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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

      93 artigos

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      Do sangue à genômica: o que meus triglicerídeos altíssimos revelam sobre o DNA do Brasil

      Sara York analisa o impacto de uma pesquisa inédita da USP publicada na Science, que sequenciou o genoma de milhares de brasileiros

      (Foto: Divulgação)

      Não é todo dia que uma pesquisa científica de ponta toca diretamente em nossa pele. Ou melhor: em nosso sangue. Quando recebi o diagnóstico de uma taxa de triglicerídeos de 4.800 - sim, quatro mil e oitocentos, enquanto o valor de referência é até 150 - entendi que estava diante de algo que não era apenas clínico: era genético, ancestral, histórico.

      Como mulher trans e biomédica em formação, decidi não apenas tratar o sintoma, mas investigar as causas profundas - não só no meu corpo, mas também nos de minha família. Meu filho, com taxas normais, contrastava com meu neto, uma criança de 9 anos, que já apresentava alterações preocupantes nos lipídios sanguíneos. A pergunta não era apenas médica: era existencial. Que herança genética carregamos? De onde viemos? E o que isso diz sobre nosso futuro? Eu nao conheco minha genitora, ou seja, eu olho para o futuro (meu netinho) tentando entender o meu/nosso ado.

      Foi nesse contexto que recebi com entusiasmo a publicação da pesquisa comandada pela Dra. Kelly Nunes da Universidade de São Paulo (USP) na revista Science, considerada um divisor de águas para a genética brasileira. Trata-se do primeiro sequenciamento completo de larga escala feito no país. O estudo analisou a totalidade do genoma - cerca de 3 bilhões de pares de bases por pessoa - em milhares de indivíduos brasileiros.

      Uma riqueza invisível aos olhos eurocêntricos

      Os achados são impressionantes: foram identificadas 8,7 milhões de variações genéticas nunca antes catalogadas. Esse número colosal não é apenas um feito técnico. Ele escancara o que por muito tempo foi ignorado pela ciência mundial: o Brasil possui, possivelmente, a maior diversidade genética do planeta no nível populacional. Isso é fruto de séculos de miscigenação acelerada entre povos originários, africanos escravizados e colonizadores europeus - um processo histórico que, embora violento e assimétrico, gerou um mosaico genético único.

      Segundo a bióloga e geneticista Kelly Nunes, especialista em genômica populacional e imunogenética, essa diversidade tem impacto direto sobre nossa saúde. "A maioria dos bancos de dados genéticos usados globalmente são baseados em populações de origem europeia. Isso torna invisível uma parte gigantesca da variabilidade genética de populações como a brasileira, especialmente em relação à metabolização de fármacos e predisposição a doenças", explica a pesquisadora, autora de importantes estudos sobre seleção natural no sistema imune de povos indígenas.

      Triglicerídeos, metabolismo e ancestralidade

      No meu caso, as taxas elevadíssimas de triglicerídeos me levaram a questionar: será que carrego alguma variação genética rara, talvez herdada de um grupo específico, que afeta meu metabolismo lipídico? Sem dados sobre minha origem - sem conhecer sequer quem foram meus avós biológicos - , o estudo genético torna-se mais que uma ferramenta: é um farol. E quando meu neto começou a apresentar alterações similares, a busca ganhou urgência transgeracional.

      É justamente aí que a medicina de precisão baseada em dados brasileiros pode fazer a diferença. Variantes genéticas que regulam enzimas envolvidas no metabolismo de lipídios - como a LPL, APOC3, APOE e outras - podem estar mais ou menos presentes dependendo da ancestralidade de uma pessoa. Uma variação que é rara entre europeus pode ser comum entre indígenas ou africanos e ter implicações importantes para a saúde cardiovascular.

      Com a inclusão dessas 8,7 milhões de variações recém-descobertas em bancos genéticos, o Brasil poderá finalmente construir um sistema de diagnóstico e tratamento que reflita a nossa realidade. Sem isso, continuaremos usando parâmetros genéticos importados que não conversam com nossos corpos - e, por vezes, os silenciam.

      A medicina do futuro tem sotaque brasileiro

      A pesquisa da USP não é apenas uma vitória da ciência brasileira. É um gesto de reparação epistêmica. Ao incluir populações miscigenadas, com histórias complexas, a genômica finalmente começa a refletir a diversidade da humanidade. Para quem, como eu, busca respostas onde antes havia apenas silenciamento, isso representa esperança - e responsabilidade.

      Mas para que essa esperança se concretize em saúde pública ível, serão necessárias políticas públicas robustas, investimento contínuo, e uma vigilância ética firme: garantir que esses dados sirvam ao povo brasileiro, e não apenas a grandes corporações farmacêuticas. Que sirvam à criança com triglicerídeos alterados em uma cidade pequena, à avó que nunca soube de onde veio, à mulher trans que se recusa a aceitar o "normal" como limite.

      Se o genoma brasileiro é o mais diverso do mundo, então nossa ciência precisa ser, também, a mais ousada, a mais plural e a mais justa.

      Referência principal:

      Science (2024). [Artigo completo disponível em DOI:10.1126/science.adk6527]

      NUNES, K. et al. (2021). How natural selection shapes genetic differentiation in the MHC region: A case study with Native Americans. Human Immunology, v. 82, n. 7, p. 523–531.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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