Comunidade do autismo reage com indignação a declarações de Robert F. Kennedy Jr, secretário de saúde de Trump
Promessa do secretário de Saúde dos EUA de descobrir causa do autismo até setembro é considerada “enganosa” e “prejudicial” por ativistas e especialistas
247 – Membros da comunidade do autismo nos Estados Unidos manifestaram forte repúdio às recentes declarações do secretário de Saúde e Serviços Humanos (HHS), Robert F. Kennedy Jr., que prometeu identificar a causa do transtorno do espectro autista (TEA) até setembro deste ano. A reportagem original foi publicada pelo site The Hill, que ouviu ativistas, pesquisadores e representantes de entidades dedicadas à defesa das pessoas com autismo.
Na semana ada, Kennedy anunciou uma “ampla iniciativa de testes e pesquisas” para identificar a origem do transtorno nos próximos cinco meses. Em uma coletiva de imprensa realizada na última quarta-feira, reforçou que o governo teria “algumas respostas” até lá, afirmando suspeitar que um “tóxico ambiental” esteja por trás do aumento nas taxas de diagnóstico de autismo. A declaração contraria o consenso atual de instituições como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), que aponta avanços nos métodos diagnósticos como principal fator do crescimento dos registros.
A diretora de marketing da Autism Society of America, Kristyn Roth, reagiu com veemência. “O foco de Kennedy em um tóxico ambiental é incrivelmente enganoso”, afirmou. “Seu compromisso em encontrar uma causa definitiva para o autismo é prejudicial à comunidade.” Roth criticou ainda a ausência de propostas concretas para ampliar o e a pessoas autistas. “Enquanto mais pesquisas são necessárias, não houve qualquer menção a apoiar essa comunidade com inclusão, acolhimento e serviços que reflitam sua diversidade.”
Dados divulgados pelo CDC esta semana indicam que, em 2022, um em cada 31 crianças nos EUA foi diagnosticado com TEA. O relatório atribui o aumento à maior disponibilidade e qualidade das ferramentas diagnósticas, mas Kennedy rejeita essa explicação. Segundo ele, a origem é necessariamente ambiental, negando qualquer vínculo genético. “Precisamos abandonar essa ideologia de que o aumento dos casos se deve a melhores diagnósticos ou critérios. Esta é uma doença evitável. Sabemos que é um fator ambiental. Genes não causam epidemias”, declarou.
Essa visão é fortemente contestada por especialistas. A pesquisadora e clínica Doreen Samelson explicou que mais de 100 genes já foram associados ao TEA. “A ideia de epidemia sugere uma causa única, mas o autismo não funciona assim”, disse. “É uma condição complexa e vitalícia. Quando falamos em espectro, lidamos com uma população extremamente diversa.”
Roth também questionou a coerência entre o discurso de Kennedy e as ações do governo Trump, do qual ele faz parte. Ela lembrou dos cortes promovidos na pasta da Educação e no próprio HHS, além de ameaças ao financiamento do Medicaid. Um rascunho do orçamento da Casa Branca prevê reduzir em um terço os recursos do HHS, e há uma proposta legislativa que pode retirar até US$ 800 bilhões do Medicaid nos próximos 10 anos. “Essas ações contradizem diretamente a alegação de que querem apoiar a comunidade autista”, criticou.
Outra fala de Kennedy que gerou indignação foi a afirmação de que a maioria das pessoas com autismo teria casos severos, e que a condição “destrói famílias”. Segundo ele, “são crianças que nunca pagarão impostos, nunca terão um emprego, nunca jogarão beisebol, nunca escreverão um poema, nunca sairão para um encontro. Muitas delas nunca usarão o banheiro sozinhas. E precisamos reconhecer que estamos fazendo isso com nossos filhos.”
Roth classificou a declaração como “imprecisa” e afirmou que Kennedy distorceu toda uma comunidade. “Muitas pessoas conhecem e amam alguém com autismo que faz todas essas coisas.” Ela ressaltou que o espectro é amplo, com indivíduos que alcançam total independência e outros que necessitam de cuidados constantes. “Mas mesmo essas pessoas podem ter vidas significativas e com qualidade. Sugerir que o autismo destrói famílias é prejudicial e destrutivo.”
As declarações de Kennedy foram amplamente criticadas por promoverem desinformação, estigmatização e por desviarem o debate da real necessidade de inclusão, respeito e políticas públicas voltadas para a diversidade do espectro autista.
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