Multipolaridade, rivalidade e poder
O suposto equilíbrio entre as economias é fundamentalmente conflituoso pela própria natureza da política
A ordem internacional atravessa uma transformação estrutural profunda. A era da unipolaridade, consolidada após o colapso da União Soviética, está em declínio. A ascensão da China e a reemergência da Rússia projetam o mundo rumo à multipolaridade, com potências disputando influência e hegemonia. Para o cientista político John Mearsheimer, expoente do realismo ofensivo, essa transição implica riscos significativos — inclusive o retorno do conflito direto entre grandes potências.
O fim da unipolaridade americana
Segundo Mearsheimer, a década de 1990 e os primeiros anos dos anos 2000 representaram um raro momento de unipolaridade, com os Estados Unidos como a única superpotência global. Neste período, Washington exerceu uma influência sem precedentes sobre a arquitetura internacional, promovendo a expansão da OTAN, intervindo em regiões estratégicas e tentando consolidar uma ordem liberal baseada em regras.
A unipolaridade permitia a estabilidade política entre as grandes potências, Estados Unidos, China e Rússia. Os Estados Unidos representavam até os anos 2017 uma espécie de guardião das principais economias.
Contudo, para Mearsheimer, esse domínio seria inevitavelmente desafiado. A lógica do sistema internacional, em sua visão, é regida pela anarquia e pela busca incessante por segurança através do poder. Nenhum Estado aceita indefinidamente a supremacia de outro. Com o crescimento econômico e militar da China e a resistência geopolítica da Rússia, o mundo começou a transitar para uma nova multipolaridade.
Com o fim da unipolaridade o equilíbrio político entre as grandes potências a a ser questionado. A relação entre as economias Estados Unidos, China e Rússia a a ser de conflitos e o equilíbrio que era unipolar a a ser multipolar em que essas economias am a questionar a sua participação no equilíbrio instável de poder.
É impossível ter guerra entre grandes potências quando há apenas um grande poder.
Ao contrário dos comportamentos que buscam maximizar o bem-estar absoluto dos Estados, as economias num ambiente multipolar usam a força e eventualmente a guerra para maximizar o bem-estar relativo.
As economias multipolares maximizam os seus interesses empregando a guerra como mecanismo que torna possível o ganho aparente de uns em detrimento do ganho dos outros. Os conflitos podem acabar reduzindo o bem-estar das economias envolvidas.
Observem o que acontece atualmente com a guerra dos Estados Unidos contra a China. Nota-se que a solução é um jogo de perde-perde de ambos os países.
Assim, longe do que a visão unipolar permitia, os ganhos em economias multipolares podem não ser de ganho-ganho, mas sim de perde-perde. O conflito comercial leva a situação de perda de renda de ambas as partes, levando a um equilíbrio com redução de renda.
Percebe-se, portanto, que a guerra comercial pode reduzir o bem-estar das sociedades envolvidas. A guerra comercial entre Estados Unidos e China ameaça o bem-estar de ambas as economias.
O sistema multipolar em que prevalecem várias fontes de poder, acaba fomentando conflitos e, possivelmente, guerras pelo poder que comprometem renda e riqueza.
Importa notar que estamos diante de um novo paradigma onde a maximização dos benefícios ao contrário pode levar à sua minimização.
China: o principal rival dos EUA
O mundo no século XXI se tornou multipolar e a possibilidade de guerras se intensificou entre as grandes economias - China, Rússia e os Estados Unidos.
O pensamento liberal que dominou o sistema unipolar não ajuda a entender o sistema multipolar.
Um ponto importante a ser levantado é o desequilíbrio que deve ocorrer num modelo multipolar. As economias podem se comportar de forma agressiva uma contra as outras. As guerras são um resultado da relação entre economias em ambiente multipolar.
O comportamento de economias multipolares leva a um conflito de forças entre elas em geral envolvendo modelos de dominação.
No pensamento de Mearsheimer, a China é a maior ameaça à hegemonia dos EUA. Ele vê a ascensão chinesa como análoga à da Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial — uma potência em crescimento que desafia a potência estabelecida. De acordo com essa lógica, os Estados Unidos não aceitarão pacificamente uma China dominante na Ásia ou no mundo.
Assim, Mearsheimer argumenta que um confronto é quase inevitável. A resposta americana será o cerco estratégico, por meio de alianças regionais, como o QUAD (EUA, Japão, Índia e Austrália) e o pacto militar AUKUS (EUA, Reino Unido e Austrália). A estratégia é conter a projeção de poder chinesa antes que ela alcance um patamar irreversível.
Rússia: potência regional com impacto global
Embora a Rússia não rivalize economicamente com a China, Mearsheimer acredita que Moscou segue como um ator-chave no tabuleiro global. Desde a ascensão de Vladimir Putin, a Rússia busca restaurar sua esfera de influência, especialmente no antigo espaço soviético.
Para o autor, a expansão da OTAN e o apoio ocidental à Ucrânia foram vistos como ameaças existenciais por Moscou, o que contribuiu diretamente para o conflito iniciado em 2014 e intensificado com a invasão da Ucrânia em 2022. Mearsheimer sustenta que a política externa americana em relação à Rússia foi imprudente, ignorando as lógicas do poder e da segurança no sistema anárquico.
Multipolaridade: mais instabilidade, mais risco
Na visão de Mearsheimer, a multipolaridade tende a ser mais instável do que a unipolaridade. Com várias potências em busca de segurança e dominação regional, os riscos de conflito aumentam. Em especial, a combinação de rivalidade estratégica, nacionalismo e proliferação de tecnologias militares torna o sistema internacional mais volátil.
A disputa entre EUA e China se configura como o epicentro dessa nova fase, enquanto a Rússia permanece como uma força perturbadora na Europa. Para Mearsheimer, os próximos anos serão marcados por tensões crescentes, alianças reconfiguradas e a possibilidade real de novos confrontos.
Economia versus Ciência Política
A Economia busca o bem-estar absoluto enquanto a Ciência Política busca o bem-estar relativo. Esta proposição sugere a quase impossibilidade de se atingir o equilíbrio.
A análise econômica do bem-estar de uma nação pressupõe que este possa ser analisado independente de outras nações. Este procedimento é o que usualmente é feito pelos economistas. Cada economia é vista isoladamente.
Entretanto as nações se relacionam. Neste caso, a análise deve levar em conta os efeitos da política de bem-estar sobre as demais economias. Estes podem ser positivos ou negativos. Neste caso, devemos incorporar os efeitos. É possível que os efeitos negativos sejam dominantes. Na medida em que as demais nações promovam ações que, eventualmente, compensem estes efeitos, isto é, respondam às ações, teremos uma guerra comercial entre países que, no limite, podem reduzir o bem-estar de todas.
Vamos focar no comportamento atual dos Estados Unidos e da China. As políticas de ambos os países podem levar a uma guerra comercial. Suponhamos que os países estão maximizando o bem-estar de cada um. O paradigma da economia é que cada país maximize o seu bem-estar. Contudo, o paradigma da ciência política é que o bem-estar das economias incorporem os impactos do seu comportamento sobre as outras economias, isto é, maximizem o bem-estar relativo.
Este parece ser o caso de economias multipolares como os Estados Unidos e a China. A guerra comercial entre elas estava declarada. As tarifas chegaram a 140%.
O provável efeito adverso de comércio entre essas economias levou a sugestões de mudanças profundas no jogo. Trump sugeriu uma redução tarifária equilibrada para os Estados Unidos, China e Rússia. O que poderia ser uma continuação da guerra comercial a a definir um novo modelo em que as economias cooperam entre si para eliminar a guerra comercial.
Neste caso, o máximo de bem-estar absoluto poderá coincidir com o máximo de bem-estar relativo.
Talvez seja esse o “intuito” da recente proposta de Trump em que defende uma coordenação entre as economias para reduzir o conflito e garantir o seu bem estar.
Considerações finais
A obra de John Mearsheimer desafia as visões mais otimistas das relações internacionais. Ao enfatizar a competição constante pelo poder e a inevitabilidade dos conflitos entre grandes potências, ele oferece uma lente realista, ainda que desconfortável, para compreender o mundo contemporâneo.
Em um cenário em que a multipolaridade já é uma realidade emergente, suas análises servem como alerta: a paz não é garantida, e o futuro da ordem internacional dependerá da habilidade dos Estados em equilibrar ambições com cautela estratégica.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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