Operação Verão: IML entrega laudos incompletos e compromete investigações das ações policiais na Baixada Santista
A explicação para a ausência dessas informações está na conduta do médico-legista responsável
247 - A auxiliar de serviços gerais Regina Pereira de Oliveira, 53, esperou quase um ano para receber o laudo necroscópico do filho João Lucas Pereira de Oliveira Muniz, morto durante uma operação da Polícia Militar em São Vicente, no litoral paulista. A frustração veio quando, enfim, o documento foi entregue pelo IML (Instituto Médico Legal) de Praia Grande: faltavam informações básicas que poderiam esclarecer as circunstâncias da morte. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.
O filho de Regina, de 21 anos, foi baleado por policiais da Operação Verão, em março de 2024. A PM alega que os agentes revidaram após serem ameaçados com armas de fogo. A família, no entanto, contesta essa versão, afirmando que João Lucas — que trabalhava em uma bicicletaria e não tinha antecedentes criminais — não estava armado.
O documento que poderia elucidar o caso omitia detalhes fundamentais, como medidas do corpo, análises das perfurações, descrição das roupas, vestígios de pólvora e até mesmo fotos e croquis que indicassem a trajetória dos tiros. “O que eles fizeram, na verdade, não é um laudo. É simplesmente uma cópia do BO”, disse Regina.
A explicação para a ausência dessas informações está na conduta do médico-legista responsável, Riscalla Brunetti Cassis, que assinou o laudo sem ter realizado a necrópsia nem ado anotações ou imagens do exame. Réu por improbidade istrativa, Riscalla acumulava centenas de laudos pendentes de entrega, segundo documentos oficiais do IML.
Em setembro de 2022, um relatório interno apontava 591 laudos cadavéricos sob responsabilidade do médico que ainda não haviam sido emitidos. Um levantamento posterior, de maio de 2023, contabilizou 243 pendências. Durante esse período, o volume de trabalho na unidade disparou com as operações Escudo e Verão, que deixaram ao menos 84 mortos oficialmente — todos com exames concentrados no IML de Praia Grande, o único da região com estrutura para realizar necrópsias.
Além do atraso, Riscalla também não compartilhava os dados das autópsias com os colegas, o que impedia que os laudos fossem concluídos por outros profissionais. “Alguns [laudos] que eram mais urgentes, foram elaborados inclusive pelo declarante com base apenas nos dados de atestados de óbito”, relatou à Corregedoria o médico-legista Guilherme Zanutto Cardillo, superior direto de Riscalla, segundo documento da investigação interna.
O impacto dessa negligência se estendeu a outras famílias. O inquérito que apura o caso de João Lucas menciona situações semelhantes, como uma investigação de homicídio que aguardava há 18 meses um laudo e famílias que não conseguiam ar seguros do DPVAT por falta de documentação legal.
A advogada de Regina, Keila Mota, estuda pedir a exumação do corpo para viabilizar uma nova necrópsia. O Ministério Público, por sua vez, solicitou o arquivamento do caso. “O Estado matou o filho dela, o Estado não fez o exame que deveria fazer, e agora o Estado quer arquivar a investigação. São três violências extremas. É muito triste de ver isso”, afirmou.
A conduta do médico-legista foi alvo de críticas desde o início de 2022. Além da demora na emissão dos laudos, Riscalla faltou a audiências de custódia e não entregou exames de corpo de delito. Ele prestou depoimento à Corregedoria em março de 2023 e alegou problemas no sistema do IML, excesso de zelo nos exames e afastamentos por questões de saúde — o que, segundo ele, agravou o acúmulo de pendências. À época, afirmou que tentava emitir 50 laudos por dia para recuperar o atraso.
A Secretaria de Segurança Pública, sob gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), informou que o médico está atualmente afastado por motivos de saúde. A pasta afirmou que os laudos — emitidos ou não — seguem normas da Polícia Técnico-Científica, que determina a preservação de anotações e registros. As denúncias contra o perito estão sob apuração sigilosa pela Corregedoria da Polícia Civil.
“Acabou com a minha vida, com tudo isso que aconteceu: ter enterrado meu filho e, agora, vou ter que desenterrar ele de novo”, desabafou Regina. “O sentimento é de revolta, de impotência e de desigualdade.”
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