O futuro em disputa: diagnóstico da Guerra Híbrida no Brasil (2025–2030)
'O país é um dos principais laboratórios de guerra informacional, manipulação psicossocial e engenharia de desestabilização do Sul Global'
Por Reynaldo Aragon e Wanderley Anchieta
O que se esconde por trás da aparente estabilidade política no Brasil? Este artigo revela os mecanismos invisíveis da guerra híbrida em curso e apresenta quatro cenários possíveis até 2030 — entre o cerco neoliberal, a retomada autoritária da extrema-direita e a difícil construção de um projeto soberano.
O jogo ainda não virou.
Você acha que venceu. A extrema-direita está acuada, os golpistas sendo julgados, o bolsonarismo aparentemente em retração. Isso é só o que se apresenta na superfície. Por trás do noticiário e dos ciclos curtos de escândalo e euforia, uma nova fase da guerra híbrida já está em curso. E ela é mais sofisticada, profunda e muito mais perigosa. O Brasil é um dos territórios mais estratégicos do planeta. Não apenas por seu tamanho, seus recursos naturais ou seu mercado interno robusto. Mas porque se tornou, ao longo das últimas duas décadas, um dos principais laboratórios de guerra informacional, manipulação psicossocial e engenharia de desestabilização do Sul Global.
Desde 2005, quando o Brasil se recusou a integrar a ALCA e ou a defender um projeto de soberania regional, tornou-se alvo constante de estratégias de enfraquecimento. As armas não foram tanques, e sim escândalos fabricados, operações jurídicas enviesadas, campanhas midiáticas coordenadas, infiltração de think tanks estrangeiros, manipulação religiosa e a ocupação dos algoritmos e redes sociais por milícias digitais orientadas por inteligência artificial. Em 2025, o cerco se reorganiza. A China estreita laços com o Brasil, os BRICS se expandem, a disputa pela Amazônia se intensifica, e a soberania sobre os dados, os territórios e os cérebros entra na linha de fogo. A guerra híbrida já não é uma exceção. Ela se tornou um dos modos permanentes de operação da política global. E o Brasil ocupa o centro desse processo. Este texto pretende oferecer uma leitura crítica do cenário atual e apontar alguns caminhos possíveis sobre o que pode se desenrolar nos próximos anos. Não pretende esgotar o debate, nem fornecer respostas definitivas, mas contribuir com elementos que ajudem a compreender o que está em jogo.
Diagnóstico do presente – O Brasil como campo avançado da guerra híbrida (2022–2025).
Desde a eleição de Lula em 2022, o Brasil não vive um tempo de estabilidade política, e sim de reconfiguração da instabilidade. A derrota eleitoral do bolsonarismo não significou o fim da guerra híbrida, mas o início de sua nova etapa. O que se observa entre 2022 e 2025 é uma tentativa de aprisionar o governo em um cerco institucional, econômico, midiático e cognitivo, mantendo o país dentro de uma lógica de paralisia controlada - pensemos no orçamento deste ano, que deveria ter sido aprovado em dezembro de 2024. Muitas forças atuam contra qualquer tipo de progressividade no país. Dentre elas, por exemplo, o bolsonarismo, longe de ser neutralizado, foi reorganizado. As estruturas de desinformação, os circuitos de ódio e os canais de sabotagem seguem com força, alimentados por um ecossistema robusto de agentes nacionais e internacionais. O resultado disso é um governo acuado, negociando à margem de sua base social, enfrentando chantagens parlamentares constantes, sabotagens jurídicas e uma cobertura midiática agressiva, muitas vezes enviesada e instrumentalizada por interesses estrangeiros.
A guerra híbrida no Brasil opera em múltiplas frentes simultâneas. No campo econômico, a pressão por políticas de austeridade e a criminalização do gasto público impedem a retomada plena do projeto desenvolvimentista e colocam o governo em confronto com sua base histórica. No campo institucional, investigações seletivas e operações policiais espetaculosas minam a capacidade de planejamento do Estado e jogam luz sobre supostas “crises” que deslegitimam qualquer avanço estratégico. No campo simbólico e afetivo, a guerra cultural segue sendo alimentada por grupos religiosos, plataformas digitais e canais de desinformação que mantêm viva a retórica do anticomunismo, do antipetismo e do medo moral.
Nesse período, assistimos a uma intensificação das operações de lawfare, com investigações contra figuras do atual governo sendo tratadas como escândalos midiáticos, antes mesmo de qualquer conclusão jurídica muitas vezes sem indícios concretos de crime. Essas práticas apontam para o uso simbólico e midiático do aparato judicial como mecanismo de pressão política, e o uso político de operações da Polícia Federal demonstram que o aparelho de justiça continua sendo manipulado como arma de guerra psicológica. Além disso, há uma crescente tentativa de capturar o debate sobre regulação da internet. Enquanto setores progressistas defendem a soberania informacional, a extrema-direita acusa qualquer tentativa regulatória de ser uma ameaça à “liberdade de expressão”. O resultado é a paralisia institucional diante do avanço de plataformas privadas, majoritariamente norte-americanas, que controlam algoritmicamente o fluxo de informação e ampliam a assimetria cognitiva entre os grupos sociais.
A disputa geopolítica também não deixou o Brasil de fora. A aproximação com a China, os BRICS e o Sul Global incomoda o eixo atlanticista e acirra a tensão interna. Toda vez que o Brasil sinaliza compromissos com a multipolaridade ou com modelos de desenvolvimento soberanos, crises institucionais e narrativas de instabilidade se intensificam. O caso recente da I do INSS, alimentado por uma tempestade de desinformação promovida pela extrema-direita, e as reações desproporcionais à fala de Janja sobre regulação diante de empresários chineses são exemplos claros de guerra híbrida. Ambos ilustram como qualquer gesto fora da cartilha ocidental ou progressista é imediatamente manipulado e transformado em “crise nacional”. O Brasil entre 2022 e 2025 não é um país em reconciliação, mas um campo tático onde forças antagônicas disputam cada centímetro de poder. A guerra híbrida segue em curso, com novas ferramentas, novos operadores e novos alvos. Entender isso é fundamental para traçar os cenários possíveis dos próximos anos.
O papel geopolítico do Brasil na guerra híbrida global (2025–2030).
A guerra híbrida que atinge o Brasil não é um fenômeno isolado, nem resultado exclusivo de disputas internas. Trata-se de um processo enraizado na nova arquitetura do poder global, onde o controle dos fluxos informacionais, dos sistemas cognitivos e dos territórios estratégicos se tornou mais relevante do que o domínio militar clássico. O Brasil ocupa uma posição central nesse tabuleiro, não apenas como potência regional, mas como ator-chave na disputa entre modelos de mundo antagônicos: a multipolaridade soberana e o neoliberalismo informacional sob tutela do eixo EUA-OTAN-Big Techs. A posição do país como membro do BRICS, sua relação crescente com a China, o potencial energético da Petrobras, a Amazônia como território geopolítico sensível, a liderança regional na América do Sul e seu histórico de políticas externas autônomas fazem do Brasil uma peça de alto valor estratégico. E justamente por isso, é um alvo. Toda tentativa de romper com a dependência estrutural aos interesses do Norte Global é tratada como ameaça.
A disputa entre China e Estados Unidos, que define boa parte da dinâmica internacional atual, a diretamente pelo Brasil. A China é hoje o principal parceiro comercial brasileiro, tem ampliado investimentos em infraestrutura, energia e tecnologia, e busca alianças sólidas no Sul Global. Já os Estados Unidos, enfraquecidos internamente por crises políticas e externamente por sua perda de hegemonia absoluta, recorrem cada vez mais a estratégias indiretas de contenção: financiamento de ONGs e think tanks, lobby diplomático, desinformação, lawfare, sabotagem reputacional e pressão econômica.
Essa guerra não é travada com tanques, mas com narrativas, algoritmos, normatizações jurídicas e controle da infraestrutura digital. O campo de batalha a pelas redes sociais, pelas decisões do STF, pelos fóruns internacionais de regulação de dados, pelas câmaras legislativas e pelos meios de comunicação. Cada movimento de aproximação com países fora da órbita atlanticista, cada tentativa de regular plataformas digitais, cada fala que sugira autonomia tecnológica ou integração sul-sul, aciona mecanismos quase automáticos de desestabilização.
A nova corrida por recursos não se limita ao petróleo, à água ou ao lítio. O “novo ouro” global apresenta facetas como os dados, as emoções, os padrões comportamentais e os sistemas de crenças das populações. O Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes, é um celeiro informacional valioso. Ter controle sobre o comportamento digital da população e sobre os fluxos de informação política e econômica é uma vantagem estratégica que não a despercebida pelos grandes centros de poder global. Entre 2025 e 2030, esse cenário tende a se intensificar. A transição energética, a regulação da inteligência artificial, os acordos de proteção ambiental, o avanço dos BRICS e o risco de uma nova arquitetura financeira global aumentam a pressão sobre países que tentam redesenhar sua soberania. O Brasil é um desses países. E por isso está na mira.
Cenários para o Brasil entre 2025 e 2030: entre o cerco e a reconstrução da soberania.
O Brasil entrou em 2025 cercado por pressões de todos os lados. Internamente, enfrenta uma oposição articulada, agressiva e bem financiada. Externamente, sofre tentativas de contenção cada vez mais explícitas de sua autonomia no campo econômico, tecnológico, ambiental e informacional. No entanto, as contradições desse processo também abrem brechas. O avanço do mundo multipolar, a crise do modelo neoliberal e a reorganização de alianças internacionais colocam o Brasil diante de quatro grandes cenários possíveis. Nenhum deles é puro. Mas todos são plausíveis.
Cenário 1: Cerco estabilizado e governo em neutralização gradual.
Neste cenário, o governo consegue evitar rupturas abruptas, mas à custa de uma série de concessões estruturais. A governabilidade se dá sob chantagem permanente. As políticas de austeridade avançam, a agenda neoliberal é mantida como eixo macroeconômico, e reformas estruturantes são neutralizadas. A extrema-direita mantém seus territórios digitais e religiosos, o lawfare segue operando em baixa intensidade, e os escândalos fabricados mantêm o governo sob constante desgaste. A soberania informacional não avança. A regulação das plataformas é paralisada por lobby e pressões internacionais. O Brasil permanece como colônia de dados, com sua infraestrutura digital operando sob controle estrangeiro. Este é o cenário da estabilidade ilusória, onde o país não afunda em crise explícita, mas é progressivamente amarrado em todos os flancos.
Cenário 2: Conflito híbrido total e radicalização da desestabilização.
Aqui, o cenário se agrava. O governo busca caminhos de soberania mais claros: alianças com os BRICS, regulação das plataformas digitais, investimentos em reindustrialização, fortalecimento da integração latino-americana e medidas redistributivas. Isso ativa, quase imediatamente, a máquina de sabotagem: intensificação de operações de lawfare, escândalos orquestrados, ataques midiáticos, mobilização religiosa de massas, ações coordenadas da oposição no Congresso e nas redes. Nesse ambiente, os EUA e seus aliados ampliam a pressão direta. Acordos internacionais são revistos, medidas de contenção diplomática são aplicadas, e o Brasil a a ser retratado como “ameaça à estabilidade da região” ou “riscos à liberdade de expressão”, como já vem sendo testado em episódios como a regulação da internet e as reações à presença chinesa no país. A instabilidade se torna o novo normal. Cresce o risco de novos episódios de ruptura institucional ou violência política coordenada. Este é o cenário do ataque híbrido permanente.
Cenário 3: Reconstrução soberana e reorganização do campo progressista.
Neste cenário, apesar das pressões, o Brasil consegue encontrar um ponto de inflexão. O governo articula um novo pacto popular em torno de uma agenda de reconstrução nacional: desenvolvimento com soberania, defesa da Amazônia sob controle nacional, regulação democrática das plataformas, reindustrialização verde e aprofundamento das relações com o Sul Global. A integração regional avança, o BRICS ganha nova relevância, e o Brasil assume papel de vanguarda na luta por uma governança digital própria. O campo progressista se reorganiza, amplia sua base social e consegue disputar a narrativa pública com mais força. A guerra híbrida não desaparece, mas o país a a ter instrumentos estratégicos de defesa e contra-ataque. Este é o cenário mais difícil de construir, mas também o mais necessário.
Cenário 4: Avanço da extrema-direita e normalização do autoritarismo.
Este é o cenário de regressão. A máquina de desestabilização cumpre seus objetivos, seja por implosão interna, seja por sabotagem externa. A extrema-direita retoma espaço institucional em 2026, com apoio das elites econômicas, das igrejas e das plataformas digitais. A mídia normaliza o discurso do “centro democrático” enquanto anistia o bolsonarismo e criminaliza o progressismo. O país mergulha novamente em um projeto de submissão ao capital estrangeiro, destruição de direitos, entrega dos dados e das estatais, perseguição a lideranças populares e dissolução de qualquer horizonte soberano. É a volta do colonialismo digital e cognitivo sob nova roupagem, com apoio popular manipulado por desinformação em massa e estratégias de guerra cultural.
Esses cenários não são destinos inevitáveis, mas horizontes possíveis dentro do conflito histórico que atravessa o Brasil. O que vai definir qual deles se concretiza não será a sorte, nem apenas o jogo institucional. Será a capacidade de organização, consciência, disputa de narrativa e resistência popular diante da engrenagem de dominação que opera no visível e no invisível.
Probabilidades dos Cenários 2025–2030: um exercício de futurologia.
Delinear cenários possíveis é importante, mas projetar a probabilidade real de cada um se concretizar é ainda mais crucial — especialmente num país que vive sob guerra híbrida permanente e num mundo que assiste à reconfiguração do sistema internacional. Abaixo, apresentamos uma análise crítica sobre qual cenário é provável no Brasil entre 2025 e 2030 e, sobretudo, porque é provável.

Cenário 1 – Cerco estabilizado e governo em neutralização gradual (30%)
Este cenário é, de fato, o retrato atual da conjuntura. O governo Lula foi eleito, mas sem maioria parlamentar, com uma base aliada fragmentada, sob chantagem do centrão e refém da governabilidade imposta pelo mercado, pela mídia tradicional e pelas estruturas conservadoras do Estado. Não há colapso institucional declarado, mas também não há margem para reconstrução soberana real. No entanto, essa “estabilidade controlada” é altamente instável e, por isso, não pode ser lida como o cenário mais duradouro ou provável até 2030. A radicalização das forças antidemocráticas continua viva, operando no subsolo da política, nas plataformas digitais, nas igrejas e nos porões do Estado. A qualquer movimento progressista mais contundente, a estabilidade se transforma em tensão — e essa tensão pode escalar rapidamente.
Cenário 2 – Conflito híbrido total e radicalização da desestabilização (25%)
Este é um cenário latente. A menor tentativa do governo de romper com a cartilha neoliberal e resgatar uma agenda de soberania (regulação das plataformas, integração latino-americana, reindustrialização verde, fortalecimento de estatais, aliança estratégica com a China) pode ativar novamente toda a engrenagem de sabotagem: lawfare, escândalos fabricados, mobilização midiática, chantagem parlamentar e ativação das massas religiosas e digitais.
A radicalização do conflito híbrido não precisa de muito para acontecer. O alinhamento entre think tanks, fundações norte-americanas, Big Techs e setores militares da América Latina continua funcionando como um sistema neural paralelo ao Estado. Esse cenário é o modo automático da guerra híbrida quando há tentativa de reorganização soberana.
Cenário 3 – Reconstrução soberana e reorganização progressista (15%)
Este cenário, embora desejável, é o mais frágil estruturalmente. Requer uma força política e simbólica que o campo progressista ainda não reconstruiu. A esquerda institucional perdeu parte de sua capilaridade nos territórios, o bolsonarismo sequestrou a retórica popular em vastas regiões do país, e as mídias independentes ainda não possuem força suficiente para romper a hegemonia cognitiva do consórcio mídia-mercado-religião-algoritmo.
Além disso, o cenário internacional impõe limites: a pressão dos EUA sobre países do Sul Global que buscam autonomia aumentou consideravelmente nos últimos anos, como mostra a política externa agressiva de Biden e os movimentos do chamado “Project 2025” nos bastidores da extrema-direita global. O Brasil pode desejar reconstruir sua soberania, mas isso dependerá de rupturas internacionais mais profundas ou de um novo pacto popular ainda em gestação.
Cenário 4 – Avanço da extrema-direita e normalização do autoritarismo (30%)
Este é o cenário que, embora ainda seja tratado com cautela por parte da imprensa e da academia, é mais plausível do que muitos gostariam de itir. A extrema-direita brasileira não recuou. Ela se reconfigurou. Fortaleceu seus canais digitais, ganhou projeção internacional com apoio do trumpismo, organizou seus discursos em novas plataformas, penetrou as periferias com linguagens religiosas e morais, e segue recebendo financiamento de redes globais neoconservadoras. Além disso, o campo institucional que deveria contê-la segue em parte capturado ou hesitante. O Judiciário oscila entre medidas duras e recuos estratégicos, o Congresso segue majoritariamente conservador, e os militares, embora sem protagonismo público direto, não foram desmobilizados como ator político latente.
Se houver uma crise econômica, um novo escândalo fabricado, ou se as eleições de 2026 forem conduzidas sob tensão extrema, com articulação de redes digitais, lawfare e mobilização moral-religiosa, nada impede que a extrema-direita retome o poder em 2026 ou 2030 com nova roupagem — e maior legitimação.
Nota metodológica sobre a projeção dos cenários.

As estimativas de probabilidade atribuídas aos quatro cenários projetados para o Brasil entre 2025 e 2030 foram construídas a partir de uma análise qualitativa e multidimensional realizada por nós, como pesquisadores, combinando leitura estrutural da realidade brasileira, observação da conjuntura internacional, padrões históricos de desestabilização política e a dinâmica das forças sociais em disputa. Trata-se de um exercício estratégico que utiliza probabilidades como ferramenta de análise prospectiva, com o objetivo de organizar as possibilidades reais em disputa e oferecer uma leitura crítica dos riscos e inflexões possíveis no ciclo político nacional. A base metodológica considerou, entre outros fatores: (1) a correlação real de forças no sistema institucional brasileiro (Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas e aparato de segurança); (2) o comportamento das plataformas digitais, das redes bolsonaristas e do ecossistema de desinformação; (3) o grau de penetração da extrema-direita nos territórios, nas igrejas e nas estruturas de poder informal; (4) a pressão externa vinda de atores como os Estados Unidos, a União Europeia e as Big Techs em relação à política externa, energética, ambiental e informacional do Brasil; (5) o papel da China, do BRICS+ e do Sul Global na ampliação de alternativas estratégicas à hegemonia atlanticista; e (6) a capacidade atual do campo progressista de reorganizar sua base social, disputar narrativas e construir um projeto popular de soberania.
Essas variáveis foram cruzadas com sinais fracos e fortes da realidade presente, projeções baseadas em estudos comparativos internacionais sobre guerra híbrida, relatórios de inteligência e eventos recentes do ciclo político brasileiro. Embora não se trate de um modelo estatístico formal, a metodologia adotada está alinhada com os princípios da análise estratégica de cenários prospectivos e com abordagens críticas da geopolítica contemporânea. O objetivo não é cravar certezas, mas fornecer um mapa coerente de riscos e possibilidades, útil para reflexão, preparação e ação política consciente.
Ou seja – O tempo da inocência acabou (se é que houve).
O Brasil não vive um tempo de reconstrução plena, mas de disputa aberta. A democracia formal foi restabelecida, mas segue sitiada. O bolsonarismo não morreu, apenas mudou de tática. As forças que operam a guerra híbrida contra o país não recuaram — elas aprenderam, reorganizaram suas frentes e continuam a agir, com mais sutileza e sofisticação. O inimigo não está mais apenas no palanque. Ele está nos algoritmos, nos tribunais, nas redações, nos tratados internacionais, nos gabinetes de lobby, nos acordos de cooperação “técnica”, nas missões diplomáticas disfarçadas de ajuda, nos discursos aparentemente moderados sobre liberdade de expressão e inovação digital.
A disputa que atravessa o Brasil entre 2025 e 2030 não será decidida apenas nas urnas ou no Congresso. Ela será travada no campo da informação, da soberania tecnológica, da economia política dos dados, do direito à memória, da justiça e da imaginação coletiva. Será vencida — ou perdida — na capacidade do campo progressista de compreender que não há mais espaço para ingenuidade ou apaziguamento diante da máquina de manipulação que atua no subterrâneo da vida nacional.
Não se trata de temer o futuro, mas de compreendê-lo em sua complexidade. A guerra híbrida que recai sobre o Brasil é uma operação permanente de contenção do possível. Seu objetivo é impedir que o país se torne uma referência global de desenvolvimento com soberania. O que está em jogo é muito mais do que o próximo ciclo eleitoral. É a definição do Brasil como potência ativa do Sul Global — ou como colônia digital do império informacional que se reorganiza no século XXI.
Cabe a nós a responsabilidade de reconhecer os sinais, organizar as defesas, articular novas alianças e produzir o conhecimento necessário para resistir. O tempo da inocência acabou. A hora agora é de lucidez estratégica, coragem política e vigilância permanente.
Mapa Causal da Guerra Híbrida em Curso.
Para compreender com maior nitidez os caminhos que podem levar à vitória da extrema-direita ou à possibilidade de reconstrução progressista no Brasil até 2026, é necessário visualizar como se articulam, em rede, os principais vetores políticos, informacionais e geopolíticos que operam no cenário atual. O gráfico a seguir sintetiza essas relações em um modelo de fluxo causal, partindo da reeleição de Donald Trump como ponto de inflexão geopolítica e identificando como esse evento potencializa a desestabilização do governo Lula, fortalece os mecanismos da guerra híbrida e reorganiza o campo da extrema-direita no país. Trata-se de uma representação estratégica das correlações de força que estruturam o ciclo político em curso, destacando os fatores que podem conduzir o Brasil a um novo retrocesso autoritário — ou, em menor probabilidade, a um processo de inflexão soberana.

O gráfico apresenta um modelo de fluxo causal que projeta os caminhos possíveis para o Brasil até as eleições de 2026, partindo da reeleição de Donald Trump em 2025 como elemento catalisador da nova fase da guerra híbrida global. Com Trump no poder, há uma reativação direta do apoio internacional à extrema-direita brasileira — por meio de financiamento, think tanks, redes digitais e operações de desinformação — o que intensifica a desestabilização do governo Lula, já fragilizado por chantagens institucionais, limitações econômicas e isolamento narrativo. Essa desestabilização estimula a fabricação de escândalos, o uso renovado do lawfare e o avanço de campanhas morais e religiosas nas redes, fortalecendo a mobilização das bases evangélicas e digitais. Com esse terreno preparado, emergem novas candidaturas da extrema-direita — mais "limpas", moderadas no discurso e amplamente apoiadas por elites econômicas e midiáticas. Paralelamente, o campo progressista permanece fragmentado, desmobilizado e com dificuldade de reocupar os territórios e disputar a imaginação popular. Essa combinação de fatores faz com que, segundo o cenário representado, a probabilidade de vitória da extrema-direita em 2026 seja hoje de aproximadamente 60%, enquanto a chance de vitória do campo progressista, caso mantenha sua trajetória atual, seja de apenas 25%. Um terceiro caminho, mais incerto, porém possível, representa um cenário de inflexão e reconstrução soberana, com cerca de 15% de chance — e depende de uma reorganização estratégica profunda, envolvendo narrativa, base social, comunicação e enfrentamento direto da máquina de guerra híbrida. O gráfico, portanto, não apenas projeta os caminhos possíveis, mas também alerta: a inércia favorece o retrocesso. A única alternativa real está na ruptura consciente e organizada com o ciclo da paralisia.
* Wanderley Anchieta - pesquisador de Pós-Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF) com bolsa FAPERJ Nota 10. Doutor em Comunicação pelo mesmo curso. Desenvolve pesquisas sobre narratologia, ficção e dramaturgia, desinformação
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: