Papa Francisco foi “revolucionário”, afirma Carlos Latuff
Cartunista destaca legado do pontífice, sua defesa da causa palestina e crítica à ascensão da extrema direita global
247 – Em entrevista concedida ao Boa Noite TV 247, o cartunista Carlos Latuff classificou o Papa Francisco como uma figura “revolucionária” e sublinhou o impacto de sua morte como uma perda que vai além dos limites da Igreja Católica. “É uma perda para a humanidade”, declarou. A entrevista foi conduzida pelo jornalista Ricardo Nêggo Tom e abordou tanto o legado do pontífice argentino quanto a atual conjuntura política e religiosa global.
Latuff, conhecido por suas charges de cunho político e social, revelou que, no início do papado de Francisco, manifestava desconfiança devido à suposta omissão do então cardeal Jorge Bergoglio durante a ditadura militar argentina. “Se você procurar na internet, vai encontrar várias charges críticas minhas daquela época. É uma das poucas coisas de que me arrependo na carreira”, confessou.
Ao longo da conversa, Latuff destacou a diferença entre Francisco e seus antecessores, especialmente o Papa Bento XVI, a quem chamou de figura “maligna” por sua atuação repressiva dentro da Igreja e ado na juventude hitlerista. “O Ratzinger era o sujeito da inquisição, das caças às bruxas ideológicas”, afirmou.
Segundo Latuff, Francisco atualizou os valores da Igreja ao promover tolerância, acolhimento e respeito à diversidade. “Foi o primeiro papa a receber pessoas trans, declarou que ser homossexual não é crime, mesmo considerando pecado. Ele modernizou os costumes e abriu a Igreja para novos entendimentos sobre o mundo e a fé.” O cartunista também lembrou o envolvimento do pontífice com causas sociais e sua posição firme contra guerras, sobretudo na África. Mas foi sua postura frente à questão palestina que, para Latuff, tornou-se um marco. “Nunca vi um papa denunciar com tanta clareza o genocídio contra os palestinos. Ele chamou os ataques israelenses de terrorismo”, afirmou. “Isso foi inédito e muito corajoso.”
Latuff manifestou apreensão quanto ao futuro da Igreja após a morte de Francisco, especialmente diante da ascensão da extrema direita. Ele relatou que o próprio papa demonstrava preocupação com possíveis interferências políticas na escolha de seu sucessor. “Não é à toa que o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, foi visitá-lo pouco antes de sua morte. Isso acende um alerta”, disse, mencionando indiretamente o presidente Donald Trump como uma ameaça à linha progressista que Francisco estabeleceu. “Vamos torcer para que o Vaticano não caia nas mãos de representantes da nova direita. O Papa Francisco foi o papa do nosso tempo. Vai fazer muita falta”, concluiu.
A entrevista também abordou o crescimento de movimentos religiosos com pautas masculinistas, como os chamados “Legendários”, grupo evangélico que propaga a ideia de que o cristianismo teria sido “feminilizado” pela Igreja Católica e defende o retorno a uma suposta virilidade cristã. “Isso parece matéria do Sensacionalista, mas é real”, ironizou Nêggo Tom ao apresentar o tema. Latuff criticou duramente o movimento. “Essa história de masculinidade perdida é uma palhaçada. Que masculinidade é essa que se perdeu? Talvez nunca tenha sido encontrada”, comentou. Para ele, essas ideias têm origem em influências importadas dos Estados Unidos e se tornaram populares entre jovens através da internet e redes sociais. “São teses absurdas difundidas por podcasts e canais no YouTube que colocam homens e mulheres em lados opostos, criando muros de incompreensão.”
Ele identificou no bolsonarismo brasileiro um terreno fértil para a disseminação dessa retórica. “O bolsonarismo instrumentalizou o machismo, a misoginia, o ódio contra a mulher. Isso intensificou o feminicídio, que virou estatística visível. A resposta de parte das mulheres foi um feminismo radical, e a dos homens, esse redpill, essa ideia de que toda mulher é interesseira. E assim, criam-se guetos que impedem o diálogo”, avaliou.
Latuff foi além, ao comentar o uso da fé como ferramenta de opressão. “É pior ainda reforçar teses misóginas utilizando a religião. A Bíblia, por ser um documento da sua época, é sim machista, mas resgatar esse ‘espírito guerreiro masculino’ em nome da fé é um sinal de retrocesso civilizacional”, disse. Para o cartunista, vivemos uma época em que “teorias estapafúrdias ganham espaço e seguidores” por conta da desinformação e da proliferação de discursos extremistas. “Só uma sociedade que elege um asno como Bolsonaro pode levar a sério alguém que diz que há uma ligação entre testosterona e fé”, concluiu. Assista:
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