Cúpula em Pequim consolida papel da China como principal parceira extra-regional da América Latina
Cooperação em infraestrutura, energia e tecnologia marca nova etapa das relações entre China e América Latina
A Cúpula China-CELAC, realizada nesta semana em Pequim, marcou uma nova etapa na relação entre o gigante asiático e os países da América Latina e do Caribe.
Com a presença de representantes de 32 dos 33 países-membros da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) — exceção feita à Argentina —, o encontro consolidou o aprofundamento de uma parceria estratégica com forte peso econômico, político e geopolítico.
Durante os dois dias de evento, o presidente chinês Xi Jinping anunciou uma nova linha de crédito no valor de 66 bilhões de yuan (cerca de US$ 9,2 bilhões), voltada para projetos de infraestrutura, energia e desenvolvimento sustentável na América Latina. O plano prevê condições favoráveis para os países da região, incluindo financiamento em moeda local por meio de acordos de swap cambial e iniciativas voltadas à desdolarização do comércio bilateral.
Ao todo, foram firmados dezenas de acordos bilaterais e multilaterais entre China e os países latino-americanos. A cúpula aprovou ainda um ambicioso Plano de Ação Conjunto China-CELAC até 2027, com uma carteira de 100 projetos em áreas como transporte, energia limpa, inovação tecnológica, agricultura, saúde e integração financeira.
A presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cúpula garantiu destaque ao Brasil, que assinou 20 novos acordos de cooperação com a China e alinhavou outros 16 para os próximos meses. Os projetos firmados contemplam desde parcerias em inovação e inteligência artificial até financiamento de obras de infraestrutura como ferrovias, rodovias, portos e linhas de transmissão de energia.
Entre os destaques da cooperação bilateral está a criação de um Centro de Transferência de Tecnologia sino-brasileiro, que visa acelerar a incorporação de tecnologias avançadas em setores como robótica, indústria automotiva e inteligência artificial. Também foi firmado um acordo para uso compartilhado dos satélites sino-brasileiros CBERS-5 e 6, voltado ao monitoramento ambiental e agrícola. No campo da saúde, os países pactuaram protocolos para produção local de vacinas, medicamentos e insumos hospitalares.
A área de energia também foi uma das mais estratégicas para o Brasil. Empresas chinesas anunciaram planos de investimento de cerca de US$ 4,5 bilhões em fontes renováveis e infraestrutura energética. Também foi firmado um acordo para cooperação em energia nuclear com fins pacíficos.
Outro avanço relevante foi o acordo de swap cambial entre os bancos centrais do Brasil e da China, que prevê a troca de até R$ 157 bilhões em moedas locais ao longo de cinco anos. A medida visa facilitar transações comerciais e investimentos sem depender do dólar, além de fortalecer a integração financeira sul-sul.
A agricultura também foi pauta relevante do encontro. A China firmou compromissos para ampliar a compra de alimentos da América Latina, como carne bovina, suína, grãos andinos e lácteos, contribuindo para a segurança alimentar chinesa e fortalecendo cadeias produtivas regionais. Foram anunciados programas de mecanização agrícola e acordos para modernizar a agricultura familiar, especialmente no Brasil.
Para além do Brasil, outros países latino-americanos aproveitaram a cúpula para aprofundar laços com Pequim. A Colômbia sinalizou intenção de aderir à Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road), da qual mais de 20 países da CELAC já fazem parte. Honduras, Venezuela, Bolívia e Equador destacaram obras de infraestrutura em andamento com apoio chinês, incluindo ferrovias, rodovias e usinas de energia.
Conjuntura global
No campo político, a cúpula evidenciou um esforço de convergência entre China e América Latina em torno de uma agenda de multilateralismo e soberania. Xi Jinping defendeu o direito dos países latino-americanos de buscarem seus próprios caminhos de desenvolvimento e criticou “interferências externas”, em referência implícita à influência histórica dos EUA no continente. Lula, por sua vez, afirmou que “o destino da América Latina depende unicamente de nós mesmos” e reiterou a importância da CELAC atuar de forma unificada nas negociações com grandes potências.
A ausência da Argentina, sob governo alinhado aos Estados Unidos, e a decisão do Panamá de não renovar sua participação na Iniciativa do Cinturão e Rota revelam que nem toda a região avança no mesmo ritmo nas relações com a China. Ainda assim, a ampla adesão à cúpula e a de acordos estratégicos indicam que a maioria dos países latino-americanos vê na parceria com Pequim uma oportunidade concreta de crescimento.
Nos últimos 20 anos, o comércio entre China e América Latina saltou de US$ 12 bilhões para mais de US$ 500 bilhões anuais. A China já é o principal parceiro comercial de países como Brasil, Chile e Peru, e tem consolidado sua presença como investidor em setores-chave como mineração, energia, telecomunicações e infraestrutura.
A edição da Cúpula China-CELAC de 2025 consagrou esse processo e projetou próximos os. Com iniciativas robustas em curso e um ambiente internacional favorável à multipolaridade, a relação sino-latino-americana tende a se consolidar como eixo estratégico do século XXI.
Brasil deve procurar ampliar parcerias com a China
Para o Brasil, em particular, o desafio agora é aproveitar essa janela de oportunidade para atrair ainda mais investimentos sólidos em áreas estruturantes como educação, logística, indústria e tecnologia.
Apesar dos avanços registrados na cúpula, a dependência de exportações de commodities permanece elevada, e os investimentos externos continuam concentrados em infraestrutura física e energia. Portanto, é fundamental que o país se movimente de forma coordenada para ampliar a diversificação da pauta de cooperação.
Nesse sentido, o Brasil pode — e deve — propor projetos ambiciosos que envolvam a modernização do sistema educacional, com foco em ciência aplicada, engenharia e formação técnica voltada à nova economia verde e digital. Do mesmo modo, há espaço para buscar a instalação de parques industriais com cadeias produtivas integradas ao mercado chinês, o que poderia gerar emprego, tecnologia e agregar valor às exportações brasileiras.
Além disso, a ampliação dos investimentos chineses em transporte, portos e ferrovias precisa estar conectada a estratégias nacionais de integração logística, de modo que esses ativos sirvam ao desenvolvimento interno e à redução das desigualdades regionais.
A capacidade de atração da China como financiadora e parceira tecnológica é inegável — mas cabe ao Brasil liderar a formulação de projetos que atendam a seus próprios objetivos de desenvolvimento de longo prazo.
A China, por sua vez, tem interesse estratégico em contar, no futuro, com uma infraestrutura industrial moderna na América do Sul, capaz de fornecer bens, alimentos e energia com estabilidade. Um Brasil mais produtivo, conectado e industrializado favorece também os planos chineses de diversificar suas cadeias globais de valor e reduzir riscos geopolíticos. A convergência de interesses está posta.
O aproveitamento pleno dessa oportunidade depende, agora, da capacidade política e institucional brasileira de definir prioridades claras, apresentar projetos viáveis e negociar em bloco com seus parceiros regionais e internacionais.
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