O espírito de Bandung 70 anos depois: por que ele ainda importa
Diante do colapso da ordem multilateral e do avanço do protecionismo, China e Indonésia são convocadas a renovar princípios do histórico encontro de 1955
247 – Em artigo publicado no portal China Daily Global, os pesquisadores Muhammad Habib Abiyan Dzakwan e Wang Yuehong fazem uma análise contundente da atual desordem internacional à luz do septuagésimo aniversário da Conferência de Bandung, realizada em 1955, na Indonésia, e responsável por lançar as bases do chamado Terceiro Mundo e do Movimento dos Não Alinhados. Diante da ascensão do populismo, da retração da economia global aberta e da crise das instituições multilaterais, os autores propõem uma atualização urgente dos princípios de Bandung.
“As normas internacionais, inclusive os princípios de Bandung, não se revitalizam por si mesmas. O futuro desses princípios dependerá daquilo que seus signatários fizerem por eles”, afirmam os autores.
A crise da ordem global
Dzakwan e Yuehong destacam que o mundo atravessa uma nova fase de turbulência, após décadas de relativa estabilidade baseada na cooperação multilateral e na economia globalizada. “Em muitos países, os líderes se preocupam mais em manter o poder do que preservar princípios”, observam, em uma crítica clara ao avanço do autoritarismo.
O populismo, segundo eles, influencia perigosamente as decisões de uma potência global com profundo poder militar e cultural — uma referência implícita aos Estados Unidos, hoje governados novamente por Donald Trump, que iniciou seu segundo mandato em 2025. Os autores lembram que Washington tem se afastado de instituições internacionais, como quando retirou os EUA de agências da ONU e bloqueou o funcionamento do órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC), inviabilizando a resolução de disputas comerciais desde 2019.
O desmonte do comércio global
Um dos pontos centrais do artigo é a crítica à recente adoção de “tarifas recíprocas” pelos EUA, aplicadas indiscriminadamente a países desenvolvidos e em desenvolvimento — incluindo aliados históricos como Tailândia e Filipinas, ou economias menores como Laos, Mianmar e Camboja. Segundo os autores, “essa abordagem generalizada torna praticamente sem sentido os acordos comerciais e o regime de livre comércio construído nas últimas décadas”.
Esse movimento, afirmam, representa um "recomeço forçado" da economia global. Os princípios de Bandung, que defendem a equidade, a justiça e o desenvolvimento conjunto, são colocados em xeque nesse novo cenário, em que até tratados de livre comércio perdem valor diante do unilateralismo tarifário.
O papel de China e Indonésia
Para os autores, os países do Sul Global, especialmente China e Indonésia, devem assumir a liderança na reconstrução de uma ordem internacional mais justa. Eles sugerem que essas nações fortaleçam sua atuação em plataformas multilaterais como o G77+China e o G20, além de iniciativas como o BRICS.
Eles também ressaltam a importância de manter o compromisso com um regionalismo inclusivo, como evidenciado pelo Acordo de Parceria Econômica Abrangente Regional (RCEP), assinado em 2020, e pela atualização do acordo de livre comércio entre China e ASEAN. “Essas conquistas são significativas, mas insuficientes se não vierem acompanhadas de uma coordenação global significativa”, alertam.
A urgência de uma nova agenda
O texto propõe que os esforços não se limitem à retomada da economia aberta, mas que avancem para a construção de novos paradigmas. “O próximo o deve ser a preparação de novas normas para a nova realidade”, defendem. Isso exigirá, segundo eles, resistência ao egoísmo nacionalista e atenção às dificuldades enfrentadas por outras nações.
A mensagem final do artigo é de vigilância e renovação. Para que o “Espírito de Bandung” siga relevante por mais 70 anos, os países que compartilham seus ideais devem agir com agilidade e solidariedade. A omissão pode significar o fim do legado de independência, cooperação e soberania que a conferência de 1955 consagrou.
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