“O alvo de Trump é a China, não o Brasil”, afirma presidente da Abiquim
André os diz à TV 247 que tarifas impostas pelos EUA são alerta geopolítico sobre avanço chinês nos mercados globais
247 - Em entrevista concedida à TV 247, o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André os Cordeiro, afirmou que as recentes tarifas de importação anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não têm o Brasil como alvo principal. Segundo ele, as medidas integram uma estratégia mais ampla de enfrentamento geopolítico à crescente influência da China no comércio internacional. “A primeira observação que a gente pode fazer é que o presidente Trump dividiu o mundo em três blocos. O Brasil ficou com a tarifa mínima de 10%. Isso mostra que o alvo não somos nós. O alvo é a China”, declarou.
Cordeiro explicou que os Estados Unidos mantêm superávit comercial com o Brasil, inclusive no setor químico, enquanto enfrentam déficit expressivo com os chineses. Para ele, a decisão norte-americana de incluir o Brasil nas tarifas, mesmo com relações comerciais favoráveis, é um recado político: “Vocês querem vender para o meu mercado? Reduzam a presença chinesa no de vocês”.
O presidente da Abiquim alertou que essa movimentação não deve ser interpretada como uma questão bilateral entre Brasil e Estados Unidos. “Se a gente achar que o problema é com o Brasil, vamos estar olhando para o lugar errado. É uma disputa global”, pontuou. Ele destacou que a indústria química brasileira, embora não atingida diretamente pelas tarifas, sofre efeitos indiretos, já que seus principais clientes — como as indústrias de aço e alumínio — estão entre os setores mais impactados.
Atualmente, o Brasil enfrenta um déficit comercial de aproximadamente US$ 50 bilhões na indústria química. Apenas com a China, o saldo negativo chega a US$ 18 bilhões. Segundo Cordeiro, há um claro desequilíbrio estrutural: o país exporta matérias-primas como algodão e importa produtos acabados, como o selante HPMC, fabricado a partir da celulose de algodão. “É uma inversão completa da lógica produtiva”, criticou.
Mesmo sendo a sexta maior indústria química do mundo, com faturamento anual de até US$ 170 bilhões, o setor enfrenta altos custos de produção no Brasil. Gás natural e energia elétrica, dois insumos essenciais, são mais caros no país do que nos concorrentes globais. Cordeiro argumenta que a falta de regulação adequada na infraestrutura de escoamento e processamento do gás natural encarece a cadeia produtiva. “Não é interferência indevida do Estado, é regulação. Nos Estados Unidos, isso também é regulado”, afirmou.
A energia elétrica também pesa no custo industrial. O entrevistado citou encargos como a CDE (Contribuição para o Desenvolvimento Energético), criada para universalizar o o à energia e incentivar fontes renováveis, mas que, segundo ele, permanece mesmo após esses objetivos já terem sido alcançados. “Hoje, esse encargo remunera agentes econômicos que não precisam mais disso. Quem está errado é o Estado brasileiro, que precisa mudar as regras”, avaliou.
Ao longo da entrevista, Cordeiro defendeu que o Brasil adote políticas comerciais mais firmes para proteger sua indústria. Ele citou o artigo 219 da Constituição Federal, que define o mercado interno como patrimônio nacional. “A Constituição é clara. O mercado nacional deve estar acima. Ele é consumo e produção, não só consumo”, disse. Ele elogiou medidas recentes do governo, como o aumento de tarifas de importação para produtos químicos e a abertura de investigações antidumping, com apoio dos ministérios da Indústria e da Fazenda e da Casa Civil. “Estamos agindo dentro das regras da OMC e do Mercosul, de forma antecipada e responsável.”
Apesar da defesa histórica do Brasil por um papel de equilíbrio entre blocos geopolíticos, Cordeiro alerta que a realidade impõe escolhas. “Não podemos ter um alinhamento automático, mas também não dá para fingir que não há um alinhamento tácito. O mundo está se reposicionando, e o Brasil precisa entender onde está pisando.”
Sobre o desempenho recente da economia brasileira, Cordeiro reconheceu avanços, mas apontou riscos. “Crescemos dois anos seguidos, mas isso pode ser um voo de galinha. Falta investimento, produtividade. Sem isso, a inflação volta”, observou. Ele reforçou que o atual modelo de dependência externa para suprimentos industriais é insustentável no longo prazo. “Hoje, muitos defendem acabar com a petroquímica e importar tudo. Mas se houver uma crise lá fora, não teremos a quem recorrer. Isso é suicídio”, alertou.
Para ele, a disputa comercial iniciada por Trump e intensificada em seu segundo mandato deve ser lida como parte de uma ofensiva estratégica dos Estados Unidos contra o domínio econômico e político chinês. “O que os EUA estão dizendo com essas tarifas é: vocês querem o ao nosso mercado? Então escolham de que lado estão.” Nesse cenário, Cordeiro argumenta que o Brasil precisa agir com pragmatismo. “O mundo inteiro está colocando o mercado nacional como razão de Estado. É isso que os Estados Unidos estão fazendo. É o que a China já faz. É o que a Europa sempre fez. O Brasil precisa fazer o mesmo.”
A entrevista se encerrou com uma reflexão sobre o papel do Estado na economia. “O Estado nunca deixou de ser relevante. Quem acha que é possível manter uma ideologia liberal rígida num mundo em que todos os blocos estão reforçando o papel do Estado está fora da realidade. O Brasil não pode continuar preso a um modelo que o mundo já superou.” Assista:
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