Reflexões sobre a aristocracia togada
Dos três poderes, apenas o Judiciário é constitucional, mas não é, em essência, democrático
“A pessoa a a ser chamada de excelência todos os dias. Daqui a pouco, começa a acreditar que é mesmo”
(Ministra Carmem Lúcia, do STF)
A reflexão, que compartilho hoje com o leitor, fiz em 2012 através de artigo publicado no CONJUR; de lá para cá, muita coisa aconteceu: “marchas de junho de 2013”; Lava Jato; “pautas-bomba” do Cunha; golpe na Dilma; condenação e prisão do Lula antes do trânsito em julgado; extrema-direita no poder; pandemia, com setecentos mil mortos; anos de discurso revisionista; anulação dos processos contra Lula; eleição do Lula para um terceiro mandato; tentativa de golpe de Estado após a derrota do presidente da extrema-direita; para citar apenas alguns fatos que ocorreram nos últimos doze anos.
Vamos às reflexões.
Faz algum tempo que a ministra do STF Cármen Lúcia defendeu mandato para ministros dos tribunais superiores; o tempo de permanência seria de 9 a 12 anos. Talvez ela, como eu, veja que há um triste paralelo entre uma indesejada aristocracia e o Poder Judiciário no Brasil.
Baseado nessa ideia da ministra, apresento ideias, inconclusas, de mudanças na forma de promoção dos magistrados de o aos tribunais estaduais e regionais e aos tribunais superiores, além das formas de controle da sua atuação.
Fatos recentes – O ministro do STF Barroso, um lava-jatista de quatro costados, instituiu um novo benefício de dez mil reais para os juízes auxiliares do STF; o pagamento será fixo e automático, constando diretamente no contracheque do juiz convocado. É verdade que o STF já pagava 10 diárias por mês no valor de R$ 10 mil, mas nada garante que as diárias não voltem a ser pagas.
Na mesma semana, o STF formou maioria a favor de que as receitas próprias do Judiciário federal não sejam submetidas ao limite de despesas imposto pelo novo arcabouço fiscal. Ou seja, o rigor fiscal não se aplica ao Poder Judiciário, onde a gastança está liberada, sob o nome de “autonomia e liberdade para gerir recursos e garantir a separação dos Poderes”.
Há muitos outros exemplos, mas fico nesses dois.
Esclarecimentos necessários – Não me alinho àqueles que acham que vivemos sob uma ditadura do Judiciário. Muito pelo contrário, sabemos que foi o STF que garantiu a não ruptura institucional tentada pelo bolsonarismo. Contudo, a cara de pau dos aristocratas de toga em manter e ampliar privilégios é repugnante.
Tese – Dos três poderes, apenas o Judiciário é constitucional, mas não é, em essência, democrático.
Por que não é democrático? Porque o o dos membros do Poder Judiciário dá-se por concursos públicos, pelo “Quinto Constitucional” e por indicação do Presidente da República e referendo do Senado. Ou seja, o que acontece hoje é uma mistura entre a ficcional meritocracia e muito lobby.
Não estou desacompanhado na ideia de eleições para juízes: no México e em 38 estados dos EUA, os juízes são eleitos.
A minha ideia, na verdade, é que os juízes ingressem na carreira por concurso público, mas progridam por eleição ou outro concurso específico. Essa é uma ideia que coloco à mesa para discussão e polêmica.
Quando compartilhei a ideia com a Celinha e com o advogado João Faccioli, um querido amigo, ouvi: “Você está maluco?”. Talvez eu seja maluco, mas não sou laudado ainda.
Ouvi que essa minha ideia comprometeria a jurisdição e que seriam eleitos desqualificados de todos os tipos (populistas de esquerda e de direita; pastores; padres; lobistas; etc. e tal), a que respondo: “Já temos gente de todos os tipos nos quadros do Poder Judiciário, e eles, em razão dos concursos, permanecerão pelo menos três décadas por lá ou, pelo menos, até os 75 anos — e não apenas oito ou doze anos”.
Sobre jurisdição – Não vejo que novos concursos ou eleições comprometam a jurisdição, prerrogativa dos órgãos do Poder Judiciário; nenhum argumento contrário à minha ideia me emociona.
O que gente séria deve debater são as causas da judicialização da política e da politização do Poder Judiciário, pois tal fenômeno desequilibra a harmonia entre os poderes e esvazia o necessário movimento e envolvimento da sociedade civil nas questões políticas e cidadãs.
Recupero o conceito de jurisdição na perspectiva de que o centro de gravidade do desenvolvimento jurídico e da paz social não está propriamente na legislação, na burocracia, na ciência do Direito ou na jurisprudência, mas na sociedade, pois as estruturas e instituições nada mais são que artefatos humanos, criações humanas e não divinas.
Se cabe aos órgãos do Poder Judiciário harmonizar a tensão entre os interesses e estruturas institucionais, tem-se de ter em mente que as estruturas e instituições transformam-se continuamente, para desespero dos conservadores.
Ou seja, podemos pensar sobre isso e até concluir que é uma estultice.
Sobre a aristocracia togada – A reflexão que trago é a seguinte: o o à carreira de juiz substituto deve ser por concurso público, mas a promoção não pode ser realizada sem novo concurso ou sem eleição, na forma que for definida por uma PEC. Pois cada desembargador, cada ministro dos tribunais superiores, não são apenas “órgãos do Poder Judiciário”; são agentes do Estado e agentes políticos, na medida em que suas decisões impactam econômica, social e politicamente os entes federativos. Acredito também que os cargos de direção dos diversos tribunais deveriam ser ocupados através de eleição direta, com participação popular efetiva e grande debate na sociedade.
Quem discorda, a priori, revela simpatia ao viés aristocrático na forma como as coisas funcionam hoje: o sujeito presta um concurso para ser juiz substituto e, alguns anos depois, é desembargador. Não pode. Alguns anos depois, aquele jovem, aquela jovem cheia de ideais está completamente contaminada com a cultura aristocrática que o Poder Judiciário preserva com unhas e dentes. Acredito que as promoções dos juízes deveriam ocorrer através de novos concursos ou através de eleições — esta, minimamente, em relação aos desembargadores.
Cada órgão do Poder Judiciário é um agente político. São profissionais que carregam grande responsabilidade. Suas decisões são capazes de influenciar no destino da sociedade à qual eles devem servir e que os legitima. Os magistrados não são agentes públicos comuns, nem agentes de Estado comuns — são diferenciados. Essa é mais uma razão para, através de emenda constitucional, ser revista a forma de promoção para os tribunais e de o aos cargos de direção do Poder Judiciário.
Não sendo realizado esse debate, estaremos apenas reproduzindo a lógica aristocrática de natureza essencialmente elitista. Pois, na democracia, como um sistema de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos (povo), direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos, forma mais usual.
Sobre os ministros dos tribunais superiores – É comum ouvir de incautos que os ministros dos tribunais superiores deveriam ser “juízes de carreira”. Ledo engano, pois, se os concursos não garantem que os policiais, por exemplo, que ingressaram na carreira cheios de ideais, não se tornem truculentos ou corruptos, por que com juízes e juízas seria diferente? São todos seres humanos.
Ademais, se os políticos, tidos como ineficazes ou corruptos, são submetidos ao escrutínio popular, além de serem controlados pelo MP, TCE, TCU, parlamentares etc., por que desembargadores e ministros não podem ser eleitos para mandatos de oito ou doze anos? Por que são submetidos apenas a ineficientes corregedorias e a um CNJ que eles próprios presidem?
Contra o meu argumento dirão que os juízes precisam de “vitaliciedade e inamovibilidade”. Seriam condições necessárias ao bom exercício e adequada prestação jurisdicional, pois a sociedade não pode ter juízes receosos de uma eventual demissão ou de uma transferência involuntária, a que respondo: “Eles terão, durante seus mandatos.”
A eleição ou concursos para “subir” na carreira podem pôr fim à cultura de privilégios de uma categoria que, com o tempo, se distancia da realidade da sociedade.
Como digo sempre: são apenas ideias inconclusas, reflexões, que submeto às necessárias críticas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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