A era Trump e a ‘ascensão e queda do III Reich’
Artigo de Milton Pomar, publicado originalmente no Sul21
Milton Pomar (*)
Há 100 anos, ou, mais precisamente, “cinco dias antes do Natal de 1924”, o cabo austríaco Adolf Hitler foi libertado da prisão de Landsberg, em situação de derrocada total e absoluta, do seu partido político, e dele próprio – com a proibição, inclusive, de falar em público. Condenado e preso por tentar um golpe, em novembro de 1923, a “opinião generalizada” na elite da Alemanha era que Hitler estava acabado. Durante o curto período em que ficou na prisão, ele e alguns parceiros políticos escreveram “Mein Kampf”, livro no qual apresentou suas ideias para o mundo.
Aí veio a crise mundial de 1929, a hiperinflação, e o desespero de milhões de alemães sem dinheiro, sem trabalho e sem comida. Mais o que consideravam humilhações impostas à Alemanha pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial, utilizadas como “munição” na propaganda nazista. Nesse contexto, caótico e de barbárie, ocorreu a “virada de jogo” do líder da extrema-direita alemã e seu partido, concretizada em 30/01/1933, quando Hitler foi designado chanceler do Reich alemão. Os fatos resultantes desse acontecimento fazem parte da História do século XX, e parte deles, relativa ao período de 1933/39, estão relatados no livro “Ascensão e queda do III Reich”, do jornalista dos EUA William L. Schirer, traduzido no Brasil pelo jornalista Pedro Pomar, em edição de 1960 da AGIR.
Disponível para , a obra de Schirer só aconteceu graças à cultura alemã de registrar todos os acontecimentos, e porque foram apreendidas toneladas de documentos das torturas, mortes e destruição executados graças à ideologia de extrema-direita. O acompanhamento jornalístico dos fatos desde antes da II Guerra Mundial, mais o o a parte dessa documentação apreendida, permitiram a Schirer escrever o livro apenas dez anos após o término dos acontecimentos.
Pensado para durar mil anos, o Terceiro Reich começou na posse de Hitler na chancelaria alemã, coroando a trajetória política que, poucos anos antes, parecia ter chegado ao “fim da linha”. Durou 12 intermináveis anos, e resultou em 70 a 85 milhões de mortos (mais da metade deles na China e União Soviética), dois terços dos quais civis, e sabe-se lá quantas dezenas de milhões de mutilados e perturbados pelos horrores vivenciados.
Infelizmente, os horrores e sofrimentos das guerras são rapidamente esquecidos. Há 50 anos, os EUA foram expulsos do Vietnã, após matarem 5% da população daquele país – e quem nasceu no Século 21 desconhece esse fato. Já esquecemos que os EUA invadiram o Iraque alegando que o país tinha produção de armas de destruição em massa – nunca encontradas simplesmente porque não existiam – e que o ataque e ocupação dos EUA resultaram na morte e mutilação de milhões de iraquianos e iraquianas, a grande maioria civis.
Todos esses fatos voltam agora, alimentando a imaginação de possíveis cenários, a partir da posse de Trump na presidência dos EUA, à frente do ressurgimento mundial da extrema-direita, turbinada pela bilionária propaganda ideológica high-tech. Steve Forbes, editor-chefe da revista Forbes, em artigo (“O sombrio fim de uma doutrina”) na edição brasileira da Forbes Agro, de out/24, lamentava: “Ao darmos as costas para a Doutrina Monroe, estamos dizendo ao mundo que não se pode mais confiar nos EUA para liderar o mundo livre, como o país fez desde a Segunda Guerra Mundial. Estamos a caminho de uma catástrofe.”
Estamos mesmo: já em sua posse totalmente midiática, Trump deixou claro a que veio e como será o seu governo: imperialista, midiático e por decreto. Que ninguém se iluda: os cenários mundiais 2025/2028 ficarão entre o “ruim”, o “péssimo” e o “caótico”. Exagero? As ações e os discursos de Trump e de integrantes do seu governo não deixam margem a dúvidas: ele tentará fazer já em 2025 o que não conseguiu nos quatro anos do seu governo anterior.
Editorial da Heritage Foundation, de 2022, jogava lenha na fogueira: “(…) já ou da hora de lançar as bases para uma Casa Branca mais amigável à direita. Por décadas, enquanto a esquerda continuou sua marcha pelas instituições americanas, os conservadores foram superados em armas e em desvantagem quando se trata da arte de governar.” “(…) Esse novo vigor da direita pode ser encontrado no Projeto 2025. Organizado pela Heritage Foundation, o Projeto 2025 reuniu 45 organizações de centro-direita que estão prontas para entrar no negócio (sic) de restaurar este país por meio da combinação das políticas certas e pessoas bem treinadas.”
A diferença é que agora a China está mais preparada para fazer frente aos ataques comerciais e de outros tipos dos EUA. Idem a Rússia, que segue tecnologicamente muito importante, inclusive em termos militares. E ainda que os avanços chineses em inteligência artificial, drones e robótica estejam em grande destaque no momento, o que realmente deverá “quebrar” a economia dos EUA será a inevitável substituição do dólar pelo yuan chinês – ou por moeda dos países do Brics –, dando fim a 80 anos de dominação do comércio mundial pela moeda dos EUA.
O anúncio de Trump de que utilizará a base militar em Guantánamo (território de Cuba, ocupado ilegalmente pelos EUA) para prender imigrantes ilegais, jogou mais medo nas pessoas que estão nos EUA, por acreditarem que lá poderiam viver melhor do que em seus países de origem. Adicione-se a isso a ideologia da extrema-direita, de ódio ao diferente, principalmente se não for macho branco. Não será surpresa ocorrerem ataques a latino-americanos, asiáticos etc., tal a propaganda negativa em relação a migrantes.
Trump deixou evidente o desprezo pela Justiça ao “perdoar” os terroristas condenados pela invasão do Capitólio. E deu um “lasquem-se!” para o mundo ao retirar os EUA da OMS, agência das Nações Unidas para a Saúde, com atuação decisiva nos países pobres. Em seu primeiro governo, chutou a Organização Mundial do Comércio (OMC), porque a sua lógica é a do confronto, não a do entendimento, inclusive em negócios. Postura reforçada por suas declarações, antes de tomar posse, a respeito do Panamá, Golfo do México, Canadá e Groenlândia. Foi discurso de quem quer provocar guerra, para saquear as riquezas naturais desses países. Com Trump não há sutileza, apenas demonstração de apreço pela barbárie (e o caos).
Confrontos virão nos próximos meses, muitos, em diversas áreas, porque a estratégia é a do inimigo externo (“o problema são os outros”), já que a elite dos EUA não consegue resolver os problemas internos de caráter estrutural – a começar pelo déficit nas contas do governo, de US$1,8 trilhão – : com quase 800 bilionários e 22 milhões de milionários, os EUA seguem campeões em “homeless” (800 mil?); custos estratosféricos da saúde, medicamentos e moradia; filas de sopa para famintos; e os maiores gastos do mundo com armamentos, munições, espionagem e forças armadas.
O slogan de campanha (“Faça a América grande novamente”) incita às práticas imperialistas dos EUA do século XX. A tentativa de reduzir o déficit imenso de US$1 trilhão na balança comercial com tarifas sobre importações prejudicará o livre comércio dos países em desenvolvimento. E se ainda houvesse alguma esperança, ela morreu com o anúncio da agenda internacional inaugural de Trump: o primeiro-ministro israelense, líder do massacre de 40 mil civis em Gaza, a maioria mulheres e crianças.
Muito em breve, o Brasil entrará na alça de mira do novo governo Trump, porque o “agro” yankee quer vender mais para a China, principalmente milho, soja e carnes suína e de frangos, impactando as vendas do “agro” do Brasil. Também a construção de ferrovias no Brasil continuará sofrendo dificuldades, para impedir a “saída pelo Pacífico” das exportações do “agro” de cá. Sorte nossa que esse ano estaremos na liderança dos Brics, o que permitirá resistir melhor às ações trumpistas.
(*) Professor, Geógrafo, Mestre em “Estado, Governo e Políticas Públicas”. Autor do livro “O sucesso da China socialista” (2023)
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