O dilema geoeconômico: globalização à la Xi ou isolacionismo à la Trump?
A maneira como essa dinâmica evoluir definirá o futuro da ordem econômica global
Publicado originalmente por Globetrotter em 7 de abril de 2025
À medida que o Ocidente político luta para manter a coesão em algo que frequentemente se assemelha a um casamento disfuncional – um que aparentemente caminha para um divórcio inevitável – eventos que se desenrolam do outro lado do mundo alimentam otimismo e crença em alternativas. A China se propôs a construir uma “paz positiva” (no sentido de bem-estar, progresso e emancipação de Johan Galtung).
Ao erradicar com sucesso a pobreza extrema, nutrir uma classe média estável e alcançar um crescimento econômico sem precedentes, a China lançou as bases para essa paz.
Com esses avanços domésticos, não é surpreendente que essa filosofia tenha começado a tomar uma forma voltada para o exterior também. Em alinhamento com os princípios da Carta das Nações Unidas – e baseando-se em sua suposta sabedoria histórica – a China abraçou a globalização, vendo nela um instrumento essencial para construir pontes de cooperação, tudo isso sem impor condições políticas ou interferir nos assuntos internos de outras nações.
Pela primeira vez na história recente, estamos testemunhando uma profunda divisão civilizacional na esfera econômica entre os EUA e a China (por ora, podemos deixar a Europa lutar com seus próprios demônios e aspirações fúteis de relevância global). Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, uma grande ruptura parecia inevitável em múltiplas frentes – como um elefante entrando em uma loja de porcelana. A violação de normas básicas de decência, humanitarismo internacional e princípios políticos e econômicos fundamentais é evidente e difícil de ignorar.
Após alguma reflexão, e com a calma de um jogador de xadrez experiente, Pequim antecipou os movimentos de Trump rumo ao chamado “Dia da Libertação”, anunciado em seu discurso inaugural. Enquanto o mundo se preparava para a reabertura do circo no famoso Rose Garden (quanta ironia), outra reunião acontecia em Pequim. Em 28 de março, o presidente chinês Xi Jinping e a alta liderança do país se reuniram com mais de 40 CEOs de corporações globais. Suas mensagens incorporaram o espírito da filosofia política chinesa: a China não divide as nações em amigas e inimigas, mas em amigas e potenciais amigas. Em seu discurso, Xi reafirmou que a China permanece de portas abertas para os negócios globais, posicionando o país como um oásis da globalização e das relações econômicas estáveis.
As declarações de Xi celebraram as corporações estrangeiras que há muito colaboram com a China, enfatizando que os investimentos estrangeiros ajudaram o país a se integrar na economia global, modernizar as suas indústrias e criar empregos. A política de abertura da China continuará a evoluir com ainda maior intensidade, focando na liberalização dos mercados, melhoria dos marcos institucionais e garantia de tratamento justo para as empresas estrangeiras, disse ele. A China promete um ambiente político estável, um mercado seguro e a maior classe média do mundo. Em conclusão, Xi enfatizou que investir na China significa investir no futuro – um amanhã mais brilhante para todos.
Apenas alguns dias depois, em 2 de abril, um espetáculo em forte contraste se desenrolava em Washington. O presidente dos EUA, Trump, proferiu uma performance da qual muitos ainda não se recuperaram. Seu anúncio de aumento de tarifas, afetando todos os países, alienou até alguns dos aliados mais próximos dos Estados Unidos. Apresentado como uma resposta necessária a uma “emergência nacional” (um pretexto criado por razões legais, não de segurança), seu discurso, que muitos compararam ao de uma aula para o jardim de infância, pintou uma narrativa de vitimização. Ele falou de um EUA brutalizado, “estuprado” e “saqueado”, sem mencionar a exploração, intervenções ou anexações estrangeiras que há muito caracterizam as políticas dos EUA.
Economistas rapidamente identificaram as tarifas como uma manifestação de protecionismo econômico, protegendo indústrias domésticas da concorrência estrangeira. No entanto, eles também viram isso como uma negação de duas verdades cruciais: primeiro, que outros países não são responsáveis pelo déficit comercial dos EUA; e segundo, que quaisquer efeitos positivos da guerra tarifária beneficiariam os mais ricos, e não os estadunidenses mais pobres.
Não é preciso grande insight para concluir que a abordagem de Trump é diametralmente oposta à de Xi. Enquanto a China promove abertura, cooperação e interdependência, os EUA estão se retraindo em direção ao isolamento, gerando instabilidade e imprevisibilidade nos mercados globais. A abordagem chinesa se baseia em benefício mútuo e interconexão global, enquanto Trump intensifica a fragmentação econômica, ameaçando desorganizar as cadeias globais de suprimento.
Logo ficou claro para as nações afetadas pelas tarifas de Trump que elas enfrentavam uma escolha entre dois modelos: o de Xi, que oferece cooperação, investimento e progresso para todos, e o de Trump, que exige isolamento, autoproteção e um mundo cheio de inimigos prontos para nos prejudicar.
A China busca se posicionar como líder em estabilidade e crescimento global, enquanto os EUA se apegam ao isolacionismo e ao nacionalismo econômico. A abordagem de Xi reforça a antiga mensagem da China: a globalização é a chave para fomentar parcerias e estabilidade, especialmente por meio de iniciativas como a Nova Rota da Seda. Em um mundo de crescente instabilidade, a China se apresenta como o oásis da segurança para o capital, oferecendo previsibilidade de longo prazo e segurança geoeconômica.Por outro lado, os EUA estão recuando para uma forma de soberania econômica que corre o risco de alienar parceiros globais. As tarifas de Trump, por exemplo, minam as regras da Organização Mundial do Comércio, contribuindo para a fragmentação do comércio global. Em vez de servir como motor do crescimento global, os EUA estão se tornando cada vez mais uma força disruptiva no cenário mundial.
As implicações geopolíticas desses caminhos divergentes são marcantes: a abordagem da China encarna o poder por meio da conexão e da cooperação, enquanto os EUA buscam poder por meio do controle e da coerção. Alguns veem o “poder brando” da China como uma forma de expandir influência em infraestrutura, comércio e investimento – sem confronto direto. Ao fomentar uma rede global de interdependência, o modelo chinês parece especialmente atraente para os países da Maioria Global, e até mesmo para algumas nações do Norte Global e países vizinhos. Após a declaração de guerra econômica de Trump, a posição da China ganhou ainda mais relevância. A resposta veio rapidamente: Pequim denunciou as novas tarifas dos EUA como “uma típica medida unilateral de intimidação” que “não está em conformidade com as regras do comércio internacional e prejudica seriamente os direitos e interesses legítimos da China”.
Em contraste, a estratégia dos EUA aparece como uma forma de chantagem econômica – tarifas, sanções e restrições para manter a dominância geopolítica. No entanto, essa estratégia está cada vez mais fora de sintonia com as realidades do mundo globalizado. As elites econômicas que dominam Washington estão empobrecendo o público estadunidense, e as tarifas de Trump irão sobrecarregar ainda mais os mais pobres – um cenário que pode acelerar o declínio dos EUA como líder econômico global e acelerar a desdolarização do mundo.
A grande questão estratégica hoje é: quem liderará a globalização pós-neoliberal? Embora já estejamos vivendo em um mundo pós-neoliberal (com alguns argumentando que o próprio capitalismo está morto), é crucial perguntar quem moldará a globalização daqui para frente. O mundo adotará um modelo inclusivo e interconectado com novos centros de poder? Ou blocos econômicos fragmentados e desglobalizados dominarão o futuro?
No momento, a China declara: “O mundo é grande o suficiente para todos”. Os EUA retrucam: “Ou você está conosco ou contra nós – e se não estiver, pagará tarifas mais altas ou comprará as nossas armas”. Isso é mais do que um ime econômico; é uma divisão civilizacional, baseada em valores e estratégica. A maneira como essa dinâmica evoluir definirá o futuro da ordem econômica global.
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