Economia global falha na reciclagem e apenas 6,9% dos materiais voltam à produção
Relatório internacional lançado em São Paulo revela recuo na circularidade e alerta para os impactos ambientais do modelo baseado em extração e descarte
247 – A economia mundial segue desperdiçando a maior parte dos recursos naturais que consome. De acordo com o Circularity Gap Report 2025, divulgado nesta semana no 8º Fórum Mundial de Economia Circular, realizado em São Paulo, apenas 6,9% dos materiais utilizados anualmente no planeta são reciclados. O relatório, elaborado pela consultoria Deloitte em parceria com a organização internacional Circle Economy, revela um retrocesso de 2,2 pontos percentuais em relação a 2015, segundo reporta a Folha de S. Paulo.
O estudo mostra que, embora a extração de matérias-primas continue crescendo de forma acelerada — impulsionada pela urbanização e pelo aumento do PIB —, os sistemas de reciclagem estão longe de acompanhar esse ritmo. Com isso, quase 90% dos materiais extraídos, processados e consumidos no mundo se tornam resíduos e não retornam ao ciclo produtivo.
Consumo desproporcional e crise planetária
Em meio ao aumento no uso de recursos naturais, a população global também consome mais por habitante: o relatório aponta que o consumo per capita ou de 8,4 toneladas por ano em 1970 para 12,2 toneladas em 2020. A consequência direta é a sobrecarga dos ecossistemas e o agravamento da crise climática.
“Nossa análise é clara: mesmo no cenário ideal, não podemos resolver a crise planetária apenas com reciclagem. É necessária uma transformação sistêmica profunda. Todos precisamos fazer escolhas diferentes, ser ousados e investir em soluções circulares”, afirmou Ivonne Bojoh, CEO da Circle Economy.
Reciclagem como vetor de mudança
Apesar das limitações atuais, a reciclagem ainda é vista como um componente crucial para a redução de emissões. Para Marcelo Souza, CEO da indústria Fox e autor do livro Reciclagem de A a Z, “a reciclagem é como uma mineração urbana. Se fosse plenamente implementada, reduziríamos drasticamente a necessidade de extrair matéria-prima virgem”. Ele exemplifica: “A emissão de carbono para produzir uma tonelada de alumínio virgem é mais de 90% superior à da mesma quantidade de alumínio reciclado”.
O estudo estima que, se todos os materiais recicláveis fossem de fato reaproveitados, a taxa de circularidade global poderia saltar para até 25%, sem necessidade de reduzir o consumo. No entanto, os autores alertam que os sistemas atuais são ineficientes e incapazes de processar todo o volume de resíduos gerado.
Obstáculos estruturais e sociais
Grande parte dos materiais reaproveitados atualmente provém de resíduos industriais e de demolição. Apenas 3,8% vêm do lixo doméstico, o que revela um grande potencial ainda inexplorado. No Brasil, por exemplo, só 8% dos resíduos sólidos urbanos recicláveis são efetivamente reciclados, em um universo de mais de 80 milhões de toneladas de lixo geradas por ano.
Para Dione Manetti, presidente do Instituto Caminhos Sustentáveis e responsável técnico pelo Anuário da Reciclagem, é preciso atacar as causas estruturais: “O ideal seria reaproveitar tudo o que for possível e reinserir esses materiais na cadeia produtiva. Isso reduziria a extração, fortaleceria a economia e geraria trabalho decente para milhares de catadores”. Segundo ele, isso só será viável com políticas públicas robustas: “É urgente incentivar o setor por meio de investimentos em cooperativas e por meio de uma política tributária que torne mais vantajoso o uso de matéria-prima reciclada”.
Essa lógica distorcida — em que sai mais barato extrair da natureza do que reciclar — explica por que muitos materiais recicláveis não chegam a ser reaproveitados. E o problema começa dentro de casa: levantamento do Datafolha mostra que um em cada três brasileiros que têm o à coleta seletiva não separam os resíduos.
Falta infraestrutura e cultura
Para Telines Basilio do Nascimento Junior, conhecido como Carioca, presidente da Coopercaps — uma das maiores cooperativas de catadores do país —, o gargalo é evidente: “Faltam municípios com coleta seletiva, há poucas centrais de triagem e muitas organizações estão sucateadas. Mesmo que a coleta aumentasse, não conseguiríamos dar conta da demanda”, afirma. Ele também aponta a necessidade urgente de educação ambiental e campanhas de conscientização.
Nesse sentido, especialistas concordam que é preciso reverter a lógica que valoriza o novo e descarta o reaproveitado. “Ficamos 250 anos sendo bombardeados com a ideia de que o belo é o material virgem. Chegou a hora de valorizar o que é reciclado”, afirma Marcelo Souza.
Beatriz Luz, fundadora do Hub de Economia Circular Brasil, reforça: “O resíduo precisa virar algo novo, uma matéria-prima com valor e escala. Sem criar novas relações comerciais e modelos de governança, continuaremos tratando o lixo como lixo”.
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