Modalidade de ensino EAD e o caos da educação
O EAD virou uma máquina para alguns ganharem muito dinheiro
Assisti, estarrecido, a uma entrevista do filósofo Luiz Pondé, que relatou uma experiência vexatória. Ao citar Shakespeare numa palestra, uma aluna de um determinado curso universitário, lhe fez a seguinte pergunta: “o que é Shakespeare?”. É claro que a culpa, ou melhor a deficiência, não está nessa aluna, mas na qualidade do ensino no Brasil, pois é comum vermos pessoas com curso superior completo que não conseguem escrever um texto simples ou formular questões com relativa complexidade. Sem negar a existência de Universidades públicas, e mesmo privadas, de excelência em nosso país, o ensino universitário foi sempre insuficiente, com momentos de avanços, como espasmos, mas sem incorporar projetos pedagógicos consistentes para a formação cultural, social, tecnológica e científica dos jovens do país, em busca de uma formação universitária. O advento do modo de ensino à distância (EAD), que pode ser muito positivo por agregar novas tecnologias de comunicação, virou uma máquina para alguns ganharem muito dinheiro e outros tantos receberem um diploma de uma especialidade sem a devida qualificação, guardando-se todos os cuidados, pois existem instituições de ensino sérias que têm ensino à distância e profissionais bem formados por EAD.
Em 19 de maio deste ano, o presidente Lula editou um decreto que contém pontos importantes para regulamentar a modalidade de ensino EAD, mas insuficiente; a meu ver, o decreto apenas tangencia o problema e no conteúdo em si, afora a proibição de ensino à distância para alguns cursos universitários, enuncia questões gerais, que já deveriam ser fiscalizadas pelo MEC, sem a necessidade deste decreto como:
III - garantia do direito ao o, à permanência e à aprendizagem, assegurado o padrão de qualidade e de excelência acadêmica aos estudantes da educação superior, independentemente do formato de oferta do curso;
IV - promoção da interação entre estudantes e profissionais da educação;
V - desenvolvimento de habilidades e competências diversas mediante uso de meios de tecnologias de informação e comunicação;
VI - desenvolvimento pleno do estudante para o exercício da cidadania e para a qualificação profissional;
VII - valorização da docência.
Com ou sem essas alíneas contidas no decreto presidencial, já existem motivos suficientes para fechar muitas escolas de ensino à distância e mesmo de ensino presencial, coisa que sabemos que não aconteceu e não acontecerá.
O número de brasileiros com curso superior completo triplicou nestes quase 25 anos do Século XXI. Temos, de acordo com o censo de 2022, 18,4% da população com um diploma universitário. Em 2000, somente 6,8% da população tinha concluído o ensino superior. Este dado é para ser festejado, apesar de tudo, mas, infelizmente, salvo o enriquecimento de muitos donos de escola neste período, graças à abertura desbragada de cursos e vagas, mesmo em áreas vitais como medicina, por exemplo, garantidas as suas sustentações, com programas sociais como ProUni e FIES, não significou elevação do padrão cultural, técnico e científico do povo brasileiro.
A exceção de alguns períodos, a regulamentação do ensino universitário no Brasil sempre foi problemática. No período colonial, Portugal proibia o ensino superior, apesar de algumas tentativas dos jesuítas, a “elite” formava seus filhos na Europa. Nas Américas, a história foi diferente, já no Século XVI foram fundadas a Universidade de São Domingos, na República Dominicana, a Universidade de San Marcos, no Peru, a Universidade do México, cem anos depois e, ainda no século XVII, a Universidade de Harvard, nos EUA. No Brasil, o ensino superior teve início com a chegada da família real portuguesa, Dom João VI fundou a Escola de Cirurgia da Bahia, atual Faculdade de Medicina da UFBA, em 1808 e, meses depois, a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina da UFRJ. Duas décadas depois, Dom Pedro I criou as Faculdades de Direito de Olinda, em Pernambuco, e a Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo. A história do Ensino Superior em nosso país pode ser dividida em algumas fases marcantes, cada uma com características e impactos específicos:
- as origens no império;
- a expansão discreta até a revolução de 30, a regulação e grande evolução até 64;
- o debate e Reforma Universitária a partir de 68, e início de crescimento da rede privada, com mudanças significativas nos currículos;
- a Constituição de 1988, um marco na definição da obrigação do Estado com o Ensino, algo não viabilizado até hoje e posteriormente a LDB (lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional);
- e a completa “bagunça", desculpe-me o termo, que vivemos de 2000 até o presente, com o crescimento explosivo da rede privada, encolhimento relativo da rede pública e um certo desregulamento do ensino superior.
Nas últimas duas décadas assistimos a uma desregulamentação na prática do ensino superior, com maior o, modernização e expansão dos cursos, muitas vezes deslocados das necessidades históricas e sociais do país, crescimento absoluto do número de estudantes, aumento assustador da diversidade de cursos e instituições que, às vezes, não é possível definir a função na sociedade de determinados cursos, como também garantir a qualificação na formação dos estudantes. Somente para termos uma ideia, em 1995 o Brasil contava com 235 faculdades de Direito, em 2023 aram para 1896, com um aumento astronômico de estudantes, os EUA contam com 200 faculdades de Direito. O que está acontecendo com o ensino médico, com a profusão descontroladas de aumento de vagas nas universidades e aumento de escolas beira à barbaridade, isto será assunto para outro artigo.
De volta ao Ensino EAD, cabe ao MEC fazer uma fiscalização rigorosa, para garantir a execução do projeto pedagógico para cada área. Sou defensor entusiasta da incorporação das tecnologias modernas no ensino, do ensino no formato EAD, das aulas síncronas à distância, bem como das assíncronas, com controle de atenção dos alunos, no sentido de potencializar o aprendizado e facilitar os testes deste aprendizado.
Considero que o Brasil precisa de uma séria reforma educacional, começando pela avaliação e mudança do ensino básico, essencialmente público e universal, com adoção do ensino em tempo integral, menos alunos por sala de aula, professor requalificado pela educação continuada e valorizado, ensino médio profissionalizante e currículo pedagógico moderno, antenado com as novas tecnologias. Em relação ao ensino superior público ou privado; presencial, semipresencial e à distância, também precisamos de uma reforma geral, compatível com as mudanças sociais e tecnológicas que o mundo está vivendo, Não basta um decreto para minorar distorções do ensino tipo EAD. Precisamos criar as condições para a articulação das universidades com as grandes empresas e os grandes empreendimentos do país para desenvolver o pensamento crítico, fomentar e produzir novas tecnologias e desenvolver novas ideias e teorias para o país e para a humanidade.
A Educação é parte integrante do Projeto para o Brasil, é um aporte para o nosso futuro. Entretanto, lamentavelmente, o maior problema da Educação no Brasil, básica ou universitária, presencial ou EAD é a qualidade do ensino.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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