Os desafios da extrema direita para a democracia
Ascensão global da extrema direita desafia valores democráticos e expõe crises econômicas, políticas e subjetivas nas sociedades contemporâneas
Dia 10 de agosto de 2023, quando se celebravam os 40 anos de democracia, ocorreu um fato insólito na Argentina, com a posse de um governo de extrema direita. Javier Milei derrotou o peronismo com mais de 55% dos votos.
Lá e em tantos outros lugares, colocou-se a questão do porquê dessa vitória e dessa derrota. Deveu-se aos erros políticos e econômicos do governo anterior? Ou se deve a um fenômeno global?
Essas questões são colocadas pelo pensador argentino Alejandro Grimson no artigo de abertura do livro “Desequilibrados – As vertiginosas transformações impulsionadas pela extrema direita”, organizado por ele, com textos de outros 15 pensadores argentinos.
Está claro que se trata de uma crise da democracia, que permite esse novo fenômeno no mundo. Quais são os desafios que se colocam para as forças democráticas diante do crescimento e da multiplicação das forças da extrema direita?
Um fenômeno que já havia se disseminado em vários países, incluindo os Estados Unidos e o Brasil, entre outros. A primeira e a segunda eleições de Donald Trump, nos EUA, foram o fenômeno que comanda todo esse processo, pela importância desse país e pelo estilo que desenvolve o atual presidente norte-americano.
Como ressalta Grimson, é preciso, antes de tudo, compreender o fenômeno para poder enfrentá-lo.
No caso de Milei, coloca-se a questão: por que ele não se autodenomina simplesmente liberal? Ele se reivindica como um libertário.
Quando surge uma força de extrema direita, as democracias se colocam uma série de questões: pode haver convivência pacífica com grupos que a rejeitam? Como manter o respeito pelas ideias do outro sem aceitar que cruzem limites que danem a pluralidade? Até que ponto uma campanha de denúncia do caráter antidemocrático de um grupo pode favorecer os interesses desse mesmo grupo?
Se ganharam eleições, são governos antidemocráticos? Para que os governos sigam sendo democráticos, devem agir nos marcos da Constituição e das leis.
A ascensão da extrema direita coloca enormes desafios para a democracia. A questão central é: o que mudou no mundo?
No plano global, houve uma mudança estrutural nas relações de trabalho. Há uma diminuição do trabalho assalariado e um crescimento do trabalho precário. Há uma grande transformação das comunicações devido às tecnologias da informação. O microempreendedorismo e as novas formas econômicas promovem uma nova subjetividade. É o individualismo autoritário.
Não há atualmente um único país que seja um modelo a seguir pelas forças democráticas. Viemos de fracassos importantes de governos progressistas porque, atualmente, não existe um projeto econômico e político em nível nacional ou global. Os níveis de desarticulação intelectual e política são de forte impacto.
O crescimento da extrema direita é um processo global com especificidades locais. O caso argentino é muito significativo. Segundo Grimson, desde 1975 o país teve um dos piores desempenhos macroeconômicos da América Latina. Isso tornaria verossímil a ideia da “decadência nacional” e provoca uma exacerbada frustração. Esse retrocesso começou há meio século, com as políticas neoliberais.
Depois de uma grande crise econômica gerada por essas políticas, o kirchnerismo ganhou as eleições. O governo, depois de anos de sucesso, desembocou no fracasso em termos de inflação, estabilidade monetária e pobreza.
Houve na Argentina uma dupla desilusão: dos antiperonistas em 2015 e dos peronistas em 2019, pelo fracasso de seus governos. A desilusão é um fenômeno emotivo e político profundo que pode produzir grandes transformações. É assim que se chega, na Argentina, ao triunfo da extrema direita.
Cada caso merece uma análise específica, mas esse esquema explicativo pode ser útil para esses enfoques individuais, inclusive no caso do Brasil.
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