Rede elétrica da UE precisa de atualização de trilhões de dólares para evitar apagões como os da Espanha
Malha envelhecida e baixa capacidade de armazenamento colocam Europa sob risco crescente de falhas de fornecimento
247 - A infraestrutura elétrica da União Europeia, marcada pelo envelhecimento e por limitações na capacidade de armazenamento de energia, precisará de investimentos trilionários nas próximas décadas para acompanhar a crescente demanda por eletricidade e a expansão das fontes renováveis, evitando assim apagões como o que afetou recentemente Espanha e Portugal. A reportagem é da agência Reuters.
Na semana ada, os dois países ibéricos enfrentaram o pior blecaute em anos. Enquanto as autoridades investigam as causas, especialistas e representantes do setor energético alertam que o investimento em infraestrutura é imprescindível. "O apagão foi um alerta. Mostrou que a necessidade de modernizar e reforçar a rede elétrica da Europa é urgente e inadiável", afirmou Kristina Ruby, secretária-geral da Eurelectric, associação da indústria elétrica europeia.
Grande parte da rede elétrica da UE foi construída no século ado, sendo que metade das linhas de transmissão já tem mais de 40 anos. Com o avanço da produção de energia de baixo carbono e o crescimento explosivo do consumo por data centers e veículos elétricos, torna-se necessária uma reformulação completa das redes, inclusive com proteção digital contra ciberataques.
Investimentos em redes não acompanham renováveis
Embora os investimentos globais em energias renováveis tenham quase dobrado desde 2010, os aportes em redes de transmissão mantêm-se estagnados em torno de US$ 300 bilhões por ano. Para a Agência Internacional de Energia (IEA), esse valor precisará subir para mais de US$ 600 bilhões anuais até 2030.
A Espanha solicitou a investigação do apagão tanto por seus órgãos nacionais quanto pela Comissão Europeia. Segundo a operadora Red Eléctrica, dois eventos distintos teriam provocado a queda generalizada no fornecimento.
O impulso às energias renováveis se intensificou após o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, quando a interrupção do fornecimento de petróleo e gás russos estimulou os países do bloco a reduzir a dependência de combustíveis fósseis. De acordo com o think tank Ember, a participação das fontes renováveis na matriz elétrica da UE saltou de 34% em 2019 para 47% em 2023, enquanto os fósseis recuaram de 39% para 29%. Na Espanha, o percentual de renováveis bateu 56% em 2024, em meio à transição para o fim do uso de carvão e energia nuclear.
Projetos renováveis crescem mais rápido que redes
Uma das dificuldades enfrentadas é a defasagem entre a velocidade de construção de parques eólicos e solares — relativamente rápida — e o tempo necessário para expandir a rede elétrica, que pode levar mais de uma década. Estimativas da Comissão Europeia apontam que serão necessários entre US$ 2 trilhões e US$ 2,3 trilhões até 2050 para modernizar e ampliar as redes elétricas do continente.
Segundo o think tank Bruegel, os investimentos europeus em redes subiram para 80 bilhões de euros em 2023, frente à faixa de 50 a 70 bilhões registrada nos anos anteriores. A entidade destaca que os aportes precisarão chegar a 100 bilhões anuais para atender às necessidades.
Déficit de interconexões agrava riscos
Um dos problemas centrais, evidenciado pelo blecaute ibérico, é a limitação das conexões entre os sistemas elétricos dos países. A Espanha, por exemplo, tem apenas 5% de sua capacidade conectada fora da Península Ibérica, segundo José Luis Domínguez-García, do centro de pesquisas energéticas IREC, na Catalunha.
A meta da Comissão Europeia é ampliar a interconectividade elétrica para 15% até 2030. No caso espanhol, a Red Eléctrica anunciou que reforçará os laços com a França, incluindo uma nova ligação pelo Golfo da Biscaia que dobrará a capacidade de intercâmbio entre os dois países.
Armazenamento e fontes auxiliares são cruciais
Além das conexões, cresce a necessidade de sistemas de reserva para compensar a intermitência das renováveis. Isso porque a energia solar e eólica gera corrente contínua, enquanto as redes utilizam corrente alternada. Em caso de queda na produção, é preciso dispor de geração alternativa para evitar a queda da frequência da rede — o que pode levar ao desligamento automático de usinas e até apagões.
Antes do apagão recente, a Espanha já havia enfrentado instabilidades, e especialistas alertavam para a vulnerabilidade do sistema, agravada pelo plano do país de encerrar todos os seus sete reatores nucleares até 2035.
Em Portugal, o primeiro-ministro Luís Montenegro afirmou que o país conta hoje com apenas duas usinas capazes de atuar rapidamente como reserva — uma térmica a gás e uma hidrelétrica — e destacou o desejo de ampliar essa capacidade.
No Reino Unido, um blecaute em 2019 deixou um milhão de pessoas sem energia após a queda da frequência causada por uma descarga elétrica e um incidente isolado. Desde então, o país investiu em sistemas de armazenamento com baterias e já conta com cerca de 5 gigawatts de capacidade.
Segundo a Associação Europeia de Armazenamento de Energia, a Europa tem atualmente 10,8 GW de capacidade instalada, número que deve chegar a 50 GW até 2030 — ainda distante dos 200 GW considerados necessários.
Na Irlanda, a Siemens Energy construiu o maior volante de inércia do mundo, um equipamento capaz de armazenar energia e contribuir para a estabilidade da rede.
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