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      Marcelo Zero

      É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

      448 artigos

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      Cérebros de segunda classe

      O colunista Marcelo Zero alerta: 'a mídia tradicional brasileira não vê perigo nas redes sociais desregulamentadas de extrema-direita apoiadas pelos EUA'

      Donald Trump (Foto: Reuters/Brian Snyder)

      A ignorância e a má-fé continuam.

      Agora, a mídia, em vez de comentar o grande sucesso da viagem de Lula à China, um marco geopolítico muito importante para o nosso país e para um mundo ameaçado pelo unilateralismo dos EUA, prefere fazer comentários negativos relativos às preocupações da primeira-dama sobre o Tik Tok, manifestadas em um jantar reservado com os chineses, as quais, segundo a fofoca, teriam causado “constrangimentos”. 

      Evidentemente, o autor do vazamento/fofoca deve ter poderes telepáticos que escapam aos mortais comuns para ter chegado à conclusão tão assertiva, já que suas observações não foram corroboradas por outras entidades mediúnicas porventura presentes na reunião. Ou talvez fale mandarim e tenha captado alguma conversa entre chineses. Uma pessoa talvez de cultura invulgar, mas de comportamento vulgar, certamente.

      Em primeiro lugar, vazamentos de conversas privadas e sensíveis (não protocolares e que, portanto, tem agenda livre), ainda mais em tom propositalmente distorcido, não são “normais”. Só os fazem aqueles que têm interesse em prejudicar o governo. Mas, nesse caso específico, o intento talvez seja o de inventar um suposto incômodo nas relações bilaterais Brasil/China, no contexto de uma visita relevante e exitosa, que assegurou US$ 27 milhões de investimentos ao Brasil.

      Em segundo lugar, a preocupação com as ligações das redes sociais, inclusive do Tik Tok, com a extrema-direita é mundial. Não é exclusiva da primeira-dama e do Brasil.

      Na Alemanha, por exemplo, o Tik Tok é acusado de ter claramente favorecido o partido neonazista AfD, nas últimas eleições. De fato, o AfD esteve muito ativo nas redes sociais, especialmente no Tik Tok, o que, segundo os analistas alemães, fez crescer o apoio aos neonazistas, especialmente entre os jovens. Saliente-se que, na faixa etária entre 16 e 24 anos, metade da população alemã forma opinião política através do Tik Tok. 

      Pesquisadores da Universidade de Potsdam realizaram uma análise de dados de usuários, a qual sugere que, nas semanas que antecederam a votação, o conteúdo relacionado à AfD alcançou um público muito maior na plataforma de mídia social do que o conteúdo relacionado a outros partidos políticos.

      Para realizar a análise, eles criaram 30 perfis fictícios do TikTok, de usuários nascidos em 2006, e residentes na Turíngia, Saxônia e Brandemburgo.

      Em seguida, eles analisaram mais de 75.000 vídeos que apareceram nos feeds desses perfis, durante as semanas que antecederam as eleições.

      Em média, eles descobriram que esses usuários recebiam cerca de nove vídeos por semana com conteúdo da AfD — em comparação com pouco mais de um vídeo por semana relacionado à União Democrata Cristã (CDU), e significativamente menos conteúdo relacionado a qualquer outro partido.

      E isso não ocorreu por falta de conteúdo de outros partidos. O SPD, por exemplo, produziu mais vídeos do que a AfD nas oito semanas anteriores às eleições estaduais. Mas os vídeos do partido quase não foram exibidos nos feeds dos usuários do Tik Tok.

      Em outras palavras, os algoritmos da rede impulsionavam muito os conteúdos dos neonazistas, mas obstaculizavam os conteúdos de outros partidos. 

      O mesmo acontece em outros países e no Brasil. Não é que a esquerda não saiba trabalhar as redes sociais (ou não é apenas isso). O fato concreto, estrutural, é que boa parte das redes sociais é controlada, ou parcialmente controlada, pela extrema-direita e seus interesses. As redes sociais não são neutras. Têm lado. Um lado obscuro e frequentemente antidemocrático. 

      Por isso mesmo, a direita brasileira não quer saber de regulação das redes. Não quer saber de democracia e de soberania nacional. Quer algoritmos nazistóides à solta. 

      O Tik Tok vem sendo ameaçado de ser fechado nos EUA desde 2019 e, especialmente, desde 2024, quando a Câmara dos Representantes aprovou a lei “Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Applications Act (PAFACA)”.

      Tal lei proibiria as operações relacionadas ao aplicativo completamente dentro dos EUA, a menos que a Byte Dance, empresa chinesa controladora do TIk Tok, fizesse uma venda qualificada de seu controle acionário conforme determinado pelo presidente dos EUA. Após modificações, o ato foi aprovado pela Câmara novamente e pelo Senado dos Estados Unidos, antes de ser sancionada por Joe Biden, em 24 de abril de 2024. A proibição entrou em vigor em 19 de janeiro de 2025. 

      Porém, sua aplicação vem sendo postergada seguidamente por Trump. Por quê? Ora, porque o Tik Tok tornou-se completa e descaradamente uma plataforma trumpista. O próprio Trump, que tem conta pessoal no Tik Tok, chegou a divulgar a hashtag “Save Tik Tok”. Não fosse o atual conflito tarifário entre China e EUA, a situação já teria sido resolvida.

      Os fofoqueiros talvez não saibam, mas Xi Jinping sabe perfeitamente disso e considera que os países deveriam regular as suas redes. Duvidamos que Xi tenha ficado surpreso ou incomodado com as inquietações brasileiras.

      A União Europeia e a Austrália, por exemplo, já têm regulamentações bastante exigentes sobre o funcionamento das redes sociais em seus territórios.

      A própria China, onde o Tik Tok não funciona, tem regulamentações que, ao contrário do que a mídia e os fofoqueiros afirmam, podem ser úteis ao Brasil.

      Tais regulamentações dizem respeito essencialmente a regras para proteger as crianças e os adolescentes da influência excessiva das redes sociais, outra preocupação mundial.  A ideia da China  (Cyberspace istration of China (CAC) é evitar a exposição à violência e ao vício na internet e nos games, de forma a preservar a dedicação aos estudos, a interação pessoal entre crianças e jovens e o próprio convívio familiar.

      Assim, os jovens com menos de 18 anos não podem ar a internet e as redes entre 22 p.m. e 6:00 a.m. Para os menores de 8 anos, tal uso ficará a 40 minutos por dia, sob supervisão dos responsáveis. Para os que têm 16 e 17 anos, a restrição é de 2 horas ao dia.

      As medidas se baseariam também em esforços para fortalecer a proteção online de menores, inclusive mediante o "enriquecimento de conteúdo educativo apropriado para a idade" e a redução da "influência de informações incorretas".

      Mas os pais serão os responsáveis, em última instância, em fazer cumprir as regras, e poderão flexibilizá-las. 

      Ter alguém da China para ajudar a pensar em soluções para assuntos tão graves e universais não é má ideia. Achar que a simples presença de um consultor chinês sobre o assunto poderia conduzir o país a se transformar em um “Estado totalitário” é o cúmulo da oligofrenia e da paranoia. 

      A China, ao contrário dos EUA, não intervém em assuntos internos de outros países. Não há notícia de golpe de Estado promovido pela China no Brasil e na América Latina. Mas há inúmeras evidências de intervenções desse tipo por parte dos EUA, em nosso continente. 

      Não obstante, a mídia obtusa não vê nenhum perigo nisso e nas redes sociais desregulamentadas de extrema-direita, apoiadas pelo Estado norte-americano. Curioso, não é? Não se preocupam com a NSA, a CIA  e o Elon Musk. Se preocupam com o tenebroso “consultor chinês”. Que piada!

      Aliás, a China e o Brasil já cooperam há muito nessa área. Nesta última viagem, diga-se de agem, foi firmado um Memorando de Entendimento específico sobre cooperação em inteligência artificial, algo extremamente estratégico e sensível. Ninguém se importou, até agora. Que coisa curiosa!

      Frise-se que a limitação do uso da internet, até mesmo em sala de aula, está sendo adotada, agora, em países que foram vanguarda no uso das TICs nas escolas, como os países nórdicos. Verificou-se que a experiência não foi boa. Até o QI diminuiu, segundo pesquisas fidedignas. 

      Será que diminuiu ainda mais no Brasil?

      No Brasil não há cidadãos ou cidadãs de segunda classe. O que há é cérebros de segunda classe. Ou terceira. E colunas de quinta.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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