Entre constrangimentos, ameaças de sanções e anúncio de mais tarifas, Trump amplia atritos com o Sul Global
Com embates públicos e medidas unilaterais, EUA isolam aliados estratégicos e tensionam bloco dos BRICS
O mês de maio foi atravessado por uma série de episódios que intensificaram o desgaste nas relações entre os Estados Unidos, liderados pelo presidente republicano Donald Trump em seu segundo mandato, e os países integrantes do BRICS.
Os conflitos se desenrolaram em diferentes esferas — diplomática, comercial e institucional — com episódios de destaque envolvendo Brasil, África do Sul, China e Irã.
Encontro constrangedor entre Trump e Ramaphosa expõe tensões com a África do Sul
Um dos episódios mais simbólicos ocorreu durante a visita do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, à Casa Branca. Em um gesto amplamente criticado por diplomatas e analistas, Trump apagou as luzes da sala onde se realizava a reunião e exibiu um vídeo com imagens supostamente comprobatórias de violência contra fazendeiros brancos na África do Sul. O material incluía registros desconexos, muitos deles gravados em outros países africanos, e foi acompanhado de documentos que Trump afirmava serem provas de um "genocídio".
Ramaphosa respondeu de forma serena, porém categórica: “Não, não, não, não. Ninguém pode tomar terras”, afirmou, rebatendo a narrativa de expropriações violentas. O presidente sul-africano explicou que o processo de desapropriação com compensação previsto na legislação de seu país é regulado por critérios de interesse público e não autoriza o uso de violência.
Dados do governo sul-africano corroboram sua posição: em 2024, houve 44 homicídios em áreas rurais, dos quais apenas oito tiveram vítimas brancas — número ínfimo diante de um total de mais de 26 mil assassinatos no país, a maioria de pessoas negras.
O episódio teve ampla repercussão internacional e foi interpretado como mais um o na escalada de hostilidades entre os dois países. Nas semanas anteriores, Trump já havia suspendido a ajuda financeira à África do Sul e concedido status de refugiado a sul-africanos brancos alegando perseguição. Em 1º de maio, 49 desses refugiados desembarcaram nos EUA com apoio do Departamento de Estado, enquanto imigrantes africanos e árabes continuavam sendo barrados sob alegações de segurança — situação denunciada por organizações de direitos humanos como expressão de seletividade racial.
Críticas indiretas ao Brasil geram reação diplomática
O Brasil também esteve no centro de recentes atritos com Washington. Um dos episódios mais relevantes envolveu o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, que anunciou novas restrições de visto direcionadas a autoridades estrangeiras acusadas de violar direitos de empresas ou cidadãos dos Estados Unidos. “Autoridades estrangeiras que atuam para minar os direitos dos americanos não deveriam desfrutar do privilégio de viajar para os Estados Unidos”, declarou Rubio.
Apesar de não citar nomes, a medida foi interpretada como uma alusão direta ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, responsável por decisões que restringiram o funcionamento de plataformas digitais como o X (ex-Twitter), em meio a investigações sobre disseminação de desinformação no Brasil. A declaração gerou resposta imediata do governo brasileiro, que cobrou explicações formais ao Departamento de Estado por meio do Itamaraty.
Brasil afetado por nova ofensiva tarifária dos EUA
Em mais uma medida de impacto direto, Trump anunciou nesta sexta-feira (30) que planeja aumentar a tarifa de importação sobre o aço estrangeiro de 25% para 50%. O Brasil foi um dos principais afetados, já que mais da metade de suas exportações siderúrgicas em 2024 — sobretudo de produtos semiacabados — tiveram os Estados Unidos como destino. Autoridades brasileiras ressaltaram que o país já operava dentro de cotas voluntárias estipuladas desde 2018, após acordo com Washington.
Choques com China e Irã ampliam isolamento norte-americano
As tensões entre Estados Unidos e China também se agravaram, especialmente nos setores de tecnologia, segurança e comércio. Apesar de um acordo provisório ter suspendido algumas tarifas por 90 dias, o confronto permanece acentuado. Trump acusou Pequim de práticas desleais e ampliou as restrições sobre produtos estratégicos como motores de aviação e semicondutores, movimento que especialistas interpretam como sinal de ruptura duradoura nas cadeias produtivas globais.
Já com o Irã, a Casa Branca impôs novas sanções contra redes suspeitas de "comercializar petróleo para financiar a Guarda Revolucionária iraniana". Segundo os EUA, os recursos estariam sendo destinados a programas de mísseis e apoio a milícias no Oriente Médio.
Apesar da retórica beligerante, representantes dos dois países iniciaram negociações indiretas, mediadas por terceiros, para discutir a retomada do acordo nuclear. Trump reconheceu a existência dos diálogos, mas afirmou que os EUA “não hesitarão em usar a força” se julgarem necessário.
Multipolaridade se consolida diante do vácuo deixado pelos EUA
Para analistas, os episódios recentes revelam não apenas um momento de tensão conjuntural, mas uma mudança profunda na estrutura das relações internacionais. A postura agressiva e unilateral da istração Trump tem impulsionado uma aproximação estratégica entre os membros do BRICS, agora ampliado com a entrada de países como Irã, Egito e Emirados Árabes Unidos.
“O aprofundamento dos laços econômicos com a China e a renovada intervenção dos EUA fazem os países latino-americanos repensarem seus alinhamentos externos”, avalia o professor de relações internacionais e comentarista político Oliver Stuenkel. A crescente coesão entre os países do bloco, mesmo entre os que adotam posturas neutras, como Brasil e Índia, aponta para um esforço conjunto em desenvolver alternativas à ordem global liderada pelos Estados Unidos.
Diante de uma diplomacia pautada por sanções, tarifas e confrontos públicos, a estratégia de Trump pode estar gerando um efeito oposto ao pretendido: ao invés de isolar seus adversários, vem catalisando alianças entre eles — e fortalecendo a posição da China no tabuleiro geopolítico.
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