O papel de Aldo Rebelo na reaproximação com a China
A virada ideológica de Aldo Rebelo gera desconforto e repúdio entre antigos companheiros
Não foi o PT que decidiu, sozinho, se aproximar da China. Tampouco essa guinada geopolítica foi obra de um convencimento interno. No início dos anos 1990, enquanto setores do partido celebravam o colapso soviético como chance de se integrar à social-democracia europeia, coube a Aldo Rebelo, naquele momento ainda um comunista nacionalista, o papel de articulador de uma reconciliação com o Partido Comunista Chinês. O gesto partiu dele, com clareza estratégica e cálculo histórico. Décadas depois, essa aproximação se tornou um dos pilares da política externa brasileira. Mas o protagonista da costura inicial já não pertence ao campo que colhe os frutos: hoje está em outra margem, irreconhecível, repelido por aqueles que herdaram o edifício que ele ajudou a erguer. Num tempo em que a esquerda brasileira comemorava a queda do Muro de Berlim e repetia palavras de ordem contra o “autoritarismo asiático”, coube justamente a Aldo Rebelo, que hoje acusa o ministro Alexandre de Moraes de violar a Constituição e flerta publicamente com setores bolsonaristas, propor que o Partido dos Trabalhadores buscasse uma aproximação estratégica com o gigante asiático. A ironia política não poderia ser mais aguda: o arquiteto de uma ponte que se tornaria histórica foi, décadas depois, interditado pela mesma travessia.
Nos anos que sucederam a queda do Muro de Berlim, o PT ainda era um partido em ebulição, atravessado por disputas internas intensas e pela presença de correntes trotskistas que mantinham uma crítica inflexível a qualquer regime classificado como autoritário. Esse ambiente de fragmentação ideológica levaria, ao longo dos anos 1990, à expulsão de diversos militantes, que acabariam fundando siglas como o PSTU e o PCB reestruturado. Em 1989, o episódio da repressão na Praça da Paz Celestial cristalizou essa tensão: lideranças petistas criticaram publicamente o governo chinês, reforçando o distanciamento em relação ao Partido Comunista daquele país. Do outro lado do mundo, o PCC mantinha interlocução constante com o PCdoB e acompanhava com atenção o crescimento do PT como força de massas na América do Sul, mas as declarações de figuras proeminentes da legenda brasileira, que classificavam a China como autocracia, interromperam qualquer possibilidade de cooperação naquele momento. Foi nesse contexto que Aldo Rebelo, percebendo a ascensão da China e a necessidade de uma articulação estratégica, teria aconselhado José Dirceu a buscar uma reaproximação. Segundo relatos, o gesto implicava também um reconhecimento, seria necessário se desculpar formalmente pelo posicionamento anterior do partido em relação ao episódio de Tiananmen.
Organizou-se então uma comitiva, formada por nomes como José Genoino, Dirceu e Aloizio Mercadante, que viajou à China para restabelecer as pontes rompidas. O recado era claro: as críticas anteriores não representavam mais a posição do PT, e os quadros responsáveis por elas já haviam sido afastados. A missão teve sucesso, e nos anos seguintes o diálogo com o Partido Comunista Chinês se intensificou.
A recente reaproximação entre Brasil e China, liderada pelo presidente Lula, não é apenas a retomada de uma relação bilateral estratégica. Representa um gesto firme de reposicionamento do Brasil num cenário internacional marcado pela transição de poder global, onde os países do Sul voltam a disputar protagonismo. A visita oficial à China selou uma série de acordos em áreas como energia verde, reindustrialização, tecnologia e monitoramento ambiental.
A virada ideológica de Aldo Rebelo gera desconforto e repúdio entre antigos companheiros. Alinhado a pautas reacionárias, ou a ser visto como alguém que renegou os princípios que um dia defendeu. Por outro lado, converge com parte da esquerda ao acusá-la de ter abandonado a luta nacional por uma agenda baseada apenas em identidades biológicas.
A figura de Aldo escancara os imes da esquerda brasileira diante das contradições do tempo histórico. A construção de um novo mundo, mais justo e multipolar, exige compreender que nem todos os atores relevantes cabem nos moldes da ortodoxia ideológica. E que, por vezes, as alianças que movem a história não coincidem com as afinidades morais do presente. Portanto, ao celebrar a atual aproximação com a China, talvez seja preciso reconhecer também os fios subterrâneos que a tornaram possível. Entre eles, o gesto de um político que já foi ovacionado, depois esquecido, e hoje é lembrado como símbolo de desvio. Mas que, apesar de tudo, ajudou a abrir as portas do Oriente.
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