"Ocultação de corpos é crime continuado, a Lei da Anistia não se aplica", diz Chico Teixeira sobre crimes da ditadura
Memorando da CIA confirma execuções na ditadura e reabre discussão sobre impunidade
247 - O historiador Francisco Carlos Teixeira afirmou, em entrevista ao programa Boa Noite 247, que o recente memorando da CIA, que revela que o Exército brasileiro recebeu autorização para executar opositores políticos durante a ditadura militar, reforça a necessidade de reabrir o debate sobre os crimes do regime. O documento confirma que execuções foram deliberadas e que mais de cem pessoas foram assassinadas apenas durante a transição do governo do general Ernesto Geisel para João Figueiredo. Segundo Teixeira, esses crimes não podem ser abrangidos pela Lei da Anistia, pois continuam em curso enquanto os corpos das vítimas não forem localizados e devidamente identificados.
"Enquanto o corpo não é encontrado, o crime continua ocorrendo"
A execução sistemática de oponentes políticos durante a ditadura foi confirmada por pesquisas recentes, como a do professor Matias Spektor, da FGV, que analisou documentos norte-americanos desclassificados. O memorando de 1974 detalha como Geisel, após assumir a presidência, aprovou a continuidade da eliminação de adversários, transferindo ao Centro de Informações do Exército (CIE) a autoridade para decidir sobre as execuções. "Naquele momento, mais de cem pessoas já haviam sido assassinadas, muitas com os corpos desaparecidos", destacou Teixeira.
As formas de desaparecimento incluíram lançamentos no Oceano Atlântico, cremações em fornos de usinas de açúcar no Rio de Janeiro e enterros clandestinos na Restinga de Marambaia. "A temperatura dos fornos de usinas fazia com que funcionassem como Auschwitz", citou o historiador, referindo-se às pesquisas da jornalista Denise Assis sobre a Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes.
Teixeira também mencionou uma declaração do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, durante seu mandato, ameaçou opositores afirmando que os enviaria para a Ponta da Areia. "Ele estava ameaçando colocar em prática assassinatos coletivos contra seus adversários políticos", ressaltou.
"O Brasil precisa enfrentar esse ado"
O debate sobre os crimes da ditadura voltou à tona com a exibição do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, vencedor do Oscar. Para Teixeira, o impacto cultural da produção é inegável e resgata um assunto historicamente negligenciado: "A cultura sempre foi um dos principais instrumentos de resistência à ditadura. O cinema, a música, o teatro e a literatura enfrentaram o regime e mobilizaram a sociedade".
A recente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino de reabrir o debate jurídico sobre os crimes da ditadura foi elogiada por Teixeira, que destacou a importância do entendimento de que ocultar corpos e vilipendiar cadáveres são crimes continuados. "Enquanto o corpo não for encontrado e identificado, o crime não cessou. Se o crime não cessou, a Lei da Anistia não pode ser aplicada", afirmou.
Para Teixeira, a responsabilização dos agentes da ditadura enfrenta resistências institucionais e políticas. "Estamos em um ano em que os golpistas do 8 de janeiro serão julgados. No mesmo período, poderíamos ter generais e almirantes no banco dos réus por crimes da ditadura. Não sei se a institucionalidade brasileira está pronta para encarar essa questão".
"A cultura sempre foi uma forma de resistência"
O historiador destacou que a cultura teve papel fundamental na oposição à ditadura, citando o teatro, a música e o cinema como formas de mobilização popular. "Ir ao teatro, ao cinema ou ouvir uma canção era um ato de resistência naquele momento", lembrou. Ele mencionou o impacto de artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gonzaguinha, que produziram canções emblemáticas contra o regime militar.
A entrevista também abordou a necessidade de o ir a documentos históricos, criticando a manutenção de arquivos sigilosos. "Na história e nas ciências sociais, não pode haver material secreto ou fonte sigilosa. Esse material deve ser disponibilizado para que outros pesquisadores possam á-lo e interpretá-lo", argumentou.
"A luta pela verdade e justiça não terminou"
Ao final da entrevista, Francisco Teixeira reforçou a necessidade de que o Brasil encare sua história recente sem relativizações. "A luta pela memória, verdade e justiça é essencial para que o país não volte a viver tempos de autoritarismo. A impunidade dos crimes da ditadura incentiva novas violações dos direitos humanos", concluiu. Assista:
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