Pepe Mujica e o direito ateu de chorar
"A morte de Mujica autoriza o choro dos que não rezam", escreve Sara Goes
Pepe Mujica morreu no dia 13 de maio de 2025, aos 89 anos. Sabíamos da doença, sabíamos que ele havia recusado seguir com os tratamentos, sabíamos que o tempo era curto e ainda assim doeu. Porque há pessoas que mesmo quando não creem em nada continuam sendo faróis. Faróis humanos. Dos que não prometem o céu, mas acendem o chão.
Pepe foi guerrilheiro, preso político, presidente, ministro, agricultor, filósofo de botina. Morava numa chácara simples, dirigia um Fusca 87 e doava a maior parte do salário. Defendeu o aborto legal, o casamento igualitário, legalizou a maconha, e tudo isso sem levantar a voz. Um homem laico, coerente, radicalmente comprometido com a dignidade humana. Um homem bom.
É justamente nessas horas que ressurge o velho recurso, tão desgastado quanto desleal, de elogiar ateus por contraste. Como se fosse necessário medir virtudes na régua dos fiéis, como se a bondade precisasse ser legitimada por equivalência religiosa. Mujica jamais precisou desse tipo de chancela. E nós, tampouco.
Lembrei do meu pai que, quando adoeceu, me pediu para avisar os amigos, organizar os horários da despedida, preparar as últimas visitas. Eu dedicava a tardes a ligar, responder mensagens, explicar o diagnóstico, combinando com gentileza a chance de se despedirem. Não houve milagres, mas houve lucidez. E houve amor. Um amor ateu, desses que não precisam de promessa alguma para continuar existindo.
A morte de Mujica autoriza o choro dos que não rezam. Não por contradição, mas por coerência. A gente chora o que é grande. E ele foi. Com leveza, com doçura, com a grandeza de quem viveu como pensava, sem ostentação, sem espetáculo, sem idolatria. E até nisso deixou um ensinamento: há beleza na saída quando a vida foi inteira.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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