O futuro da Amazônia em disputa
A COP 30 não pode ser apenas uma vitrine ambiental. Ela deve ser o início de um pacto global justo, solidário e enraizado na realidade concreta da Amazônia
Por: Esther Bemerguy* e Maria Luiza Falcão
Diante da emergência climática, o debate sobre transições ecológicas ganha força. Mas o que isso significa para os 30 milhões de habitantes da Amazônia? Três caminhos — capitalismo verde, decrescimento e ecossocialismo — disputam narrativas, políticas e territórios. Com a COP 30 se aproximando em Belém, o mundo precisa ouvir a floresta.
Crise ambiental: mudar o modelo, mas para onde?
A intensificação das mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e o esgotamento de recursos naturais colocaram em xeque o modelo econômico vigente. A pergunta, no entanto, não é apenas “como preservar a natureza?”, mas “como reorganizar a sociedade em tempos de colapso ecológico?”
Diante disso, três propostas ganham destaque: o capitalismo verde, que aposta em tecnologias e mercados para descarbonizar a economia; o decrescimento, que questiona o próprio ideal de crescimento contínuo; e o ecossocialismo, que propõe romper com o capitalismo para reconstruir a relação entre sociedade e natureza.
Capitalismo verde: sustentabilidade com lucro?
O capitalismo verde sustenta que é possível alinhar crescimento econômico e preservação ambiental. Seus instrumentos incluem:
- Energias renováveis;
- Carros elétricos;
- Créditos de carbono;
- Pagamentos por serviços ambientais.
A premissa: basta tornar o capitalismo mais “eficiente” e ecológico. Críticos, porém, apontam limites estruturais. A lógica de lucro, consumo e expansão infinita não seria compatível com um planeta finito. Além disso, alertam para o risco de greenwashing: empresas que se vendem como verdes sem alterar práticas destrutivas.
Decrescimento: desacelerar para sobreviver?
Já o decrescimento parte de uma crítica frontal: não é possível preservar o planeta mantendo a obsessão por crescimento do PIB. Defende-se uma redução planejada do consumo e da produção, especialmente nos países ricos, em favor de bem-estar, igualdade e simplicidade voluntária.
Na América Latina, no entanto, essa proposta exige nuance. Em regiões onde parte da população ainda carece de serviços básicos, o desafio é outro: como garantir desenvolvimento sem repetir os erros do ado?
Ecossocialismo: transformar a economia para salvar o planeta
O ecossocialismo parte de uma crítica profunda ao capitalismo: considera que a degradação ambiental é inseparável da lógica de exploração que marca a história do capital. Propõe-se, em seu lugar, uma economia planificada democraticamente, com propriedade coletiva dos recursos naturais e foco nas necessidades humanas — não no lucro.
Mais do que uma teoria, o ecossocialismo também se expressa nas lutas concretas de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e movimentos socioambientais, que resistem à mineração predatória, ao agronegócio e à financeirização da natureza.
Amazônia: entre a floresta e a vida concreta
Nenhum debate sobre transição ecológica pode ignorar a Amazônia e seus mais de 30 milhões de habitantes. A região é central para o equilíbrio climático do planeta, mas também enfrenta desigualdade, precariedade e conflitos territoriais.
É nesse ponto que a obra da geógrafa Berta Becker oferece uma contribuição fundamental. Becker propôs uma “geopolítica da sustentabilidade” baseada na integração entre conservação ambiental, desenvolvimento regional e soberania nacional. Para ela, a Amazônia não deveria ser um santuário intocado nem uma fronteira de saque, mas um espaço de inovação para um novo tipo de desenvolvimento territorial e socialmente justo.
“A floresta pode ser uma nova base para a economia do conhecimento, se soubermos integrá-la à ciência, à tecnologia e às populações que nela vivem.” — Berta Becker, geógrafa brasileira (1930–2013). O capitalismo verde, ao propor mecanismos de mercado como os créditos de carbono ou a bioeconomia, até pode gerar renda. Mas frequentemente exclui as populações locais dos lucros e das decisões, ao mesmo tempo em que transforma a floresta em ativo financeiro.O decrescimento, embora relevante globalmente, não pode ser aplicado de forma rígida na região. A Amazônia precisa de mais infraestrutura básica, não de retração econômica. O desafio é promover desenvolvimento que preserve e inclua.O ecossocialismo, por fim, propõe romper com a lógica colonial que molda há séculos a ocupação da floresta. Isso inclui democratizar a posse da terra, valorizar os saberes tradicionais e planejar o uso dos recursos com participação popular.
É notório como o interesse na Amazônia só aumenta. Além dos interesses ocidentais, a presença da China na região tem crescido de forma significativa, principalmente por meio de investimentos em infraestrutura, energia e mineração. Projetos como portos, ferrovias e hidrelétricas, financiados por bancos e estatais chineses, vêm sendo articulados com governos locais — muitas vezes sem transparência nem consulta às comunidades afetadas.
Esses investimentos, embora estratégicos para o escoamento de commodities e integração logística, reforçam o modelo extrativista exportador e aprofundam a dependência da região frente à demanda externa. O desafio é garantir que a relação com a China não repita lógicas coloniais, mas seja pautada por soberania, regulação ambiental e inclusão social.
A caminho da COP 30: a floresta exige compromissos
Em 2025, o Brasil sediará pela primeira vez uma Conferência do Clima da ONU. A COP 30 será realizada em Belém, no coração da Amazônia, o que dá ao evento uma carga simbólica imensa. É uma oportunidade histórica para que os países deixem de lado promessas genéricas e assumam compromissos concretos de financiamento, justiça climática e preservação da floresta com seus povos.
A presença internacional na Amazônia não pode ser apenas diplomática ou técnica: deve reconhecer as dívidas históricas do Norte Global, responsável pela maior parte das emissões acumuladas de gases de efeito estufa, e apoiar verdadeiras transições ecológicas no Sul Global — sem impor condicionalidades coloniais, nem fórmulas de mercado que fragilizam a soberania dos países tropicais.
A Índia, muito ativa em diversas COPs, tem resistido a compromissos mais rígidos com metas de conservação, alegando o direito ao desenvolvimento e à industrialização. Embora essa posição tenha fundamentos históricos — já que países do Norte acumularam riqueza poluindo — ela também revela uma tensão crescente nas negociações climáticas: como dividir responsabilidades de forma justa sem travar ações urgentes?
Ao defender sua soberania energética com base no carvão e em megaprojetos de infraestrutura, a Índia pressiona o multilateralismo climático e dificulta o avanço de pactos ambiciosos. A COP 30, a ser realizada em território amazônico, será um teste de fogo: o mundo em desenvolvimento precisa se unir por uma transição justa, sem abdicar de metas sérias de proteção ambiental.
Como alerta o climatologista Carlos Nobre, uma das maiores autoridades sobre a floresta:
“A floresta amazônica está próxima de um ponto de inflexão. Se o desmatamento ultraar 20% a 25% da área original, entramos numa rota de savanização irreversível. Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento que mantenha a floresta em pé e gere bem-estar para seus habitantes.”
A Amazônia enfrenta tanto o problema do desmatamento (remoção total da vegetação) quanto o da degradação (danos parciais à floresta, como queimadas ou extração madeireira e o efeito de borda da agricultura), ambos causados pela ação humana e com impactos significativos na biodiversidade, no clima e na vida das populações locais. Estudos indicam que esses fatores já comprometem mais de um terço (38%) de toda a cobertura florestal que ainda resta na Amazônia.
Como enfrentar essas práticas predatórias? Profunda conhecedora da Amazônia, a socióloga Marilene Corrêa propõe:
“Audácia revolucionária seria anunciar, para 2026, que uma contra dinâmica ao modelo atual de desenvolvimento da Amazônia vai ser agendada a partir dos territórios sustentáveis e saudáveis, a partir das populações amazônicas, a partir dos consensos estabelecidos pelos cientistas brasileiros. Essa dinâmica, por enquanto, minoritária e audaciosa, seria o anúncio de uma sustentabilidade imprescindível ao Brasil, e enfraqueceria a predação. As redes de conhecimento favoreceriam a Amazônia e o Brasil se articulassem territórios e povos".
A mensagem é clara: o tempo está se esgotando. O mundo precisa ouvir a floresta — e ela fala por meio de seus cientistas, de seus povos e de seus sinais cada vez mais alarmantes.
A COP 30 não pode ser apenas uma vitrine ambiental. Ela deve ser o início de um pacto global justo, solidário e enraizado na realidade concreta da Amazônia.
* Esther Bemerguy de Albuquerque é economista, foi Secretária de Saúde e de Finanças da Prefeitura de Belém, Secretária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), e do Planejamento e Investimento Estratégicos do Ministério do Planejamento. Atualmente é assessora parlamentar
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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