Volkswagen será julgada por uso de trabalho análogo à escravidão em fazenda na ditadura
A audiência está marcada para esta sexta-feira (30), em Redenção (PA), e deve ouvir testemunhas de ambas as partes.
247 - A Volkswagen do Brasil enfrentará julgamento na Justiça do Trabalho por denúncias de submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão na Fazenda Vale do Rio Cristalino, localizada em Santana do Araguaia (PA), entre os anos de 1974 e 1986, durante o regime militar. A informação foi publicada originalmente pela colunista Paula Gama, do UOL.
A audiência está marcada para esta sexta-feira (30), em Redenção (PA), e deve ouvir testemunhas de ambas as partes. O caso é investigado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que ingressou com uma ação civil pública pedindo R$ 165 milhões de indenização por danos morais coletivos. Além disso, o órgão solicita que a montadora apresente um pedido público de desculpas e assuma compromissos formais para evitar violações semelhantes no futuro.A fazenda, com cerca de 140 mil hectares, era operada pela Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária, Comércio e Indústria (CVRC), uma subsidiária da Volkswagen, e tinha como finalidade a criação de gado e extração de madeira. De acordo com documentos do MPT e relatos colhidos desde 2019, os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas, servidão por dívida, violência física e psicológica, vigilância armada e alojamentos em condições precárias.
Muitos foram recrutados por intermediários conhecidos como "gatos" e impedidos de deixar o local.Segundo o procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, coordenador do Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) “Fazenda Volkswagen”, o processo investigativo foi extenso e criterioso. “Os documentos e depoimentos obtidos pela instituição comprovaram as gravíssimas violações aos direitos humanos na fazenda naquele período. Foi constatada a submissão dos trabalhadores à condição semelhante à escravidão por meio de jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e servidão por dívida”, afirmou o procurador.O histórico de denúncias remonta à década de 1980. Em 1984, um inquérito policial conduzido no Pará já apontava indícios de trabalho escravo na fazenda. À época, empreiteiros contratados pela empresa foram responsabilizados, mas, segundo o padre Ricardo Rezende Figueira, um dos principais pesquisadores do tema e testemunha no processo atual, houve discordância interna no inquérito. “O Secretário de Segurança Pública divergiu de próprio punho no inquérito. Ele escreveu: se houve trabalho escravo, a empresa era corresponsável”, recorda.Também em 1984, com apoio da Comissão Pastoral da Terra (T), a Volkswagen foi processada por ex-trabalhadores. A montadora chegou a ser condenada. Rezende, que coordenava a T à época, destaca que a entidade foi responsável por reunir depoimentos e levar o caso à Justiça.Procurada pelo UOL, a Volkswagen afirmou que não comenta processos em andamento.
A principal linha de defesa da empresa é a de que não tinha conhecimento das condições às quais os trabalhadores eram submetidos, atribuindo a responsabilidade integral aos empreiteiros.O MPT chegou a tentar um acordo extrajudicial com a Volkswagen, mas as negociações foram encerradas em março de 2023, sem consenso. A montadora recusou-se a o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), alegando não reconhecer responsabilidade sobre os crimes apontados.Uma das estratégias jurídicas possíveis da empresa será argumentar que os crimes já prescreveram, uma vez que os fatos ocorreram há mais de 40 anos. Porém, o padre Rezende contesta esse argumento: “Ela pode alegar que o crime é prescritível. Mas acho frágil. O trabalho escravo e a tortura são imprescritíveis conforme sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. E, como o Brasil é signatário do sistema e reconhece sua Corte, uma decisão da Corte tem efeito vinculante para o país”.A expectativa é de que a sentença em primeira instância seja anunciada até julho deste ano. Caso seja condenada, a Volkswagen poderá recorrer.Um investimento incentivado pela ditadura
A presença da Volkswagen na região amazônica remonta ao período em que o regime militar incentivava grandes projetos econômicos na floresta, com base no lema "integrar para não entregar". Programas como o Grande Carajás, idealizado no governo do general João Figueiredo, previam o desenvolvimento da Amazônia por meio da agropecuária, mineração e infraestrutura, com fartos incentivos fiscais.Foi nesse contexto que a multinacional alemã fundou a CVRC e investiu na criação de gado para exportação, com subsídios da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Banco da Amazônia. A legislação da época permitia a dedução de impostos devidos mediante aplicação de recursos na região. Além da Volkswagen, outras grandes corporações, como Ford, Bradesco e Andrade Gutierrez, também atuaram na Amazônia durante esse período.A denúncia contra a fazenda da VW se tornou pública ainda em 1983, quando uma comitiva formada por deputados, sindicalistas, jornalistas e o próprio padre Rezende esteve no local e constatou as condições de trabalho denunciadas pelos trabalhadores. Mais de 40 anos depois, a Justiça brasileira começa a julgar um dos capítulos mais obscuros da atuação empresarial durante a ditadura militar.
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