"Ainda Estou Aqui" e o Oscar: um algoritmo de resistência em tempos de opressão
Ainda Estou Aqui não é apenas um filme; é um manifesto cultural em um mundo onde o autoritarismo ainda busca espaço
Quando o filme brasileiro Ainda Estou Aqui foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres no papel principal, uma pergunta inevitavelmente pairou no ar: o que levou essa obra a conquistar tamanha repercussão? Além de seu mérito artístico inegável, parece haver uma força coletiva impulsionando o longa, como se milhões de vozes ao redor do mundo o transformassem em um símbolo de resistência contra os tempos sombrios que vivemos.Comparado a um algoritmo, o sucesso do filme se revela como o resultado de uma fórmula complexa onde cada variável contribui para sua ascensão. A trama, que retrata um Brasil sob uma ditadura de extrema-direita em um ado não tão distante, encontra ecos dolorosos na política global atual. De líderes autoritários a regimes que normalizam discursos de ódio, o mundo parece reviver uma era de sombras. É nesse contexto que Ainda Estou Aqui encontra sua relevância universal, funcionando como um espelho para tempos que muitos gostariam de evitar, mas que são impossíveis de ignorar.
O Algoritmo do Sucesso
A primeira camada desse "algoritmo" está no roteiro. Dirigido por um cineasta nacional aclamado e roteirizado com maestria, o filme mergulha no cotidiano de uma família destruída pela perseguição política, explorando os dilemas da sobrevivência, a fragilidade das relações humanas e a força da resistência. Não é difícil traçar paralelos entre o enredo e os desafios atuais enfrentados por sociedades ao redor do mundo. Assim como um bom algoritmo de aprendizado de máquina aprende com os dados que consome, Ainda Estou Aqui absorve as dores do ado e as reinterpreta sob a lente do presente.
A atuação de Fernanda Torres, que conquistou os críticos e emocionou o público, é a outra grande variável. Sua personagem é uma mãe que, ao perder o marido para a brutalidade do regime, transforma seu luto em luta. Torres não apenas personifica o sofrimento e a resiliência de uma época, mas também parece ser um canal para as vozes das mulheres que, ao longo da história, se levantaram contra a opressão. Sua performance transcende o individual e se torna coletiva, quase como se fosse o rosto de um movimento global.
Por fim, há a recepção internacional. Com milhões de espectadores e um sucesso estrondoso em festivais de cinema, o filme parece ter hackeado o sistema: ele não é apenas uma obra cinematográfica, mas um grito de protesto. Assim como algoritmos virais nas redes sociais espalham mensagens de impacto, Ainda Estou Aqui se tornou um catalisador de diálogos sobre democracia, liberdade e resistência.
Um Grito de Resistência
O momento político atual adiciona outra camada de interpretação. Assim como o filme narra um Brasil devastado pelo autoritarismo, hoje vemos a ascensão da extrema direita em várias partes do mundo. Do Brasil aos Estados Unidos, da Itália à Hungria, líderes com discursos autoritários vêm moldando o cenário político e social, muitas vezes atacando direitos fundamentais e silenciando vozes dissidentes.
Entre esses líderes, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos se destaca como um símbolo maior da extrema direita e de suas políticas desumanas. Sua istração anterior marcou um período de ataques sistemáticos a direitos civis, políticas migratórias cruéis e a amplificação de discursos de ódio; e a atual foi inaugurada com atos de governo muito mais virulentos que sua gestão anterior. Hollywood, sempre atenta às questões sociopolíticas, pode encontrar em Ainda Estou Aqui uma oportunidade de responder diretamente a esse legado, reafirmando a importância da arte como ferramenta de resistência.Neste contexto, o sucesso do filme não pode ser visto apenas como fruto de uma produção impecável. Ele é, também, um reflexo da necessidade de resistência e de expressão. Milhões de espectadores ao redor do mundo estão assistindo a Ainda Estou Aqui não apenas pela narrativa envolvente, mas porque reconhecem nele um eco de suas próprias realidades. A aceitação calorosa pela crítica e pelo público pode ser interpretada como um movimento cultural e político, um grito coletivo contra a opressão que, mesmo em pleno século XXI, continua a se manifestar.Assim como algoritmos são programados para buscar padrões, o sucesso de Ainda Estou Aqui parece ter decifrado o código emocional de uma sociedade cansada de repressão. Sua boa recepção representa um protesto silencioso, uma recusa a normalizar o autoritarismo.
As Chances no Oscar
Quando se olha para o Oscar, a análise é inevitável: o contexto político e cultural tem grande peso nas escolhas da Academia. A premiação, que em anos recentes tem se mostrado mais sensível a questões sociais e políticas, pode ver em Ainda Estou Aqui uma oportunidade de amplificar um discurso urgente. Filmes como Parasita e Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo demonstraram que obras com temas universais e apelos emocionais profundos têm chances reais de vitória.
Fernanda Torres desponta como uma forte candidata na categoria de Melhor Atriz, com uma interpretação visceral que dialoga com os desafios de mulheres ao redor do mundo. Já a indicação ao Melhor Filme Internacional posiciona o longa como um dos favoritos, com uma narrativa que transcende fronteiras. Mas é na categoria principal, Melhor Filme, que reside o maior desafio — e, paradoxalmente, a maior oportunidade. A consagração seria um reconhecimento não apenas ao cinema brasileiro, mas também à arte como forma de resistência.
Ainda Estou Aqui não é apenas um filme; é um manifesto cultural em um mundo onde o autoritarismo ainda busca espaço. Sua indicação ao Oscar é a prova de que a arte tem o poder de ultraar barreiras e de fazer perguntas difíceis, mesmo quando as respostas não são confortáveis. Se há algo que este "algoritmo" nos ensina, é que a resistência, como a cultura, é sempre uma escolha coletiva. E talvez, ao premiar o filme, a Academia esteja dizendo ao mundo: nós também estamos aqui.
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