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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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      Quando o conservadorismo aplaude a diferença: o caso de Alicia Krugger em Ponta Grossa

      Homenagem unânime a travesti em cidade conservadora escancara dilemas entre respeito, estratégia política e disputas sobre cidadania no Brasil de 2025

      Alícia Krüger (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

      No dia 5 de maio, em um gesto que poderia parecer improvável em outras épocas, a Câmara Municipal da conservadora cidade de Ponta Grossa, no interior do Paraná, aprovou por unanimidade a concessão do título de Cidadã Benemérita à farmacêutica Alicia Krugger. A proposta, feita pelo vereador Dr. Eric (PV), reconhece a trajetória de uma mulher travesti que tem se destacado no campo da saúde pública e da cidadania.

      Sim, você leu corretamente. Em uma cidade marcada por uma composição legislativa majoritariamente conservadora, onde tradicionalmente reinam valores associados à moral cristã e à heteronormatividade, foi aprovada  -  sem nenhum voto contrário -  uma homenagem formal a uma mulher trans. Embora a presença do Partido Verde (PV) possa sugerir uma inclinação progressista, é importante notar que, no contexto político brasileiro, o PV frequentemente adota posições centristas ou mesmo conservadoras em algumas pautas. Além disso, a filiação partidária nem sempre reflete fielmente a atuação individual dos vereadores, que podem divergir das diretrizes nacionais de seus partidos.

      Assim, com base na atual composição partidária e na predominância de partidos de centro-direita e direita, pode-se caracterizar a Câmara Municipal de Ponta Grossa como tendo uma orientação majoritariamente conservadora.

      Mas o que está em jogo aqui não é apenas o reconhecimento de uma trajetória irável. O episódio convida a uma reflexão mais profunda: que tipo de conservadorismo é esse que concede honrarias a uma travesti? Estaríamos diante de uma reconfiguração ideológica ou de uma movimentação estratégica, disfarçada de tolerância?

      Quem é Alicia Krugger? - Alicia é uma jovem travesti que vem, há anos, construindo uma carreira sólida e respeitada na interface entre saúde pública, acolhimento social e políticas de cuidado. Atua de forma articulada com serviços públicos e organizações da sociedade civil, promovendo o o à saúde e ao bem-estar para populações marginalizadas. Uma cidadã, de fato, comprometida com o coletivo e que atuou incansavelmente junto ao Ministério da Saúde ao longo da istração ministerial de Nísia Trindade.

      Não é exagero dizer que Alicia personifica aquilo que há de mais humano em uma atuação política cotidiana: empatia, compromisso e transformação social.

      É aqui que a análise se torna mais interessante  -  e talvez mais inquietante.

      A unanimidade na aprovação do título nos obriga a revisitar a análise da socióloga e antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, professora da Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora das relações entre religião, gênero, moralidades e política, Teixeira, que esteve no Programa de Travesti da TV 247, vinha argumentando que há, até hoje, um certo "pragmatismo moral" em jogo no interior do campo conservador.

      Em entrevista concedida a mim na época ao Programa de Travesti, a professora destacou que setores religiosos e conservadores vêm aprendendo a manejar a linguagem dos direitos humanos e da diversidade, não necessariamente por convicção, mas por estratégia. Segundo ela, há uma assimilação seletiva de figuras LGBTQIA+ que se encaixam em certos parâmetros de "respeitabilidade": o cuidado, o serviço ao próximo, a discrição, a caridade.

      Nas palavras de Teixeira: "não se trata de uma conversão ética ao progressismo, mas de uma reconfiguração discursiva. A travesti que cuida, que salva, que serve  -  pode ser aceita. Já a travesti que confronta, que exige direitos, que questiona estruturas  -  essa, continua sendo alvo de repulsa”.

      A concessão do título a Alicia pode ser lida de dois modos. De um lado, um avanço inegável no reconhecimento institucional de uma cidadã que representa a luta por dignidade em tempos sombrios. De outro, uma apropriação simbólica de sua trajetória para suavizar a imagem pública de setores políticos que, historicamente, negam a existência das Alícias.

      É o conservadorismo tentando se modernizar sem abrir mão de suas estruturas profundas? Ou é o prenúncio de que mudanças mais profundas estão, de fato, ocorrendo na sociedade?

      O que ocorreu em Ponta Grossa não é apenas uma notícia  -  é um sintoma. Um indício de que até mesmo as trincheiras mais duras do conservadorismo brasileiro estão sendo pressionadas a responder à pluralidade da vida real. Mas, como sempre, cabe a nós observar com atenção: o gesto político é apenas aparência ou também transformação?

      A história de Alicia Krugger continua e daqui envio nossos abraSUS. E, com ela, segue em disputa o significado de cidadania, humanidade e reconhecimento no Brasil de 2025.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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