Tempo de retroceder
A solução para os principais problemas ambientais do planeta exige, no mínimo, enfrentamento
A ideia de progresso com preservação ambiental fracassou. Queimamos combustíveis fósseis, destruímos florestas e ecossistemas e, em troca, ganhamos ondas de calor cada vez mais intensas. Será necessário reverter decisões políticas tomadas há décadas. Transporte individual, asfalto e ar-condicionado? Acredito que teremos que retroceder em muitas escolhas nos próximos anos.
O conceito de progresso está na base de todas as teorias do desenvolvimento. Quando propomos uma ideia nova, nunca dizemos que ela representa um recuo ou um retrocesso, mesmo que calculado. O discurso é sempre de avanço, de crescimento, de ascensão. "Retrocesso" remete a erro, a más decisões que precisam ser revistas.
No debate sobre mudanças climáticas, devemos partir de uma lógica oposta à habitual visão de sucesso. Se quisermos sobreviver como espécie, precisaremos aceitar alguns retrocessos. Não será possível “conciliar o progresso com a preservação ambiental”, como afirmam tantos documentos sobre desenvolvimento. O verdadeiro progresso será respeitar o meio ambiente — e isso exigirá restrições severas ao uso de combustíveis fósseis, à produção industrial e à geração de resíduos, especialmente plásticos. Mais do que conter o crescimento, será preciso organizar o retrocesso. Proibir canudos plásticos em fast foods não será suficiente. As cidades precisarão devolver grandes áreas à natureza. Rios canalizados deverão ser renaturalizados, permitindo que suas várzeas voltem a cumprir seu papel ecológico. Os espaços urbanos deverão ser contidos, preservando áreas para matas e reservas verdes.
Exemplos concretos serão inevitáveis. O Jardim Pantanal, em São Paulo, por exemplo, precisará ser desocupado. A área, que hoje abriga cerca de 45 mil pessoas, voltará a ser uma várzea do rio Tietê. E essa não será a única desocupação necessária na cidade.
Nesse novo cenário, qualquer empreendimento deverá estimar e mensurar seu consumo de energia, assim como a fonte desse suprimento. Processos de reciclagem que resultem na criação de novos materiais e soluções deverão ser prioridade — quando não forem a única alternativa. A arquitetura terá que ser extremamente criativa para lidar com as novas exigências.
Já estamos vivendo essa realidade. Quem assistiu a Uma Verdade Inconveniente (2006) já sabia o que estava por vir. Hoje, as cidades brasileiras registram temperaturas até 4°C mais altas do que em qualquer outro momento da história recente. Isso afeta a todos, mas impacta de forma especialmente cruel os idosos e as crianças.
A solução para os principais problemas ambientais do planeta exige, no mínimo, enfrentamento. A poluição atmosférica, o aquecimento global, a contaminação dos recursos hídricos e do solo, o desmatamento, as queimadas, a desertificação e a perda de biodiversidade demandam uma nova legislação — mais restritiva, com maior alcance e punições mais severas.
Mas como implementar uma visão tão radical, baseada na ciência, em um mundo onde uma parcela significativa da população ainda acredita que a Terra é plana? Qual governo teria condições políticas de enfrentar essa crise? Precisaremos de desastres ainda mais graves para que as pessoas finalmente percebam que uma sociedade baseada no consumo desenfreado não pode se perpetuar?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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