O C4 e a moral golpista
Desconstruir essa moral é tarefa essencial para a defesa do Estado Democrático de Direito. E isso começa por chamar as coisas pelo nome: são criminosos
Sabemos que a República brasileira foi parida por um golpe de Estado, liderado por militares que depam D. Pedro II e alçaram o marechal Deodoro da Fonseca à Presidência. Desde então, golpes e rupturas institucionais se sucederam - não exatamente como consequência direta do primeiro, mas, parafraseando livremente a filosofia kantiana, porque aquele aconteceu.
Em 1930, Getúlio Vargas chega ao poder encerrando a chamada República Velha, também por meio de um golpe, com participação decisiva dos militares. Depam o presidente em exercício, Washington Luís, e impediram a posse de Júlio Prestes, que havia vencido a eleição. Vargas assumiria como chefe do Governo Provisório e, em 1934, teria seu mandato prorrogado após uma eleição indireta.
Os mesmos militares que o colocaram no poder voltariam a apoiá-lo em 1937, quando Vargas aplicou um autogolpe e instaurou o Estado Novo. O pretexto foi a suposta ameaça comunista, encarnada no chamado Plano Cohen — um documento que detalhava, em tom alarmista, um plano de tomada do poder pelos comunistas. Mais tarde, revelou-se que o plano era uma fraude, uma fake news criada pelo capitão Olímpio Mourão Filho.
Mas como o mesmo pau que bate em Chico bate em Francisco, foram também os militares que, em 1945, retiraram Vargas da Presidência. E, novamente, em 1954, estiveram nos bastidores da crise política que levou ao seu suicídio, sob a liderança retórica de Carlos Lacerda e com a articulação de antigos aliados.
O ciclo golpista se repetiria em 1964, com a deposição de João Goulart. Mais uma vez, o discurso da ameaça comunista foi mobilizado, agora somado à retórica de combate à corrupção e de restauração da ordem. Estava consolidada, ali, a moral golpista que sustenta o “partido militar”: enfrentamento ao comunismo (mesmo que este seja uma construção imaginária), combate à corrupção (ainda que seus próprios governos não estejam isentos de escândalos), e defesa nacional (mesmo quando alguns de seus integrantes prestam continência à bandeira dos Estados Unidos).
Essa mesma moral serve de combustível para os movimentos golpistas mais recentes, como os articulados por Jair Bolsonaro entre 2022 e 2023. E inspira grupos criminosos como o desbaratado recentemente pela Polícia Federal, cujo nome incluía a sigla de um explosivo - o C4 - seguida de “corruptos e comunistas”.
Desconstruir essa moral é tarefa essencial para a defesa do Estado Democrático de Direito. E isso começa por chamar as coisas pelo nome: são criminosos. É isso que se espera dos julgamentos no STF relacionados aos atos de 8 de janeiro. Condenar todos os envolvidos será um bom começo.
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