Governo quer mudar regras de quarentena para evitar casos como o de Campos Neto e do Nubank
Ampliação do período de impedimento para ex-autoridades busca conter conflitos de interesse e impedir a porta giratória entre o setor público e o mercado
247 – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estuda endurecer as regras de quarentena para ex-autoridades públicas, elevando de 6 para 18 meses o período em que estão impedidas de representar interesses privados junto ao setor em que atuaram. A informação foi publicada na coluna , da Folha de S.Paulo, e confirma que a medida vem sendo debatida desde julho de 2024 na Comissão de Ética Pública (CEP) e no Ministério da Gestão. A proposta inclui ainda manter a remuneração compensatória apenas nos seis primeiros meses.
A iniciativa surge como resposta direta a episódios recentes que escancararam a fragilidade das atuais regras, como o caso do ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que, ao deixar o comando da autoridade monetária no fim de 2024, foi rapidamente contratado pelo Nubank para os cargos de vice-chairman e chefe global de políticas públicas. O episódio acendeu um alerta no governo e em setores da sociedade civil sobre os riscos da chamada “porta giratória” — prática em que figuras do alto escalão do Estado migram quase instantaneamente para o setor privado, levando consigo conhecimento sensível, influência política e o privilegiado.
Em entrevista ao programa Roda Viva em junho de 2024, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho, já havia defendido publicamente uma quarentena mais longa para evitar abusos. “A questão da quarentena não é só uma questão de informação privilegiada, né? A gente tem sempre que olhar para o remédio em relação à doença que a gente quer curar”, afirmou o ministro, apontando para o desequilíbrio ético provocado por essas transições rápidas.
O caso de Campos Neto é particularmente simbólico — e grave. Após presidir o Banco Central com autonomia formal, mas alinhamento frequente ao mercado financeiro, sua ida para uma das principais fintechs do país, que é regulada justamente pela autoridade monetária que ele liderava, representa um exemplo cristalino de conflito de interesses. Ao aceitar o cargo no Nubank logo após deixar o BC, Campos Neto não apenas alimentou a desconfiança sobre a neutralidade de suas decisões à frente da instituição, como expôs a ausência de barreiras éticas efetivas entre o público e o privado.
A crítica à porta giratória é antiga, mas ganha renovada urgência diante de um ambiente em que grandes corporações buscam influenciar diretamente políticas públicas por meio da incorporação de ex-autoridades. No caso específico do sistema financeiro, onde a assimetria de informação pode gerar lucros bilionários, o trânsito livre de ex-dirigentes entre a regulação e os bancos é particularmente danoso à credibilidade das instituições e à confiança da população.
A proposta de mudança nas regras de quarentena representa, portanto, um esforço para restaurar a integridade no serviço público e proteger o Estado de ser capturado por interesses corporativos. No entanto, a medida ainda precisa se materializar em um projeto de lei robusto e com fiscalização eficaz para que não fique apenas no discurso.
Casos como o de Campos Neto escancaram a necessidade urgente de reformar esse sistema e deixar claro que o interesse público não pode ser tratado como porta de agem para negócios privados. A democracia perde quando seus servidores mais altos transformam seus cargos em credenciais para ganhos pessoais imediatos no setor privado. O governo acerta ao colocar o tema em debate — agora é preciso coragem política para garantir que as novas regras tenham dentes.
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