“O cinema é um negócio de família, de armação, de grana. Não tem nada a ver com arte”, diz Neville d’Almeida
Neville d’Almeida critica modelo da indústria cinematográfica e defende que o talento, não o dinheiro, é o que faz um grande filme
247 - Durante entrevista ao programa Boa Noite 247, o cineasta e roteirista Neville d’Almeida fez uma avaliação contundente sobre o modelo de produção cinematográfica dominante no Brasil e no mundo. Em tom crítico e provocador, defendeu a autonomia artística frente ao que chama de um sistema baseado em privilégios, relações familiares e busca por recursos, e não em talento ou conteúdo.
Segundo ele, “o cinema é um negócio de família. Uma família importante porque é primo do banqueiro, outra porque é filho do ministro, o outro pai é senador, o outro foi prefeito”. Para Neville, esse modelo de financiamento baseado em relações de poder impede o surgimento de novas vozes e restringe a verdadeira expressão artística. “Esse cinemão, o que aparece mais, o que tem mais visibilidade, é um negócio de armação para arrumar o dinheiro ali, para buscar o dinheiro aqui”, afirmou.
Ao descrever sua própria trajetória, o diretor de A Dama do Lotação e Rio Babilônia explicou que nunca quis seguir esse caminho: “Desde o primeiro dia eu resolvi que não faria nada do que fazem. Eu quero fazer o que eu não vejo”. Ele relembrou sua formação autodidata e cultural intensa, que começou nos cineclubes de Belo Horizonte, onde, ainda adolescente, participava de sessões de cinema soviético, sueco e japonês, seguidas de debates. “O nosso negócio era ver quem lia mais, quem conhecia mais música, mais cinema, mais arte. Nós fomos criados assim.”
Neville denunciou o que considera uma distorção da lógica artística no cinema contemporâneo: a centralidade do orçamento. “Hoje o artista quer arranjar o dinheiro. Acha que a coisa mais importante para fazer um bom filme é o dinheiro. Não é o dinheiro, porque nunca foi o dinheiro.” Em contraponto, citou cineastas como Eisenstein, Visconti, Buñuel e Bertolucci, que teriam feito obras-primas pela potência das ideias, não pela abundância de recursos. “Foi a ideia, foi o gênio.”
Ele também ironizou a lógica dos grandes orçamentos no mercado internacional. “Americano faz filme com 100 milhões de dólares. Acha que americano é bobo? Deve ter pelo menos uns 30 milhões roubados aí. É serviço da máfia, comissão da máfia, assessoria, assistência, comunicação.”
Para o cineasta, essa lógica contamina não apenas a indústria, mas também a percepção sobre o que é arte. “Vivemos nessa coisa do cinema e a arte do cinema em decadência”, disse. E acrescentou: “Eles acham que se custar muito pode dar dinheiro. E se custar muito, você dobra o investimento em distribuição, dobra em publicidade, dobra em promoção... e puxa o dinheiro”.
Neville reforçou que sua motivação sempre foi estética e ética, não financeira. “Eu quero ser um artista. O importante é o talento, talento, talento. Essa é a nossa marca, essa é a minha característica.” Para ele, o problema não está na ausência de talentos, mas na falta de um sistema estruturado de valorização e financiamento da arte: “Tem tudo, mas aí quando bate no talvez, ai, não, fui atingido, morri, acabei.”
Ao longo da conversa, destacou a necessidade de resgatar a cultura como fundamento da criação cinematográfica. “O que falta é cultura. Falta cultura. Eu vejo as pessoas querendo fazer filme, querendo aumentar o orçamento, achando que o mais importante é o dinheiro. O mais importante é e vai continuar sendo o talento.”
Mesmo diante do cenário desafiador, Neville defendeu que há saídas possíveis. “Tem solução. Existem soluções modernas, inteligentes, criativas, audaciosas”, disse, indicando que tem um projeto capaz de transformar essa realidade, mas sem entrar em detalhes. “Eu não posso falar até agora.” Assista:
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