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      Francisco Calmon

      Ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça; membro da Coordenação do Fórum Direito à Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo. Membro da Frente Brasil Popular do ES

      146 artigos

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      Pragmatismo ao arrepio da lei

      A CEPMR deve ser criada por lei e que o governo seja obrigado a dotá-la de todos os recursos necessários.

      Protesto de mulheres contra a ditadura militar (Foto: Divulgação)

      A Comissão de Anistia foi criada em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso. Desde então, é inegável que houve avanços e aperfeiçoamentos na Comissão, salvo no período bolsonarista, mas ainda há espaço de aprimoramento para acatar corretamente cada caso e dar aos anistiados a sua devida reparação.

      “A Comissão de Anistia finalizou 97% das 80.357 solicitações recebidas de vítimas (ou familiares delas) de tortura, assassinato, exílio, estupro, demissão, ocorridos durante a ditadura. Os pedidos foram feitos entre 2001 e 2024. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, até 31 de dezembro de 2024, 39.984 pedidos foram deferidos e outros 31.669 foram indeferidos – neste caso, por ausência de documentação, falta de comprovação de motivação política no ato de afastamento ou demissão, período diverso ao previsto na legislação, entre outras razões.” (fonte: O Globo de 13/04/2025)

      A Comissão conseguiu atingir este número de 97% de casos apurados driblando a lei e a Constituição. 

      Arbitrariamente, limitaram as prestações mensais gerais a R$2.000, logo, tiveram que, por recomendação do governo, burlar o artigo 8º das Disposições Transitórias da Constituição e do Regimento do Anistiado, que estabelecem:

      Art. 8º “É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.”

      A Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, também conta com dois artigos que reafirmam os dizeres do Artigo 8º:

      Art. 4º "A reparação econômica em prestação única consistirá no pagamento de trinta salários mínimos por ano de punição e será devida aos anistiados políticos que não puderem comprovar vínculos com a atividade laboral.”

      Art. 6º “O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas.”

      Além da infração explícita à Constituição, tais decisões são justificadas como benéficas, pois usam da lógica de que a limitação do valor mensal será compensada com o pagamento de todos os atrasados de uma vez só, mas, de que vale tal iniciativa se qualquer redução do valor mensal faz com que o montante retroativo também seja desvalorizado? É um sofisma, um esbulho! 

      Anistiados são contingenciados a aceitar valores irrisórios sob a promessa de receber atrasados, mesmo sem correção monetária ou juros. Um engenheiro perseguido nos anos 1970, por exemplo, que teria direito a uma reparação baseada no salário atual da categoria, vai receber dois mil reais. Há casos que o retrocesso financeiro chega a menos 900%, a reparação virou uma nova forma de violência institucional.

      Vítimas idosas, após décadas de espera, são cruelmente submetidas a aceitar migalhas imediatas ou lutar na Justiça por dois a três anos, sem garantia de sobreviver para ver o resultado.

      Isso é negar um dos direitos humanos dos anistiados, direitos estes que deveriam ser a joia da coroa, mas estão sendo deixados à míngua. 

      A justificativa é a falta de fundos, quando a verdade é, como disse-me em certa a ocasião minha companheira de luta - ex-presidente da República - Vanda, o dinheiro existe, o problema é onde ele está sendo empregado.

      O Ministério que cuida do pagamento dos anistiados não é o falido DH é o da Gestão.  

      Enquanto a Comissão de Anistia definha, o governo destina milhões às emendas parlamentares, muitas não rastreáveis, e jetons de R$ 30 mil por reunião para conselheiros de estatais.

       A contradição expõe a hierarquia de prioridades: privilegia-se as elites institucionais, não as vítimas da ditadura.

      O governo não dotou de recursos humanos, de infraestrutura e logística para a Comissão poder atuar com a produtividade necessária. 

      A mais nova presidenta da Comissão, Ana Maria Lima, em entrevista ao Canal Pororoca no dia 08/04/2025, relatou que:

      “(...) Ficamos completamente desmantelados. (...) já chegamos a ter mais de cem funcionários, agora temos vinte e pouquinhos. (...) Nós da Comissão de Anistia e a de Mortos e Desaparecidos tínhamos um recurso maior enquanto secretaria do que temos hoje no Ministério dos Direitos Humanos.” - Ana Maria Lima de Oliveira.

      Os trabalhos só estão sendo feitos, porque a pequena quantidade de pessoas atuando neles é composta por estagiários e voluntários, por comprometimento à causa e por relevantes serviços públicos.

       A atuação da Comissão restringiu-se somente a analisar se cabe ou não a indenização àqueles que entraram com pedido de anistia, por mais que a lei diga que cada caso é um caso, que deve ser analisado de forma individual e personalizada, tal entendimento é inutilizado pela limitação de R$2.000 reais para todos.

      Anistia e a indenização é um direito personalíssimo!

      Quando o Estado, por incapacidade, por burocracia, faz um anistiando ter expectativa por mais de 10, 20 anos, à espera da indenização, para minimizar tudo o que ele sofreu, vê-se frustrado pela não aplicação correta da lei, é um prolongamento da tortura psicológica. 

      A estratégia do governo, é encerrar todos os processos até 2026, independentemente da qualidade das análises. O prazo, porém, não é técnico, mas político: trata-se de um esforço para “virar a página” da ditadura sem resolver suas feridas. 

      A falta de estrutura obriga a Comissão a ignorar a lei e padronizar casos, como se as histórias de perseguição, de destruição de carreiras, de impedimentos ao emprego, por meio da obrigatoriedade dos atestados de bons antecedentes e ideológico, a ingerência do SNI, fizessem as histórias intercambiáveis.

      A pressão por “acelerar” processos também ignora o aspecto moral da reparação. O pedido de desculpas do Estado, previsto na Lei nº 10.559, tornou-se mero protocolo. Para muitos, o reconhecimento público era tão importante quanto a indenização. Hoje, até isso é negligenciado: os deferimentos são em grupos, sem audiências públicas, mesmo que virtuais, com os anistiados, ou gestos simbólicos de reparação histórica. A mensagem é clara: o Estado quer fechar o assunto, não o resolver.

      Anistia política DE REPARAÇÃO não é um favor, mas um direito-dever constitucional. É a dívida de um país, que se diz democrático, com quem lutou por essa democracia.

      É imprescindível que haja o remanejamento das prioridades do governo, e nós, militantes pela justiça de transição, precisamos estar em uma constante batalha para que seja dada a devida importância estratégica que nutre a justiça de transição.

      A luta agora é pela criação de uma Comissão Estatal Permanente de Memória e Reparação, capaz de abordar não apenas a ditadura, mas também a escravidão e o etnocídio indígena. 

      Somente uma instituição autônoma, com recursos e poder para agir, evitará que a Justiça de Transição seja reduzida a um capítulo esquecido em relatórios poeirentos. Enquanto o Estado tratar a reparação como um ônus político, e não como dever moral e constitucional, a democracia seguirá manca.

      Não podemos ser pautados pelo governo, que só cita os anistiados políticos e a reparação que lhes é devida quando lhe convém, como para homenagear a família Paiva, a qual o filme ‘Ainda estou aqui’ colocou em pauta.

       A cronologia da justiça de transição no Brasil é sintomática: 1995 é criada a Comissão Especial de mortos e desaparecidos políticos; em 2002 a Comissão de Anistia política, em 2011 a Comissão Nacional da Verdade, durante os governos de FHC e Dilma Rousseff, respectivamente. Nos governos de Lula não houve qualquer implementação da JT.

      Será que somos um estorvo para Lula?

      A atrofia da Comissão reflete um projeto de apagamento histórico (Não remoer). Ao negar reparações dignas, o Estado não apenas falha com as vítimas, mas falha com o seu dever de fazer com que as suas ações transpareçam que golpes nunca mais serão cometidos impunimente em território brasileiro.

      Enfatizo que essas críticas não são direcionadas a Comissão em si, e, sim, a disfuncionalidade do Estado, que força as comissões a operarem de forma canhestra, limitada, sofismática, dentro desta conjuntura desastrosa, ao ponto de irem em busca de recursos das emendas parlamentares. E têm conseguido! 

      Por oportuno, gostaria de congratular à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que, mesmo diante da escassez de recursos, conseguiu recentemente identificar os restos mortais dos heróis Denis Casemiro e Grenaldo de Jesus Silva. Ambos eram dados como desaparecidos políticos e estavam sepultados na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus.

      Parabéns a Eugênica Gonzaga e equipe.

      Como sociedade civil não cabe nos colocar no prisma do governo e sim na perspectiva dos anistiados. Esse contraditório fortalece a democracia e alerta o governo, que continua cercado por fora, minado por dentro e assessorado por pelegos.  

      O Legislativo se apropria do orçamento do Executivo e depois as emendas parlamentares socorrem o próprio Executivo. 

      Essa promiscuidade deve estar deixando Montesquieu revirando a cova.

      A Comissão, perante a inexistência de outras saídas, optou por esse pragmatismo – que traz, sim, benefícios imediatos para muitos casos –, mas, por outro lado, deixa um precedente prejudicial à legalidade e à decência, consoante aos princípios constitucionais da istração Pública.

       É líquido e certo o ajuizamento de ação de revisão e ganho no judiciário federal. 

      Com isso, é gritante a necessidade da instauração da Justiça de Transição como uma Comissão Estatal Permanente de Memória e Reparação, que abranja todos os períodos traumáticos do Brasil – escravidão, ditaduras e o genocídio bolsonarista, a fim de ser planejada e implementada à construção de uma democracia sólida, sem ter medo do ado.

      A CEPMR deve ser criada por lei e que o governo seja obrigado a dotá-la de todos os recursos necessários.  

      As atuais Comissões, anistia e a de mortos e desparecidos, sendo órgãos de Estados, não deveriam ser subordinadas ao governo, a este caberia indicar seus membros e fornecer os recursos necessários.

      Dia triste em que concluo este texto, 21 de abril de 1789 era enforcado e esquartejado um patriota, Tiradentes, hoje morreu o meu xará, Papa Francisco, cujo papado reformador, crítico das mazelas capitalistas e imperialistas, amigo do Brasil, que, quando em visita ao Rio de Janeiro, para a jornada mundial da juventude, exortou os jovens a serem revolucionários.  Infelizmente poucos seguiram a conclamação de Francisco. Minha singela homenagem e agradecimento por tudo que fez pela humanidade.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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