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      Evandro Menezes de Carvalho

      Professor da UFF, FGV-Rio e Professor da Cátedra Wutong da Universidade de Língua e Cultura de Pequim. Ganhador do Prêmio Amizade do Governo Central da China em 2023

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      Diplomacia do conhecimento: um imperativo para a América Latina e o Caribe na relação com a China

      China amplia bolsas e isenta vistos para fortalecer parceria com a América Latina via diplomacia do conhecimento

      Presidente da China, Xi Jinping, discursa na abertura do Fórum China-CELAC, em Beijing (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

      A realização do 4º Fórum China-CELAC, em maio de 2025, reforçou os laços comerciais e diplomáticos entre a China e os países da América Latina e do Caribe. E evidenciou, também, a importância que o governo chinês dá à promoção do conhecimento sobre a China entre os povos latino-americano e caribenhos. Na ocasião, Xi Jinping anunciou que, nos próximos três anos, a China oferecerá 3.500 bolsas de estudo, 10 mil vagas para treinamento na China, 500 bolsas para professores internacionais de chinês, 1000 oportunidades de intercâmbio pelo programa “Ponte da Língua Chinesa” e, ainda, 300 vagas de formação técnica especializada voltada para a redução da pobreza. A isenção de visto a cinco países da região (Argentina, Brasil, Chile, Peru e Uruguai) também é um claro sinal de estímulo ao intercâmbio entre os povos.

      No seu discurso, Xi Jinping cita um provérbio chinês que diz que “a maior alegria da vida é encontrar uma alma que nos compreenda”. Isto me fez lembrar o que disse Lin Yutang em seu livro intitulado “A China e os chineses” publicado em 1937: “Ou se gosta da China ou se tem aversão, e então procura-se justificar seus gostos. (...) A China teria preferido ser compreendida a ser descrita como grande, e isso teria sido melhor para todos”. Os números e desafios superlativos da China não podem ser obstáculos para o objetivo insistente de querer conhecê-la profundamente. Se a região latino-americana deseja ocupar um papel mais ativo e criativo nas relações com a China, é fundamental que conheça a sociedade chinesa para além da superficialidade de uma visita técnica. Além disso, conhecer um país não se resume à leitura de indicadores econômicos ou à análise de acordos comerciais. Requer, acima de tudo, uma compreensão estruturada da lógica político-institucional que orienta o sistema chinês, bem como das políticas domésticas e externas do governo de Xi Jinping e dos valores históricos e culturais que moldam a forma da organização da sociedade chinesa no seu cotidiano.

      No Ocidente, a governança chinesa é frequentemente reduzida a estereótipos binários: autoritarismo versus democracia, controle estatal versus liberdade de mercado, comunismo versus capitalismo. Essa visão superficial que insiste em encaixar um país de alta complexidade organizacional e portador de uma civilização longeva dentro de parâmetros conceituais fechados, empobrece o debate e compromete a qualidade do diálogo. A América Latina e o Caribe devem rejeitar esta simplificação da realidade. Por razões encontradas no solo da história do povo chinês e na cultura política moldada por centenas de anos, a governança da China possui uma lógica que combina, dentre outras características, planejamento de longo prazo com metas e métricas claras para a sua execução, meritocracia partidária que une seleção e progressão de quadros com base no talento e na virtude, mobilização institucional coordenada que envolve um sistema de supervisão horizontal e vertical e, cada vez mais, uma maior participação da população na avaliação e definição de iniciativas governamentais. Nenhuma dessas variáveis é inteiramente compreendida com as ferramentas ocidentais tradicionais de análise política.

      A ignorância sobre como se estrutura o poder na China e como funcionam os processos decisórios dentro do Partido Comunista da China (PCCh) e nos órgãos do Estado gera mal-entendidos recorrentes. Na cultura política chinesa, a previsibilidade, a cautela e o consenso interno têm precedência sobre impulsos conjunturais. A dificuldade comum em muitos países da América Latina e Caribe é entender o tempo e a dinâmica da sociedade chinesa que ora acelera, ora entra em modo de espera. Sem o conhecimento da governança chinesa, a região corre o risco de ocupar apenas o lugar de parceiro reativo, que não propõe, mas apenas responde. Assim, compreender os planos quinquenais, os mecanismos de coordenação entre os diferentes níveis istrativos (central, provincial, local), as prioridades internas do governo chinês e as diretrizes emanadas dos Congressos Nacionais do Partido é uma condição para dialogar de maneira produtiva. Além disso, o conhecimento qualificado ajuda a desmistificar o receio de uma “dependência chinesa” ou de uma “ameaça asiática”. A falta de familiaridade com o sistema chinês transforma o interlocutor latino-americano num agente de autossabotagem diplomática, que não sabe aproveitar plenamente as oportunidades oferecidas, tampouco traçar limites de forma segura.

      A China tem feito a sua parte. Há uma série de ações estruturadas em sua política externa que se orientam pelo princípio da diplomacia do conhecimento, baseada em estudo aprofundado do parceiro antes da negociação e cooperação. A criação de centros de estudos latino-americanos na China bem como a cooperação com universidades latino-americanas tem permitido desenvolver uma diplomacia acadêmica de altíssimo nível visando contribuir para o desenvolvimento de parcerias capazes de beneficiar os povos envolvidos. Tomando como referência as bem-sucedidas “zonas econômicas especiais” da política de reforma e abertura, a cooperação científica China-CELAC pode dar origem a “zonas especiais do saber”, essenciais para o desenvolvimento soberano dos povos.

      Não é sem razão que o governo chinês deu ênfase na diplomacia do conhecimento. Já no 1º Forum China-CELAC ocorrido em 2015, em Beijing, os países haviam concordado em ampliar o comércio para US$ 500 bilhões e os investimentos chineses na região para US$ 250 bilhões até 2025. Dez anos depois, a meta para o comércio entre a China e a América Latina e o Caribe foi superada e os investimentos chineses atingiram a surpreendente cifra de US$ 600 bilhões. Este crescimento não se dá sem a experiência da prática no comércio internacional combinada com “containers” de informações decantadas pelos centros de pesquisa sobre o país com quem está construindo relação.

      O que o Fórum China-CELAC deixa evidente é que há um potencial significativo de cooperação Sul-Sul, mas precisa de maior simetria informacional. Contudo, enquanto os chineses investem no estudo da América Latina, os países latino-americanos ainda dedicam pouco esforço institucional à compreensão da China contemporânea. Sem programas robustos de formação de quadros, sem investimentos em sinologia, sem coordenação regional para intercâmbio acadêmico e institucional, a região permanecerá como interlocutora iva.

      Esse esforço diplomático de criação de programas de estudos latino-americanos e de estudos chineses a pelas universidades e alguns poucos think tanks que desejam construir pontes de diálogo técnico e científico com a China. E requer, sobretudo, uma reeducação do olhar: parar de ver a China com os filtros do ado ou com os olhos de Washington, e ar a enxergá-la como ela é — com suas contradições, sim, mas também com seus méritos, ambições e singularidades. Diálogos com promessas de futuro conjunto não se constroem apenas com afinidades ideológicas ou interesses comerciais. Exigem conhecimento, empatia institucional e sensibilidade cultural. A China valoriza parceiros que compreendam sua visão de mundo, sua linguagem política, seu tempo histórico. Para que os países da CELAC possam propor projetos, negociar com autonomia e influenciar agendas multilaterais, é urgente que conheçam o modo chinês de governar, decidir, negociar e priorizar. E, assim, saber apresentar suas visões de mundo e peculiaridades no contexto de um diálogo produtivo.

      Conhecer a China é condição prévia para se relacionar com ela de forma madura e estratégica. O 4º Fórum China-CELAC foi mais do que um evento diplomático: foi um lembrete de que o século XXI será definido, em grande parte, pela qualidade das relações entre a Ásia e a América Latina. E, para que essas relações sejam justas e proveitosas, é preciso investir sistematicamente na compreensão profunda e estratégica da América Latina e da China. Essa diplomacia do conhecimento é essencial para a Iniciativa de Civilização Global e permitirá aos latino-americanos e caribenhos construírem uma comunidade de futuro compartilhado com os chineses com mais resultados positivos para os povos envolvidos.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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