Michelle é o futuro do bolsonarismo (com ou sem Bolsonaro)
Bolsonaro apodrece e Michelle avança. A dúvida agora é quem manda em quem — e se o mito ainda sobrevive depois da ascensão da viúva
A recente demissão de Fábio Wajngarten do PL, após o vazamento de mensagens em que ele e Mauro Cid ironizavam uma possível candidatura de Michelle Bolsonaro, marca uma reconfiguração significativa no núcleo duro do bolsonarismo. Wajngarten, ex-chefe da Secom e um dos poucos aliados leais e úteis de Jair Bolsonaro, era peça-chave na tentativa de manter o ex-presidente apresentável diante do mercado e da opinião pública, um operador da “normalização”. Sua saída não é apenas o fim de uma aliança pessoal, mas um sintoma de algo maior, o fortalecimento simbólico de Michelle e o colapso de uma linha interna do bolsonarismo que tentava modular sua radicalidade com alguma racionalidade comunicacional.
Embora a demissão tenha sido interpretada como um gesto em defesa de Michelle, e provavelmente tenha sido mesmo, não é necessário que tenha partido diretamente dela. O gesto em si, feito por Valdemar Costa Neto, já diz o bastante, Michelle se tornou uma figura de autoridade no partido. Mesmo que não concentre ainda todo o comando, já é capaz de causar exonerações com seu nome.
Esse fortalecimento da ex-primeira-dama ocorre num momento delicado para o PL. Há dentro da legenda um clamor crescente por “desbolsonarização”, uma tentativa de preservar o capital eleitoral do bolsonarismo sem carregar o ônus jurídico e reputacional de Jair Bolsonaro. Essa ala, que Valdemar tenta articular nos bastidores, tem enfrentado resistência direta do entorno do ex-presidente e de sua base mais fiel, que não ite qualquer flexibilização.
O caso do deputado Júnior Mano é exemplar. Expulso do PL por apoiar publicamente a candidatura do petista Evandro Leitão à prefeitura de Fortaleza, Mano denunciou que sua expulsão foi uma exigência pessoal de Jair Bolsonaro. Valdemar, segundo ele, foi pressionado. A crítica implícita escancara a posição desconfortável de Valdemar, que tenta arbitrar o partido mas é frequentemente atropelado pelas exigências do clã. A diferença, nesse caso, é que Júnior Mano não saiu calado: lavou a roupa suja em praça pública, apontou o dedo para Bolsonaro e deu nome aos bastidores. Talvez essa disposição em criar ruído tenha chamado atenção de Cid Gomes (PSB), que já o trata como novo projeto político no Ceará. Mas a deliciosa análise dos imbróglios da política cearense merecem um artigo a parte.
Nesse cenário, Michelle surge como a solução possível para manter o bolsonarismo vivo, adaptado, sim, mas ainda eficaz. Em sua mais recente movimentação, segundo análise da colunista Bela Megale em O Globo, Michelle tem moderado o discurso religioso, suavizado os traços mais agressivos do bolsonarismo e evitado contrariar publicamente o marido, que, diante da iminente possibilidade de prisão, sinaliza com cada vez mais clareza que pretende lançá-la à Presidência em 2026.Essa operação de imagem já vinha sendo analisada no artigo “(Des)construindo Michelle: de esposa-troféu a santa profissional”, publicado no Brasil 247. No texto, mostro como Michelle deixa de ser mero apêndice e a a operar como projeto político por si mesma, transformando fé, estética, maternidade e gênero em ferramentas de legitimação e controle. Não se trata mais de uma figura decorativa. Michelle é, hoje, o novo invólucro de um bolsonarismo reembalado e, como vimos no caso Wajngarten, quem ousa desestabilizar essa narrativa, cai.A transição simbólica também revela alo profundo: o ex-presidente já não é mais um agente político ativo, mas uma presença espectral, um “malassombro” que precisa ser substituído por alguém de carne e osso, que carregue seu legado sem o desgaste. Apesar da extrema direita global conviver com lideranças femininas, o bolsonarismo raiz tem dificuldade em aceitar uma mulher no topo. Mesmo assim, Michelle pode ser, a contragosto de Bolsonaro, sua única chance de sobrevivência simbólica, pois ela é a substituta ideal: conserva imaginário, ressignifica o discurso, fala com quem não escutava o troglodita e permite que o projeto siga em frente mesmo sem o defunto. Uma viúva profissional cercada de carpideiras bem pagas pelo PL.
E os números já refletem essa disputa simbólica. Uma pesquisa recente sobre o cenário presidencial em São Paulo apontou que Michelle Bolsonaro aparece empatada com Janja em intenção de voto. O dado é expressivo não só por trazer duas primeiras-damas no centro da disputa, mas por evidenciar que a disputa de 2026 já está sendo travada no plano simbólico, estético e afetivo, e que o bolsonarismo tenta mais uma vez se ancorar no imaginário feminino e religioso como forma de sobrevivência eleitoral.
A desbolsonarização do PL, portanto, não será um processo simples. Está longe de ser um corte limpo. Será, como mostra esse episódio, uma guerra de trincheiras, onde cada gesto simbólico, cada foto, cada postagem, cada exoneração, conta como um o na disputa pelo espólio de um bolsonarismo que, mesmo fora do Planalto, ainda decide quem entra e quem sai. Por enquanto. Já que diante de tudo isso, a pergunta que se impõe é até que ponto Bolsonaro ainda tem controle real sobre a candidatura de Michelle, e até que ponto ela já não o ultraou?
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