Demissão por escolha: por que trabalhadores rejeitam o retorno ao modelo presencial
O modelo de trabalho presencial tem perdido cada vez mais espaço entre profissionais brasileiros
247 - O modelo de trabalho presencial tem perdido cada vez mais espaço entre profissionais brasileiros. Reportagem publicada pelo g1 revela que muitos trabalhadores têm optado por pedir demissão ao serem obrigados a retornar ao escritório. Em 2024, cerca de 8,5 milhões de pessoas deixaram voluntariamente seus empregos no país, segundo o Ministério do Trabalho. Um dos principais fatores apontados: o fim do home office.
A experiência do jovem Rael Souza, morador de Santo André (SP), retrata bem esse fenômeno. Formado em Tecnologia da Informação, ele enfrentava uma maratona diária de deslocamento até o escritório na zona sul de São Paulo: 20 minutos de caminhada, dois ônibus, dois trens e dois metrôs — quase cinco horas por dia no trajeto casa-trabalho. Após quatro meses nesse ritmo, preferiu se demitir. “Era desgastante. Não tinha tempo para me cuidar e já chegava cansado no trabalho, o que afetou a minha produtividade. Não via perspectiva e repensei minha carreira”, relatou.
Rael decidiu abandonar a estabilidade de um cargo fixo para trabalhar como motorista de aplicativo e juntar dinheiro para uma nova etapa da vida: mudar-se temporariamente para a Austrália, melhorar o inglês e buscar novas oportunidades. “Também busco qualidade de vida, coisa que eu não estava tendo”, completou.
Uma pesquisa do Ministério do Trabalho com mais de 53 mil demissionários voluntários confirma o impacto da volta ao presencial. Os dados apontam que 21,7% citaram a dificuldade de mobilidade como motivação para sair do emprego, enquanto 15,7% mencionaram a rigidez da jornada e 9,1% a necessidade de cuidar de filhos ou familiares.
Problemas com transporte público, como superlotação, longos trajetos e interrupções causadas por chuvas, como as registradas em São Paulo, aparecem entre as principais queixas. A sensação de insegurança também pesa: segundo o Datafolha, 86% da população se sente insegura nas ruas, e o medo entre as mulheres é ainda maior. Uma pesquisa do Ipec mostra que 3 em cada 4 mulheres já sofreram assédio, sendo mais da metade dos casos dentro de transportes públicos.
A recrutadora Michele Barbosa, de Mauá (SP), também decidiu não voltar atrás após conhecer o modelo remoto durante a pandemia. “Conheci o céu [trabalho remoto] e isso tirou a venda dos olhos. Mostrou que é possível ter uma vida além do trabalho. Não tem como voltar ao inferno”, desabafou. Michele se reinventou profissionalmente, migrou para a área de TI e encontrou no home office uma oportunidade de mudar de vida. “Como melhor e me exercito. Perdi 11 kg depois que comecei a trabalhar em casa. Sou uma profissional melhor. Me especializei e melhorei meu inglês. Tenho mais tempo em família e vejo o meu neto crescer.”
O diretor de marketing Luciano Freitas também abandonou um cargo de liderança após enfrentar dificuldades com o modelo presencial. “2h30. Foi o tempo que levei para chegar em casa numa noite de chuva: trem, metrô e ônibus lotado (...) No dia seguinte, pedi demissão sem outro emprego, sem grande reserva de dinheiro, só exausto da insanidade que é a cultura presencial a qualquer custo.”
Para a especialista em educação e trabalho Taís Targa, o movimento revela uma mudança profunda nas prioridades dos profissionais. “A pandemia fez com que muitos profissionais repensassem suas carreiras e modo de vida. É um movimento de ênfase ao salário emocional, que é intangível. Quanto vale para você morar perto dos pais, ser presente na vida de seus filhos, almoçar uma comida caseira?”, analisa.
O conceito de “salário emocional” se refere a ganhos não financeiros, como flexibilidade, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, redução do estresse e tempo com a família. Taís alerta que empresas que insistem em um retorno inflexível ao modelo presencial podem enfrentar dificuldades de retenção. “Com esse retorno ao presencial abrupto e radical, vemos uma onda de pedidos de demissão por parte de profissionais que desejam continuar no remoto. Pior, o retorno a contragosto ao presencial pode resultar em insatisfação e queda na entrega.”
Enquanto muitas companhias seguem exigindo presença física nos escritórios, os dados e os relatos indicam que os trabalhadores buscam mais do que apenas um salário: querem qualidade de vida, autonomia e segurança — mesmo que isso signifique começar do zero.
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