O pacto de sangue entre Brasil e China
'A relação entre os dois países é um verdadeiro pacto de sangue geopolítico, baseado em necessidades vitais e visão de futuro comum', escreve Miguel do Rosário
As relações entre Brasil e China continuam se aprofundando de maneira extraordinária. As exportações brasileiras para a China nos primeiros quatro meses de 2025 (janeiro-abril) totalizaram US$ 28,5 bilhões, o que representou 26,5% do total exportado pelo país no período. Se fossemos contar Taiwan, o total seria de US$ 29,0 bilhões, representando 27,0% das exportações brasileiras. Os principais produtos brasileiros exportados para a China foram soja (US$ 10,8 bilhões), petróleo (US$ 5,3 bilhões), minério de ferro (US$ 5,2 bilhões) e carne bovina (US$ 1,9 bilhão).
Considerando todos os países, esses quatro produtos representaram 37,5% do total das exportações brasileiras em janeiro-abril de 2025. Desse grupo de produtos estratégicos – soja, petróleo, minério de ferro e carne bovina -, a China comprou 57,7% do total exportado pelo Brasil. Esses são os produtos, aliás, que vêm puxando de forma consistente o superávit comercial brasileiro.
Os dados das exportações brasileiras são do ComexStat, banco de dados interativo do Ministério do Desenvolvimento, enquanto os dados das importações chinesas provêm da Alfândega da China.
Não se trata apenas de comércio, porque não são produtos quaisquer, mas de commodities absolutamente críticas para a própria sobrevivência física do povo chinês. Dois desses produtos estão ligados diretamente ao fator mais determinante para a nutrição humana. Tanto a carne bovina quanto a soja são os produtos alimentícios mais ricos no mundo em proteína.
Os outros dois produtos – minério de ferro e petróleo – constituem, por sua vez, insumos também absolutamente estratégicos. O petróleo permanece como a principal fonte de energia no mundo. O minério de ferro é o principal componente para a construção civil, sendo o produto essencial para a produção de aço. Sem minério de ferro, não há aço; sem aço, não há ferrovias, portos ou construção civil na China.
Os produtores brasileiros têm responsabilidade crucial na segurança alimentar chinesa. Na soja, o domínio brasileiro é absoluto: 75% das 100 milhões de toneladas importadas anualmente pela China provêm do Brasil. Nos primeiros quatro meses de 2025, a China comprou 74,1% de toda a soja exportada pelo Brasil. Essa soja sustenta toda a cadeia produtiva animal do gigante asiático, já que 70% do volume importado transforma-se em ração para rebanhos que produzem carne, leite e ovos consumidos por 1,4 bilhão de pessoas.
Paralelamente, o Brasil fornece proteína animal diretamente através da carne bovina, atendendo 12,1% do consumo chinês e superando concorrentes tradicionais como Argentina, Uruguai e Austrália. Em janeiro-abril de 2025, a China adquiriu 54,0% de toda a carne bovina exportada pelo Brasil.
O minério de ferro nacional alimenta igualmente a expansão urbana e industrial chinesa. Representa 8,7% do consumo total e atende entre 20% e 25% das importações. No primeiro quadrimestre de 2025, a China absorveu 65,0% das exportações brasileiras de minério de ferro. Em 2024, as compras chinesas alcançaram US$ 19,9 bilhões, fornecendo matéria-prima para uma indústria siderúrgica que consome 54% de todo o minério importado mundialmente.
No setor energético, o petróleo brasileiro responde por 6% a 8% das importações chinesas. Em janeiro-abril de 2025, a China comprou 37,4% do petróleo exportado pelo Brasil, totalizando US$ 5,3 bilhões. Essa participação diversifica a matriz energética chinesa e reduz vulnerabilidades geopolíticas.
Os números de 2024 dimensionam essa parceria: US$ 31,5 bilhões em soja, US$ 19,9 bilhões em minério de ferro, US$ 19,9 bilhões em petróleo e US$ 8,2 bilhões em carne bovina. Em todos os setores, o Brasil consolidou ou ampliou sua participação na última década.
A China importa 85% da soja consumida, 68% do petróleo, 54% do minério de ferro e 26% da carne bovina.
Entre todas as commodities agrícolas, a soja distingue-se por características nutricionais únicas. Concentra 40% de proteína, superando amplamente milho (8-10%), trigo (12-14%) e outras leguminosas como feijão (20-25%). Além disso, a soja oferece a proteína completa, contendo todos os oito aminoácidos essenciais para nutrição animal e humana.
A produção brasileira de soja concentra-se em grãos. A China processa esse material para extrair óleo e produzir farelo proteico, que concentra entre 44% e 48% de proteína. Esse farelo representa dois terços da produção mundial de ingredientes proteicos destinados à alimentação animal.
A trajetória histórica da soja remonta a cinco milênios. Agricultores do vale do Rio Amarelo domesticaram originalmente essa planta, que permaneceu restrita ao Extremo Oriente durante milênios. Sua expansão para a Europa ocorreu no século XVIII, chegando às Américas apenas no século XX.
A revolução nutricional do século ado transformou definitivamente a pecuária global. Pesquisadores descobriram que a combinação de soja com cereais produz ração altamente eficaz, permitindo aumentos significativos na produção de carne e ovos. Essa descoberta revolucionou os sistemas produtivos animais em escala planetária.
Os dados quantificam a posição brasileira em setores vitais da economia chinesa. Na soja, o Brasil lidera com 75%, seguido pelos Estados Unidos (18%) e Argentina (5%). No minério de ferro, a Austrália domina (60%), mas o Brasil mantém posição sólida (25%). Na carne bovina, a liderança brasileira é clara (45%), seguida por Argentina (15%) e Uruguai (10%). O petróleo apresenta mercado mais diversificado: Arábia Saudita (17%), Rússia (15%), Iraque (12%) e Brasil (8%).
As relações comerciais chinesas com fornecedores externos variam conforme o produto. Na soja, a China importa 85% do consumo total — o maior percentual entre os quatro produtos analisados. No petróleo, a dependência externa atinge 68%. No minério de ferro, 54%. Na carne bovina, 26%.
Limitações ambientais intensificam a necessidade chinesa de parceiros confiáveis. O país utiliza intensivamente suas terras aráveis e enfrenta problemas crescentes de degradação do solo, escassez hídrica e poluição atmosférica.
Do lado brasileiro, as perspectivas mostram-se favoráveis para ampliar o fornecimento de proteína. A região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) adiciona milhões de hectares produtivos. A tecnologia agrícola tropical amplia vantagens competitivas para o agronegócio nacional. As reservas nacionais de minério de ferro de alta qualidade garantem fornecimento por décadas. O pré-sal oferece fonte energética estável para cidades e indústrias chinesas, gerando simultaneamente superávit para o país.
Esta convergência entre necessidades chinesas e capacidades brasileiras cria uma aliança que se aprofunda conforme aumentam as tensões geopolíticas globais. Enquanto potências ocidentais intensificam pressões sobre a China e tentam forçar alinhamentos, o Brasil oferece recursos naturais, tecnologia agrícola e estabilidade institucional. A China retribui com mercado, investimentos e tecnologia industrial.
O Brasil deve aproveitar essa posição para atrair investimentos chineses em infraestrutura. A relação estratégica cada vez mais profunda cria oportunidades para negociar projetos transformadores. A ferrovia bioceânica, que conectará o Atlântico ao Pacífico ando pelo Brasil e Peru, com o ao porto de Chancay, representa apenas o início. O país pode atrair investimentos em ferrovias de alta velocidade, sistemas de metrô e VLTs que revolucionem a mobilidade urbana nacional.
Há ainda outro produto cuja exportação para a China está escalando de maneira muito rápida e que não surpreenderia se tornasse também um dos maiores produtos exportados para o gigante asiático em pouco tempo: o café. Os chineses começaram a amadurecer mais seu hábito de consumir café, abrindo perspectivas promissoras para mais essa commodity brasileira.
Como observou Confúcio: “Ter amigos que vêm de longe, não é uma alegria?” No caso desta parceria, a amizade transformou-se num verdadeiro pacto de sangue geopolítico, baseado em necessidades vitais compartilhadas e visão de futuro comum.

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