Montadoras europeias suspendem produção e alertam para escassez de terras raras devido a restrições da China
Decisão de Pequim agrava tensão com os EUA e afeta cadeias globais de automóveis, chips e defesa
BERLIM/FRANKFURT, 4 de junho (Reuters) – Algumas fábricas europeias de autopeças interromperam a produção e a Mercedes-Benz avalia estratégias para se proteger contra a escassez de terras raras, em meio ao aumento da preocupação global com as restrições impostas pela China à exportação de minerais críticos.
A decisão chinesa de suspender, em abril, a exportação de uma ampla gama de terras raras e ímãs relacionados desestabilizou as cadeias de suprimento essenciais para montadoras, fabricantes do setor aeroespacial, empresas de semicondutores e fornecedoras da indústria de defesa ao redor do mundo.
O domínio da China na produção desses minerais – fundamentais para a transição energética verde – é cada vez mais visto como uma alavanca estratégica de Pequim na guerra comercial com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O país asiático é responsável por cerca de 90% da produção mundial de terras raras. Representantes da indústria automobilística já alertam para os riscos crescentes à produção devido à dependência dessas matérias-primas.
“Isso pressiona um sistema que é altamente organizado, com peças encomendadas com várias semanas de antecedência”, afirmou Sherry House, diretora financeira da Ford, durante uma conferência com investidores nesta quarta-feira. Segundo ela, os controles de exportação da China impõem camadas istrativas adicionais, que às vezes fluem com facilidade e, em outras, não. “Estamos istrando isso. Continua sendo um problema, e seguimos lidando com ele”, acrescentou.
O comissário de Comércio da União Europeia, Maros Sefcovic, afirmou nesta quarta que ele e seu homólogo chinês concordaram em esclarecer a situação das terras raras o mais rapidamente possível. Já o comissário europeu de Estratégia Industrial, Stephane Sejourne, foi categórico: “Devemos reduzir nossa dependência de todos os países, especialmente daqueles como a China, dos quais somos mais de 100% dependentes”. Segundo ele, as restrições apenas reforçam o desejo da Europa de diversificar fontes de suprimento. Bruxelas identificou 13 novos projetos fora do bloco voltados ao aumento da oferta de metais e minerais essenciais.
A associação europeia de fornecedores da indústria automobilística, CLEPA, informou que diversas linhas de produção foram encerradas após o esgotamento de insumos, alertando para o agravamento da ameaça às cadeias industriais. Desde abril, centenas de pedidos de licenças de exportação foram feitos por fabricantes de autopeças, mas apenas um quarto foi aprovado até o momento. Segundo a entidade, alguns foram negados por “motivos estritamente processuais”, sem identificar as empresas afetadas.
Embora o anúncio da China em abril tenha ocorrido como parte de uma resposta mais ampla às tarifas impostas por Washington, as medidas têm aplicação global e vêm preocupando executivos de diversas partes do mundo.
Mais cedo nesta quarta-feira, o chefe de produção da Mercedes-Benz, Joerg Burzer, afirmou estar em contato com os principais fornecedores para discutir a criação de “reservas estratégicas”, como estoques adicionais, para lidar com ameaças potenciais de interrupção no fornecimento. No momento, a montadora alemã ainda não enfrenta impactos diretos.
A BMW informou que parte de sua rede de fornecedores foi afetada, mas que suas próprias fábricas seguem operando normalmente.
Montadoras da Alemanha, dos Estados Unidos e até mesmo da Índia já expressaram preocupação com as restrições chinesas, apontando riscos imediatos à continuidade da produção.
Mathias Miedreich, membro do conselho da ZF Friedrichshafen – fornecedora alemã de sistemas de propulsão elétrica –, declarou que a empresa conseguiu, em sua maioria, as autorizações necessárias da China. No entanto, durante coletiva na terça-feira, alertou que a situação pode evoluir para um cenário semelhante ao da escassez de chips vivida durante a pandemia de COVID-19, que paralisou milhões de veículos planejados para produção.
Segundo Wolfgang Weber, CEO da associação da indústria elétrica e digital da Alemanha (ZVEI), algumas empresas têm estoques suficientes apenas para poucas semanas ou meses, o que levou muitas delas a pressionar seus governos por soluções rápidas.
A sueca Autoliv, maior fabricante mundial de airbags e cintos de segurança, informou que suas operações não foram afetadas até agora, mas o CEO Mikael Bratt criou uma força-tarefa para acompanhar a evolução do problema.
Dependência da China
As alternativas à China são escassas. Montadoras como General Motors, BMW e fornecedoras como ZF e BorgWarner vêm desenvolvendo motores com pouco ou nenhum uso de terras raras, na tentativa de reduzir a dependência do país asiático. No entanto, poucos conseguiram escalar a produção de forma viável para reduzir os custos.
A BMW, por exemplo, já adotou motores elétricos sem ímãs em seus veículos de nova geração, mas ainda depende de terras raras para pequenos motores auxiliares, como os que movimentam limpadores de para-brisa ou vidros elétricos.
“Não há solução para os próximos três anos a não ser chegar a um acordo com a China”, afirmou Andreas Kroll, diretor da Noble Elements, empresa importadora de terras raras voltada a pequenas e médias companhias. “A China controla praticamente 99,8% da produção global de terras raras pesadas. Outros países só conseguem produzir isso em quantidades mínimas, praticamente em escala laboratorial.”
A lentidão da China em flexibilizar os controles sobre a exportação desses minerais tem sido alvo de críticas frequentes do presidente Trump, que acusa Pequim de violar o acordo firmado no mês ado para redução de tarifas e restrições comerciais.
Trump tem buscado redefinir a relação comercial com o principal rival econômico dos EUA, impondo tarifas elevadas sobre bilhões de dólares em importações, na tentativa de reduzir o déficit comercial e reverter o processo de desindustrialização. Algumas dessas tarifas chegaram a 145%, mas foram posteriormente reduzidas após forte reação negativa dos mercados financeiros.
Pequim respondeu com medidas similares e, agora, utiliza sua posição dominante nas cadeias globais de suprimentos para pressionar Trump a recuar.
Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, devem conversar ainda esta semana para tentar resolver as divergências. As restrições às exportações devem estar no topo da pauta. Em uma postagem nas redes sociais nesta quarta-feira, Trump escreveu que Xi é “MUITO DURO E EXTREMAMENTE DIFÍCIL DE FAZER UM ACORDO”, deixando clara a fragilidade das negociações em curso.
Reportagem de Victoria Waldersee em Berlim e Christoph Steitz em Frankfurt; com contribuições de Mike Colias em Detroit, Marie Mannes em Estocolmo, Hakan Ersen em Frankfurt, Moawis Ahmed em Berlim e Nathan Gomes em Bengaluru; texto de Josephine Mason em Londres; edição de Emelia Sithole-Matarise e Hugh Lawson
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