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      Como a aprovação do pacote armamentista alemão colocou o Die Linke, da esquerda, em crise

      Partido de esquerda alemão se divide sobre trilhões para defesa militar e enfrenta crise interna ao ceder em troca de verbas para infraestrutura

      Uma bandeira alemã tremula no prédio do Reichstag, sede da câmara baixa do parlamento alemão (Foto: REUTERS)
      Luis Mauro Filho avatar
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      247 - Em uma sessão histórica realizada em 18 de março, o Bundestag — o parlamento federal da Alemanha — aprovou, com maioria qualificada, uma mudança constitucional que viabiliza o maior programa de rearmamento do país desde a Segunda Guerra Mundial. 

      A medida, endossada por uma coalizão entre CDU (União Democrata-Cristã), SPD (Partido Social-Democrata) e os Verdes, foi ratificada três dias depois pelo Bundesrat, a câmara federal. O “freio da dívida”, regra de austeridade em vigor desde 2009, foi mantido, mas gastos militares am agora a ser exceção.

      Ainda sem valores exatos definidos, fala-se na destinação de até um trilhão de euros para as Forças Armadas alemãs ao longo da próxima década. A CDU propôs elevar os investimentos para 3,5% do PIB — o que equivaleria a cerca de 150 bilhões de euros anuais, triplicando o patamar atual.

      Divisão na esquerda e o papel do Die Linke

      No Bundestag, o partido Die Linke votou contra a reforma. No entanto, no Bundesrat, a legenda adotou uma postura contraditória: ministros da sigla em governos regionais — como em Bremen e Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental — apoiaram a medida. Esses votos foram essenciais para aprovar o pacote no Senado, já que CDU, SPD e Verdes não detinham dois terços das cadeiras.

      A justificativa dos ministros foi de que o fundo trilionário incluía também 500 bilhões de euros destinados a infraestrutura, o que justificaria a aprovação. Ainda assim, a decisão foi vista como uma traição aberta ao programa, aos princípios e à base do partido. Integrantes da juventude do Die Linke exigiram a renúncia imediata dos ministros envolvidos. A co-presidenta da sigla, Inés Schwedtner, e a candidata principal nas últimas eleições, Heidi Reichinnek, rechaçaram a proposta e defenderam que o debate fosse feito “internamente”.

      Em entrevista ao portal Jacobin, Reichinnek tentou rebater as críticas e afirmou: “Sempre dizem que não apoiamos a Bundeswehr [Exército alemão]. Isso é um completo absurdo. Claro que queremos que a Bundeswehr esteja bem armada como um exército de defesa”.

      A declaração causou desconforto entre setores do partido que defendem o antimilitarismo como princípio histórico. Críticos lembraram que o ex-ministro da Defesa Peter Struck (SPD) declarou, ainda nos anos 2000, que “a liberdade da Alemanha se defende no Hindu Kush”, referindo-se à atuação militar no Afeganistão. Já o ex-presidente federal Horst Köhler (CDU) afirmou: “Em caso de emergência, ações militares são necessárias para proteger nossos interesses, por exemplo, rotas comerciais”.

      Um século depois, os ecos de 1914

      O simbolismo da data — 18 de março — não ou despercebido. Integrantes do novo partido BSW, liderado por Sahra Wagenknecht, exibiram cartazes com a inscrição: “1914 e 2025: Não aos créditos de guerra!”. A vice-presidente do Bundestag, Petra Pau (Die Linke), ordenou que os cartazes fossem recolhidos — ela é uma conhecida apoiadora do governo israelense de extrema-direita.

      O gesto remete à célebre votação de 4 de agosto de 1914, quando o parlamento imperial alemão aprovou os chamados “créditos de guerra” para financiar a entrada do país na Primeira Guerra Mundial. Na ocasião, mesmo após semanas de mobilização contra o conflito, o SPD — maior partido da câmara — votou integralmente a favor, sob o argumento de “não abandonar a pátria em momento de perigo”. A dissidência viria meses depois, quando Karl Liebknecht se tornou o único deputado a votar contra os novos créditos, declarando: “Esta não é uma guerra defensiva, é uma guerra imperialista, pelo controle capitalista do mercado mundial”.

      Protesto atual ecoa resistência histórica

      Em 18 de março de 1915, exatamente um ano após a aprovação dos primeiros créditos de guerra, centenas de mulheres se reuniram diante do Reichstag para protestar em solidariedade a Liebknecht. A manifestação marcou o início de uma série de mobilizações populares contra o conflito.

      Curiosamente, 110 anos depois, no mesmo local, cerca de 500 pessoas voltaram a protestar contra o militarismo. O ato foi organizado por uma aliança de movimentos de esquerda, incluindo a Migrantifa, a Jewish Voice for Peace e o Partido Marxista-Leninista da Alemanha (MLPD), entre outros, sob convocação da rede Klasse Gegen Klasse.

      Apesar do apoio popular crescente à política de rearmamento — 70% da população alemã, segundo pesquisas, aprova o aumento dos gastos com defesa — há sinais de que esse consenso pode rachar. “Por que estamos apertando os cintos enquanto os fabricantes de armas comemoram com champanhe?”, questionaram os organizadores.

      O futuro da esquerda alemã

      Entre os líderes do Die Linke, Gregor Gysi foi na contramão da tradição socialista ao defender que conservadores, setores empresariais e sindicatos devem “trabalhar juntos para defender nossa democracia e liberdade” — palavras que soam perigosamente próximas das proferidas por Hugo Haase, líder do SPD, em 1914, ao justificar a adesão aos créditos de guerra.

      Analistas da esquerda crítica defendem que o Die Linke precisa romper com qualquer apoio ao militarismo e tomar medidas urgentes, como a expulsão dos ministros que traíram os princípios partidários. No entanto, fora um breve registro fotográfico diante do parlamento na manhã da votação, o partido não organizou protestos significativos. Apenas figuras isoladas, como o histórico militante Ferat Koçak, participaram do ato ao entardecer.

      Os tempos atuais exigem da esquerda alemã uma resposta firme e histórica. Em meio à maior escalada militar desde o nazismo, somente uma frente ampla, com base na classe trabalhadora e nos povos oprimidos, poderá conter a nova onda de guerras por mercados e influência. O legado de Karl Liebknecht — “nem um homem, nem um centavo para o militarismo” — segue mais atual do que nunca.

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