Privatização é palavrão?
Se a Sabesp é tão grande e competente, por que foi privatizada?
A Sabesp, uma das maiores empresas de saneamento do mundo, foi finalmente privatizada. E hoje faz 6 meses que seu bloco de controle foi adquirido pela Equatorial, uma empresa relativamente pequena, bem menor que a Sabesp, que comprou 15% das ações. A Equatorial é uma empresa especializada em gestão de ativos de empresas privatizadas, principalmente energia. Ela, por sua vez, é controlada por três fundos de investimentos: o Opportunity, o Atmos e o Capital World. Ah, eles pagaram R$ 6,7 bilhões pelos 15%.
O fornecimento de água e esgoto é tema de debates acalorados em todo o mundo. Não há um consenso sobre se esses serviços devem ficar na iniciativa pública ou privada. No Brasil, há um claro movimento de desestatização do setor, com a CEDAE servindo de exemplo.
A Sabesp “pública” fez um trabalho impressionante, partindo da costura dos convênios com cada município de São Paulo, consolidando a empresa no âmbito estadual. Depois, investindo alguns (muitos) caminhões de dinheiro, enterrados em estações de esgoto, redes de fornecimento de água e de distribuição.
Ela existe há 51 anos. Ela mudou o patamar do setor. É a sexta maior operadora de saneamento do planeta. Logo, não existe nesse segmento empresa maior que ela disponível para dirigi-la. Mas, se ela é tão grande e competente, por que foi privatizada? Dentre as causas confessáveis, temos o recorrente atraso nas metas de universalização dos serviços, os eternos problemas de falta de água em certas regiões e uma certa arrogância na forma de se dirigir ao público.
Entre as inconfessáveis, está a corrupção. A empresa tem sua história marcada por episódios de desvios, envolvendo desde a “raia miúda” até a alta istração. Por ser estabelecida em São Paulo, a empresa é fiscalizada pelos órgãos locais, Tribunal de Contas do Estado e eventuais crimes pela polícia civil (e não pela Federal). Para alguns, esses órgãos têm mais dificuldades em exercer seu papel que seus congêneres.
A oposição bateu duro no processo, com destaque para o preço pago, que consideraram muito baixo. Só não se explica por que só houve apenas uma oferta.
Como os investimentos desse setor não são visíveis, pois são debaixo da terra, costumam gerar dois tipos de comentários. Não geram votos, já que há pouco para mostrar além de uma torneira jorrando água. E isso estimula a corrupção.
Eu esperava um pouco mais de debate sobre a gestão do saneamento e do papel da empresa. Imaginava que o aquecimento global traria novos debates. Mas isso não aconteceu. A manutenção dos termos da discussão nos mesmos de 20 anos atrás sufoca qualquer debate. Colocar mais questões só esvaziaria o debate. As privatizações, per se, não causam mais nenhuma reação na população.
Nem mesmo o caos na gestão da ENEL trouxe reflexos ao processo da Sabesp. E foram quase 6 milhões de reclamações em 2024, a maioria por interrupção do fornecimento de energia. Isso é atribuído à gestão, não à privatização, que ocorreu em 1988.
No caso da Sabesp, há falhas notáveis no sistema, especialmente na manutenção de redes, que fazem da empresa responsável por mais de 80% dos buracos nas ruas das cidades paulistas. Isso é um enorme problema para a empresa, que não apresentou uma solução viável e poderá ser surpreendida com o surgimento de uma dívida “oculta”.
Posto que a privatização já ocorreu e as cortes já deram seu veredicto, resta analisar a capacidade de gestão da empresa. Alguns dos mais importantes executivos da atualidade foram levados a assumir posições na empresa, o que é positivo. Mas a Sabesp é uma empresa que tem um corpo técnico muito capaz e, em boa medida, dono de certas áreas da empresa. Esse feudalismo corporativo impede que certas decisões se efetivem. Lendo os currículos dos atuais diretores, não me pareceu que tenham expertise nesse cenário. Se errarem, a empresa vai acusar o golpe. E isso seria desastroso para os investimentos feitos. Parecido com o poema de Fernando Pessoa, todos ali são vencedores, ninguém levou porrada antes. Alguém com esse perfil faz falta ao grupo.
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