A turbulência na economia global
O FMI está certo: há grande incerteza no horizonte. Mas também há certezas em seus próprios relatórios e gráficos
Publicado originalmente por Globetrotter em 24 de abril de 2025
Em 22 de abril de 2025, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou o seu relatório anual World Economic Outlook, que traz um subtítulo discreto, porém decisivo: Um Momento Crítico e Mudanças de Política. O relatório, mais uma vez um trabalho extenso dos economistas do FMI e seus associados, tenta entender os tarifas primeiro ameaçadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, depois adiadas e, em seguida – como se a confusão não fosse suficiente – mantidas e aumentadas contra a China. O FMI tenta argumentar que, ao longo de 2024, "o crescimento global foi estável" e que a atual desaceleração deve-se em grande parte à "incerteza" e "imprevisibilidade" das tarifas de Trump.
O FMI divulga este relatório durante a semana anual de reuniões do Fundo e do Banco Mundial. No início dos encontros, a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, refletiu sobre a situação da economia global e afirmou que a turbulência se deve principalmente a uma "erosão da confiança". Segundo ela, os países não confiam mais uns nos outros como antes, nem no sistema internacional. Além da reversão das tarifas, o FMI diz que é necessário reconstruir a confiança nos assuntos econômicos internacionais.
Sussurros nos bastidores das reuniões do FMI e do Banco Mundial giram em torno da irracionalidade do governo Trump e, especialmente, da imprevisibilidade das próprias declarações de Trump. Ao lado do chefe da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Trump disse em uma coletiva de imprensa na Casa Branca que o Canadá "não é um país de verdade", mas seria "um excelente estado dos EUA". Esse tipo de comentário vira piada nos corredores do evento, onde homens e mulheres de terno mantêm expressões sérias, preocupados com os grandes assuntos de Estado.
Erros de Avaliação
Um dos grandes equívocos na análise do FMI é a suposição de que as economias ocidentais estavam estáveis no ano ado. Embora seja verdade que a ameaça das tarifas e depois as próprias tarifas aplicadas contra a China tenham criado um "grande choque negativo ao crescimento", não é verdade que as taxas de crescimento esperadas para este ano fossem atingir novos patamares.
Nos EUA, o crescimento tem ficado significativamente abaixo da tendência histórica desde a crise financeira de 2007-08, provocada pelo colapso do subprime. Na verdade, o crescimento acumulado desde então tem sido menor do que durante a Grande Depressão. Nos 17 anos após a quebra de 1929, o PIB dos EUA cresceu em média 3,7% ao ano, enquanto nos 17 anos desde a Crise Financeira Internacional, a média foi de apenas 2,0%.
Em outubro de 2024, o FMI projetou que os EUA cresceriam 2,2%, mas desde então revisou a previsão para 1,8%. Enquanto isso, no mesmo período, estimou um crescimento de 4,5% para a China e 6,5% para a Índia – muito acima não só da projeção para os EUA, mas também da média das economias avançadas (1,8%). As tarifas de Trump certamente agravaram os problemas dos EUA, mas não são a causa. O crescimento lento é uma realidade há quase duas décadas.
Sobre essa lentidão, o novo World Economic Outlook do FMI é surpreendentemente vago. O relatório sugere que o "principal desafio macroeconômico" dos EUA é a sua dívida pública federal, que chega a US$ 36,2 trilhões (124% do PIB). Dez países do Norte Global estão entre os vinte com as maiores razões dívida/PIB: Japão (266%), Grécia (193%), Itália (151%), EUA (124%), Portugal (122%), Espanha (117%), França (112%), Bélgica (111%), Canadá (109%) e Reino Unido (105%). Reduzir o déficit pode fazer sentido macroeconômico, mas não propõe, por si só, um caminho de volta ao crescimento. Cortes no bem-estar social reduziriam ainda mais o consumo privado. E o sonho de Trump de revitalizar a indústria estadunidense não se concretizará apenas com a redução do déficit federal – seria necessário um redirecionamento massivo de recursos para a industrialização. Sem atacar os padrões de vida, isso só seria possível com medidas como a redução dos gastos militares exorbitantes ou a reforma do sistema de saúde privado, grotescamente ineficiente. Políticas que Trump não adotará.
Conselhos Equivocados
Na verdade, o FMI dá conselhos notoriamente ruins ao governo chinês. O relatório sugere que a China deveria imitar os EUA, e não o contrário. O FMI afirma que a China deve "aumentar o consumo privado, historicamente baixo" e "reduzir políticas industriais e a presença estatal no setor". Em outras palavras: abandonar o seu perfil de crescimento de longo prazo e se tornar como os EUA, de crescimento lento!
Em novembro de 2024, o FMI publicou um estudo interessante dos seus economistas (Dirk Muir, Natalija Novta e Anne Oeking), intitulado China’s Path to Sustainable and Balanced Growth [O Caminho da China para o Crescimento Sustentável e Equilibrado]. O artigo e o World Economic Outlook argumentam que o forte desempenho da China vem dos seus estímulos pós-COVID, das exportações elevadas, da alta taxa de poupança doméstica para financiar infraestrutura pública, de um sistema bancário que direciona liquidez para pequenas e médias empresas (gerando atividade produtiva, não especulação imobiliária) e do foco em forças produtivas de alta qualidade. É um resumo bastante preciso da estrutura do crescimento chinês recente. Mas vai totalmente contra as sugestões que o FMI depois dá à China: liquidar tudo o que a permitiu evitar a estagnação das economias avançadas (incluindo pressionar o renminbi a se valorizar, como os EUA desejam, para corrigir o seu desequilíbrio comercial via câmbio, e não por maior produtividade interna).
O FMI está certo: há grande incerteza no horizonte. Mas também há certezas em seus próprios relatórios e gráficos. Poupança doméstica alta e maior soberania sobre os recursos (incluindo o sistema financeiro), combinadas com o direcionamento desses recursos para o setor produtivo (infraestrutura e industrialização), geram mais estabilidade no longo prazo do que a dependência excessiva dos mercados financeiros privados e dos caprichos da classe bilionária. Mas o FMI não encerra o seu relatório com essa conclusão. Prefere olhar pela janela e ver as tempestades no céu ocidental, ignorando a calmaria no Oriente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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