Guido Mantega: “A taxa de juros alta virou um instrumento para valorizar o real”
Guido Mantega afirma que estratégia do Banco Central busca atrair capital externo e reduzir inflação via câmbio, não por corte de demanda
247 - Durante entrevista ao programa Boa Noite 247, o economista e ex-ministro da Fazenda Guido Mantega abordou, com profundidade, a atual estratégia do Banco Central para enfrentar a inflação e o papel que as elevadas taxas de juros vêm desempenhando nesse contexto. A análise de Mantega se concentrou nas ações do diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, e suas recentes declarações sobre a manutenção da Selic em patamar elevado.
Segundo Mantega, a lógica de manter os juros altos tem menos a ver com o tradicional combate à inflação via retração do consumo e mais com o esforço para valorizar o real. “Eu acho que é uma estratégia que ele [Galípolo] tem de criar as condições para que o real se valorize. Porque mantendo as taxas de juros altas, ele está atraindo mais capital externo para o Brasil e assim desvaloriza o dólar e valoriza o real”, explicou. Para ele, o efeito cambial é hoje “a melhor arma que nós temos agora para combater a inflação”.
Na visão do ex-ministro, essa estratégia se dá em meio a um cenário de aparente resiliência da economia brasileira, mesmo diante de uma taxa Selic em 13,75%. Mantega citou projeções de crescimento do PIB que oscilam entre 1,3% e 1,6% no primeiro trimestre, expansão do crédito, investimentos da indústria e da agricultura e aumento no mercado de capitais. “A taxa de juros alta não está conseguindo reduzir o nível de atividade”, afirmou. “E isto, para a ortodoxia, significa mais inflação. O que não é necessariamente verdade”.
Ele destacou que parte da inflação recente não se origina da demanda interna, mas de fatores externos. “Essa inflação que nós estamos tendo é mais uma inflação de choque de oferta, de commodities, cujo preço é definido em dólar”, disse. “E o dólar ficou caro pro Brasil”. Mantega atribuiu parte da pressão cambial ao ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ao dizer que ele “armou essa arapuca” ao desvalorizar o real intencionalmente e alimentar expectativas negativas no mercado.
A estratégia atual, segundo Mantega, é manter a economia em crescimento e conter a inflação por meio da valorização do real, para, só então, criar as condições de iniciar uma trajetória de queda dos juros. “Quando isto acontecer, aí ele vai ter o argumento de dizer: ‘Tá vendo? A inflação está caindo’. Mesmo que a economia continue crescendo”.
O ex-ministro enfatizou que o juro real de 10% ao ano é incompatível com a realidade da inflação brasileira atual, que gira em torno de 5%. “É obsceno. O juro é obsceno”, declarou. Ele argumentou que o país não tem fundamentos que justifiquem essa taxa: “Não tem o menor sentido o Brasil ter os maiores juros do mundo. O Brasil tem reservas altas, dívida externa baixa, 90% da dívida interna está em reais”.
Mantega também criticou a meta de inflação fixada em 3%, que considera irreal. “Essa meta é absurda. A meta realista é aquela que nós trabalhávamos nos governos Lula. O Brasil dificilmente consegue uma inflação tão baixa porque a economia é toda indexada”, explicou. Para ele, metas muito apertadas pressionam desnecessariamente a política monetária, gerando juros artificialmente altos.
Por fim, o ex-ministro defendeu que, com o câmbio mais valorizado, a inflação de alimentos — que alcança 8% em 12 meses — tende a ceder. “Essa inflação não baixa com taxa de juros. Você pode botar o juro a 30%, não vai baixar, porque ela se deve às cotações dos alimentos no exterior e ao câmbio”. Ele ainda avaliou que o Banco Central, ao notar uma inflação mais moderada nos próximos meses, terá o argumento necessário para iniciar cortes na taxa básica. Assista:
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