Europa se rearma, mas não se encontra
Oitenta anos após o fim da Segunda Guerra, UE lança plano bilionário de defesa sem consenso político, nem rumo claro na geopolítica global
Maio de 2025 marca os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial — conflito que teve a Europa como palco central de uma disputa feroz por territórios, mercados e poder global. adas oito décadas da retomada de Berlim pela URSS, o continente volta a respirar o ar tenso de uma nova corrida armamentista.
A guerra na Ucrânia, a perda de protagonismo econômico e a instabilidade da aliança com os EUA empurram a União Europeia para uma tentativa de reconstrução de sua capacidade de defesa. Mas a pressa esbarra em divisões internas, problemas fiscais e um vácuo estratégico.
O estopim dessa guinada foi a política externa de Donald Trump. De volta à Casa Branca em seu segundo mandato, o presidente norte-americano abandonou a retórica de compromisso com os aliados europeus, suspendeu a ajuda militar à Ucrânia e sinalizou desinteresse em liderar a OTAN como antes. Sem o “guarda-chuva” americano, a UE se viu exposta — e decidiu, de alguma forma, agir.
A resposta foi o lançamento do plano ReArm Europe, anunciado por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. O pacote prevê mais de 800 bilhões de euros em investimentos nos próximos anos, com foco na modernização militar, fortalecimento da indústria bélica continental e maior autonomia em relação aos EUA. A proposta inclui o uso de empréstimos do Banco Europeu de Investimentos, redirecionamento de fundos regionais e flexibilização de regras fiscais, permitindo que gastos militares fiquem fora dos cálculos de déficit público.
Na teoria, o plano quer garantir soberania, proteger o território europeu de ameaças e reaquecer economias estagnadas por meio de um “desenvolvimentismo militarista”. Na prática, no entanto, faltam fontes sólidas de financiamento e há risco de o custo recair sobre políticas sociais, com cortes em pensões e gastos públicos.
O projeto escancara uma fragilidade mais profunda: a incapacidade da União Europeia de construir uma política externa coesa. A França de Emmanuel Macron defende uma autonomia estratégica, inclusive oferecendo seu “guarda-chuva nuclear” aos vizinhos. A Alemanha, maior economia do bloco, mira o plano como alavanca para recuperar sua indústria, mas enfrenta entraves históricos e resistência interna. Já a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, ecoa o trumpismo: em visita à Casa Branca, prometeu “fazer a Europa grande novamente”, sinalizando uma postura mais alinhada aos EUA do que à própria UE.
Enquanto isso, o Reino Unido, fora da União desde o Brexit, segue na OTAN e negocia acordos de cooperação com Bruxelas — mas ainda sem resultados concretos.
No campo militar, os imes aumentam. França e Reino Unido pressionam pelo envio contínuo de armas à Ucrânia, apesar da evidente exaustão do exército ucraniano. Especialistas alertam que manter o conflito sem perspectivas reais de vitória pode levar a uma escalada direta com a Rússia. O rearmamento da Europa, ao invés de garantir segurança, pode acelerar uma nova fase de instabilidade no continente.
E não é só a guerra que preocupa. O plano de defesa compete com outras urgências estratégicas. Em abril, um apagão de grandes proporções na Península Ibérica expôs a fragilidade da infraestrutura elétrica europeia. Com a transição energética acelerada, baseada em fontes intermitentes como solar e eólica, falta capacidade de armazenamento e interconexão entre os países. Investir em segurança energética e redes modernas parece tão necessário quanto rearmar exércitos.
No campo tecnológico, o retrato é ainda mais alarmante. A Europa perdeu terreno nas inovações de ponta. Em 2024, os Estados Unidos produziram mais de 40 modelos de inteligência artificial avançada, enquanto a Europa não ou de cinco. A China avança rapidamente em semicondutores, robótica e tecnologias verdes. A UE, que já foi referência em ciência e indústria, agora corre atrás — e com fôlego curto.
O diagnóstico é claro: a Europa envelheceu, perdeu dinamismo e se acostumou à proteção americana, sem desenvolver autonomia real. O plano de 800 bilhões em defesa é uma tentativa de mudar essa trajetória. Mas, sem consenso político, sem estratégia externa clara e com sua população ainda apegada a um modelo de Estado de bem-estar, o bloco corre o risco de investir pesado e continuar à margem da geopolítica global.
Algumas lideranças defendem que a UE busque parcerias alternativas, como a China. Em julho, está prevista uma missão oficial a Pequim, liderada por Von der Leyen. O país asiático, interessado em diversificar seus parceiros e desafiar a hegemonia americana, acena com acordos comerciais e tecnológicos. Uma aproximação com Pequim poderia ajudar a modernizar o parque industrial europeu e abrir mercados, mas coloca em xeque o equilíbrio geopolítico da Europa entre Ocidente e Oriente.
Mais do que escolher lados, o desafio da União Europeia em 2025 é reencontrar um propósito comum. Entre tanques, apagões e algoritmos, o continente precisa decidir o que quer ser nas próximas décadas: uma potência autônoma, com identidade estratégica própria, ou um coadjuvante, saudoso do ado.
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