Um Leão que ruge a meio tom e solta fumaça branca pelas ventas
O novo Papa terá a missão de tornar a relação entre “Deus e o diabo” a mais civilizada possível na terra, analisa Ricardo Nêggo Tom
Com grande surpresa o mundo recebeu o resultado do Conclave que escolheu o estadunidense Robert Francis Prevost como o novo Sumo Pontífice da igreja católica. Adotando o nome de Leão XIV, o norte-americano naturalizado peruano inicia o seu papado sob um misto de esperança, desconfiança e sentimento de dualidade. Tanto pela conotação imperialista da eleição de um representante dos EUA, como pela escolha do seu nome papal, que sugere a continuidade do pontificado do Papa Leão XIII, que escreveu a encíclica Rerum Novarum que abordava questões sociais e econômicas como o direito dos trabalhadores, a importância de salários mais justos, e o debate sobre justiça social e distribuição de renda com duras críticas ao capitalismo.
Em que pese tais ideias possam sugerir um viés progressista do então Papa, a mesma encíclica também criticava o comunismo, o socialismo, a ideia de um Estado laico sem a interferência da igreja, e a ausência, segundo Leão XIII, de valores morais e religiosos na ideologia progressista que já se disseminava na sociedade. É possível que essa seja a linha a ser adotada pelo novo Papa, cujo perfil é tido como moderado e conciliador. Uma espécie de cardeal do “centrão” do Vaticano, que foi designado para pacificar uma igreja que, assim como toda a sociedade, tem sofrido com as agruras da polarização entre progressistas e fundamentalistas. Nem capitalismo, nem comunismo. Nem esquerda, nem extrema-direita.
Leão XIV terá a missão de tornar a relação entre Deus e o diabo a mais harmônica possível na terra. Algo que para um agostiniano não deve ser tão difícil assim, uma vez que o santo que ele fez questão de dizer em seu primeiro pronunciamento que era filho, introduziu a dialética de Platão no seu discurso religioso que colocava a fé como caminho para a verdade, e a verdade como caminho para a razão. Tão subjetivo e questionável quanto a bondade de Deus na Bíblia, e a maldade do diabo no mundo, quando percebemos que ambas as situações são definidas ou praticadas baseadas nos interesses de homens que criaram um deus e um diabo às suas imagens e semelhanças.
Não esperem que Padre Bob, como Leão XIV era conhecido em sua paróquia, dê continuidade às transformações promovidas pelo Papa Francisco dentro da igreja, porque isso não agradaria aos tradicionalistas. Também não temam que possa haver retrocessos na filosofia implementada por Francisco, porque isso também seria prejudicial à imagem da igreja junto aos progressistas nos dias atuais. O cardeal Prevost fará um papado de neutralidade, diplomacia e equilíbrio, aliados à fé e à razão que Santo Agostinho lhe inspira. Temas polêmicos como: aborto, ideologia de gênero e união homoafetiva, por exemplo, devem ser tratados à luz da doutrina da igreja, mas com o cuidado de não desumanizar os envolvidos perante a sociedade. O discurso de que “Deus ama o pecador, mas abomina o pecado”, estará mais presente do que nunca.
Até porque, quando era Bispo no Peru, Leão XIV já deu declarações dizendo que "a promoção da ideologia de gênero é confusa, porque busca criar gêneros que não existem", justificando o seu posicionamento contrário a um projeto do governo que visava incluir ensinamentos sobre gênero nas escolas. Ele também já citou o “estilo de vida homossexual” e "famílias alternativas compostas por parceiros do mesmo sexo e seus filhos adotivos", como práticas contrárias ao evangelho que são fomentadas na sociedade. Por outro lado, Prevost já fez duras críticas à política anti-imigração de Donald Trump, sempre esteve ligado a movimentos sociais em defesa dos direitos dos mais pobres e injustiçados, e é entusiasta da sinodalidade, uma visão mais inclusiva e participativa da sociedade nas decisões da igreja.
O pontificado de Leão XIV irá em busca de estabilidade, justiça e harmonia, guardada a devida obediência e reverência aos dogmas e à tradição da igreja de Roma. Sete anos mais novo do que Francisco quando foi eleito Papa, Robert Prevost teoricamente terá tempo de sobra para reunificar a igreja, pacificar o clero, e devolver aos fiéis católicos a unidade que o espírito santo sempre lhes inspirou a conviver. Isto significa dar um “stop” na ousadia de seu antecessor, sem destruir os avanços promovidos por ela. Se terá pleno êxito em sua missão, só o tempo e o seu grau de neutralidade irão dizer. A força e a coragem do leão presentes em seu nome papal podem até não ser exercidas como o faz o rei da selva, mas o tom do seu rugido será fundamental para manter a casa em ordem e não frustrar a diversidade dos habitantes do reino. Habemos vaselina!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: