de juízes comunistas radicais da esquerda obstrua a aplicação da lei e assuma as funções que pertencem apenas ao presidente dos Estados Unidos.”
A retórica encontra eco em apoiadores e figuras públicas como Musk, que chegaram a sugerir punições capitais para magistrados e seus parentes. “Estamos todos apavorados com onde isso pode chegar”, confessou um juiz federal sob anonimato à Reuters.
Consequências para o futuro da Justiça americana
Especialistas jurídicos alertam para o risco de um efeito paralisante (“chilling effect”) entre juízes e candidatos à magistratura. “Há uma chance de que pessoas qualificadas evitem a função com medo das consequências”, declarou Paul Grimm, da Universidade Duke.
O cenário traçado pela reportagem da Reuters revela uma erosão preocupante na independência do Judiciário — um dos pilares do sistema democrático norte-americano — diante da ofensiva de um presidente que tenta consolidar seu poder com métodos cada vez mais autoritários. A intimidação de juízes e suas famílias, longe de ser um caso isolado, parece parte de uma estratégia sistemática de enfraquecimento das instituições.
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