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      Reynaldo José Aragon Gonçalves

      Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC) e do INCT em Disputas e Soberania Informacional.

      31 artigos

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      TikTok, China e o pânico moral fabricado para sabotar a regulação no Brasil

      Enquanto a mídia finge escândalo diplomático, o verdadeiro ataque é contra a tentativa de regular as big techs no Brasil. Janja foi só o pretexto

      Logo do TikTok logo em um celular 06/01/2020 (Foto: REUTERS/Dado Ruvic)

      O alvo não é Janja: como a regulação das plataformas virou bode expiatório geopolítico

      A notícia não deveria ser o vazamento. Também não deveria ser o tom, o protocolo ou o desconforto. A notícia, se ainda houver espaço para jornalismo no Brasil, é que uma primeira-dama brasileira, diante do presidente da segunda maior potência do planeta, manifestou uma preocupação legítima, urgente e necessária: o impacto das redes sociais, em especial o TikTok, sobre crianças, mulheres e a democracia brasileira. No entanto, o que se viu foi outra coisa. O conteúdo da fala de Janja foi imediatamente deslocado. A atenção foi capturada não pelo mérito do que ela disse, mas por um falso problema diplomático que, curiosamente, jamais incomodou quando autoridades brasileiras eram filmadas em motociatas, golpismos e idolatria a milícias digitais. O que está em jogo aqui não é uma etiqueta protocolar, mas o tensionamento real em torno do debate sobre regulação das plataformas digitais no Brasil. Janja foi usada como isca para sabotar esse debate.O vazamento da conversa com Xi Jinping, claramente plantado com precisão e propósito, não teve como alvo central a primeira-dama. Teve como objetivo central criar ruído geopolítico. O tema da regulação da informação, das redes sociais e da atuação das big techs no Brasil foi sequestrado por uma operação de distração que favorece justamente os grupos que não querem nenhum tipo de limite à atuação dessas empresas no território nacional. Isso inclui as grandes corporações do Vale do Silício, a extrema-direita brasileira e seus braços midiáticos, políticos e jurídicos. Todos eles rapidamente aram a sugerir que o governo Lula estaria pedindo ajuda à China para regular as redes no Brasil, como se isso configurasse submissão ou censura. O que se faz, na prática, é acionar a velha cortina de fumaça do anticomunismo, velha tática de guerra psicológica, para esvaziar o debate sério sobre soberania digital.

      O rastro da operação: como a mídia e a direita moldaram a crise.

      No dia seguinte ao jantar com Xi Jinping, colunistas, jornais e influencers alinhados à direita já tinham alinhado a narrativa: o Brasil teria se curvado à China, Lula estaria pedindo interferência estrangeira, e Janja teria causado um escândalo diplomático. Nenhuma dessas versões corresponde ao que de fato ocorreu, mas todas funcionaram como engrenagens de uma máquina bem azeitada de distorção e pânico moral. As manchetes deixaram de lado o conteúdo da fala e aram a projetar, sobre a fala, uma série de significados enviesados. Isso não é falha jornalística. É operação.

      Na Folha, analistas de política internacional sugeriram que a fala de Janja foi “inoportuna” e que a China teria se sentido desconfortável com o tom da intervenção. No mesmo como, a CNN Brasil explorou a divisão dentro da delegação presidencial, dando palco para parlamentares da oposição acusarem Janja de “trazer o autoritarismo chinês para o Brasil”. Essa mesma rede, é bom lembrar, jamais dedicou cobertura crítica equivalente ao fato de que o TikTok é hoje uma das principais ferramentas de disseminação de conteúdos negacionistas, antidemocráticos e pró-extrema-direita no país.

      Enquanto isso, deputados como Gustavo Gayer e Nikolas Ferreira, representantes fiéis da extrema-direita digital, aproveitaram o episódio para reforçar a velha fantasia da censura comunista. Nos bastidores, seus aliados na comunicação digital inundaram as redes com conteúdos que associavam a regulação da internet a uma aliança entre Lula e o Partido Comunista Chinês. É a cartilha do pânico moral: falsificar a realidade para mobilizar emoções. Em lugar de discutir como proteger nossas crianças da lógica perversa dos algoritmos, discute-se se o governo entregou a soberania à China. Um delírio articulado com precisão.

      A regulação das redes como disputa de soberania 

      O centro da fala de Janja não foi a China. Tampouco foi Xi Jinping. O que ela fez foi apontar, em um dos mais importantes palcos diplomáticos do mundo, que o Brasil precisa regular urgentemente as redes sociais para proteger seus cidadãos, especialmente os mais vulneráveis. O TikTok foi citado como exemplo concreto dos perigos que essa ausência de regulação pode gerar. A fala foi clara: algoritmos tóxicos têm promovido conteúdos de ódio, distorções da realidade e desafios perigosos para crianças brasileiras. Não é exagero. O caso do menino que morreu ao tentar o “desafio do desodorante” no Brasil não é ficção nem exceção. É consequência de uma arquitetura de plataforma desenhada para engajamento a qualquer custo, mesmo que o custo seja a vida de alguém.Nesse sentido, Lula não pediu que a China regulasse o Brasil. Ele pediu que o tema fosse tratado com a seriedade que merece, inclusive com diálogo internacional. A proposta de que um emissário chinês particie das conversas sobre regulação foi interpretada como pedido de tutela, quando, na realidade, trata-se de um gesto de política internacional que reconhece que nenhuma nação consegue enfrentar sozinha a guerra assimétrica das big techs. O Brasil precisa estabelecer um sistema de regulação democrática, ancorado em sua Constituição e em suas instituições, mas tem todo o direito – e até o dever – de buscar experiências bem-sucedidas no campo da soberania digital.Com todas as críticas que se fazem à China, críticas essas quase sempre fundamentadas em valores liberais e ultraliberais do Ocidente, o fato é que o país construiu um ecossistema tecnológico próprio. Desenvolveu suas próprias redes sociais, sistemas de busca, plataformas de e-commerce, infraestrutura digital e ferramentas de inteligência artificial, reduzindo significativamente sua dependência dos fluxos informacionais controlados por corporações norte-americanas. Isso representa, na prática, uma forma concreta de soberania tecnológica. O Brasil não precisa adotar o modelo jurídico ou político chinês, mas deveria analisá-lo com seriedade e autonomia, livre das distorções ideológicas promovidas por potências interessadas em manter o país subordinado. Há lições importantes ali para qualquer nação que deseje proteger seus dados, sua infância e sua democracia do controle algorítmico estrangeiro.

      O Vale do Silício e a guerra informacional

      Por trás da reação orquestrada ao episódio com Janja está a ideologia tecnolibertária que domina o Vale do Silício e influência diretamente o debate sobre regulação no Brasil. Essa visão prega que qualquer tentativa de limitar o poder das plataformas é censura, quando, na verdade, busca manter intacto o domínio das big techs sobre os fluxos de informação. É uma ideologia funcional ao projeto político da extrema-direita, que usa essas mesmas plataformas para espalhar desinformação, promover o ódio e sabotar instituições democráticas.

      No Brasil, esse modelo foi importado sem mediação. As big techs atuam livremente, sem responsabilidade legal proporcional ao seu impacto. Qualquer tentativa de regulação vira alvo de pânico moral e campanhas articuladas que misturam paranoia anticomunista e defesa abstrata da liberdade de expressão. O episódio de Janja se encaixa nesse roteiro. O escândalo não foi espontâneo. Foi fabricado para proteger um modelo de impunidade informacional que beneficia justamente aqueles que lucram com o caos.

      O inimigo não é a regulação, é a dominação

      A histeria em torno da fala de Janja revelou com nitidez como o debate público no Brasil pode ser sequestrado por interesses que não querem discutir regulação, mas sim impedir qualquer tentativa de enfrentamento à lógica predatória das plataformas digitais. Quando uma mulher denuncia os efeitos do TikTok sobre crianças, o que deveria ser uma pauta humanitária e de saúde pública se transforma, por obra da mídia e da extrema-direita, em uma alegada ameaça comunista. Essa inversão não é um erro. É uma estratégia.

      Regular as redes sociais não é copiar o modelo chinês. É recusar o modelo da submissão. É afirmar que o Brasil tem o direito e o dever de construir suas próprias regras, com base em seus valores democráticos e em sua Constituição. Quem diz que isso é censura está defendendo o monopólio de empresas privadas sobre a esfera pública. Está defendendo que decisões fundamentais sobre o que vemos, sentimos e pensamos continuem sendo tomadas por algoritmos opacos e conselhos de istração nos Estados Unidos.O que o episódio deixou evidente é que o problema não está na fala de Janja, mas no fato de que, pela primeira vez em muito tempo, o poder das plataformas começou a ser desafiado no campo diplomático. E isso assusta. Porque onde há soberania, há risco para quem lucra com a dominação. O verdadeiro inimigo da liberdade não é a regulação. É a omissão. É a captura da democracia por interesses que não têm rosto, mas têm servidores, acionistas e planos de longo prazo. Enquanto isso, o Brasil segue precisando proteger seus filhos. Inclusive dos que gritam liberdade enquanto vendem desinformação.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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