Disputa entre EUA e China inaugura era de confrontos por cadeias de suprimento
Restrições mútuas sobre tecnologia e minerais raros elevam tensão entre potências e ameaçam setores como aviação, chips e defesa
247 - Uma nova e intensa fase da guerra comercial entre Estados Unidos e China está em curso, agora centrada em cadeias globais de suprimentos e em tecnologias sensíveis. A reportagem é do The New York Times
Os dois países endureceram nas últimas semanas suas posições, com ações unilaterais que impactam diretamente setores estratégicos como aviação, semicondutores e mineração de terras raras.
Washington suspendeu recentemente licenças para exportação de componentes essenciais à indústria aeronáutica chinesa, como softwares e peças de motores a jato. A decisão veio como resposta direta às restrições impostas por Pequim à exportação de minerais críticos processados em território chinês — como as chamadas “terras raras” — usados na fabricação de ímãs, baterias e equipamentos eletrônicos de alta tecnologia. O clima de desconfiança mútua se agravou: ambos os lados acusam o outro de agir de má-fé.
O setor aéreo ilustra bem os efeitos dessa escalada. Para desenvolver seus próprios jatos comerciais, a China depende da tecnologia de motores da norte-americana GE Aerospace. Por outro lado, o funcionamento desses motores exige insumos produzidos exclusivamente a partir de minerais processados na China. Em abril, após o presidente Donald Trump elevar tarifas de importação contra produtos chineses, Pequim retaliou com restrições à exportação desses insumos, afetando inclusive empresas da indústria de defesa dos EUA.
A represália chinesa atingiu também fabricantes de automóveis. A Ford, por exemplo, suspendeu temporariamente a operação de uma fábrica em Chicago em maio, após um fornecedor ficar sem os ímãs necessários à produção de veículos. A Casa Branca respondeu com novas barreiras, desta vez ampliando controles sobre exportações de tecnologia para os setores de biotecnologia e semicondutores.
O Departamento de Defesa e o Conselho de Segurança Nacional dos EUA intensificaram ações para tentar reduzir a dependência de insumos estratégicos chineses. Fontes ouvidas pelo jornal informam que o governo Trump estuda financiar minas e instalações de processamento nos Estados Unidos. Contudo, a dificuldade é reconhecida: segundo dados da S&P, o tempo médio para viabilizar uma mina no país é de 29 anos.
Pequim, por sua vez, consolidou o controle sobre o setor ao criar um sistema de licenciamento que regula todas as vendas externas de minerais e ímãs de terras raras. Após os EUA aumentarem tarifas para até 145% em abril, a China congelou diversas exportações — movimento que gerou forte pressão interna sobre Washington, diante da ameaça de escassez de produtos e de alerta nos mercados financeiros.
Em maio, representantes dos dois países se reuniram em Genebra para tentar conter os danos. A negociação resultou na promessa de redução tarifária mútua e na suspensão das contramedidas não tarifárias adotadas por Pequim desde abril. Ainda assim, o ritmo de retomada das exportações chinesas está aquém do esperado, segundo autoridades norte-americanas.
Durante entrevista à CNBC, Jamieson Greer, representante comercial dos EUA, declarou que a China está “protelando sua parte no acordo” e que o fluxo de minerais estratégicos “ainda não voltou aos níveis necessários”. O presidente Donald Trump foi ainda mais direto: “A China violou COMPLETAMENTE o acordo conosco”, escreveu em sua conta no Truth Social.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, rebateu as acusações. Em coletiva de imprensa, afirmou que seu país “implementou com seriedade o consenso alcançado em Genebra” e que os Estados Unidos é que estão descumprindo o acordo, ao proibir o uso global de chips da Huawei e suspender vistos de estudantes chineses.
Segundo Lin, “os EUA, sem base factual, mancharam e acusaram a China, impam controles de exportação de chips, suspenderam vendas de softwares de design de chips à China e anunciaram o cancelamento de vistos estudantis — medidas extremas que prejudicam o consenso de Genebra e os direitos legítimos da China”.
Mesmo com a liberação parcial de algumas licenças para empresas dos EUA, a morosidade e as incertezas ainda afligem o setor produtivo. Autoridades norte-americanas acusam Pequim de favorecer companhias europeias nas autorizações de exportação.
A escalada nas tensões já afeta outros campos da relação bilateral. O governo Trump discute agora a revogação em massa de vistos para estudantes chineses ligados ao Partido Comunista. Uma ligação entre Trump e o presidente Xi Jinping pode ocorrer nos próximos dias, embora autoridades chinesas tenham afirmado não ter “informações a oferecer” sobre esse contato.
Especialistas veem a disputa como estrutural e de longo prazo. O economista Daniel H. Rosen, do Rhodium Group, lembrou que a China identificou há anos o potencial estratégico das terras raras e investiu massivamente no setor. Segundo ele, “os EUA subestimaram de forma grave essa demanda”.
Atualmente, a China responde por 70% da mineração e 90% do refino mundial de terras raras. Também lidera a produção global de baterias, veículos elétricos e metais industriais, como aço, alumínio e ferro, segundo a Agência Internacional de Energia. Substituir essa dependência exigiria investimentos bilionários e coordenação internacional.
Para Paul Triolo, analista do Albright Stonebridge Group, “a única saída dos EUA é negociar com Pequim e articular uma estratégia de médio prazo com parceiros estrangeiros”. O desafio, disse, é persistente: “Esse problema é profundo e duradouro. Não desaparecerá tão cedo”.
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