Lula, o técnico e o jogo: a militância quer mais que um gol feio
"O que se vê até agora, no terceiro mandato, são decisões que desanimam a arquibancada", avalia João Lister
O presidente Lula, mestre em criar metáforas futebolísticas, parece ter esquecido que no campo da política, assim como no futebol, a torcida não quer apenas o resultado. Os eleitores que o conduziram de volta ao Planalto esperavam mais que a simples vitória: queriam um jogo bonito, convincente, com es precisos, arte e a demonstração clara de que o melhor time estava em campo. Porém, o que se vê até agora, no início do terceiro mandato, são decisões que desanimam a arquibancada, alianças que parecem tabelas com o adversário e uma estratégia que prioriza o pragmatismo sobre o compromisso com o projeto progressista prometido durante a campanha.
Um time desfigurado no campo - As escolhas feitas por Lula e seu governo estão longe de serem um espetáculo inspirador. Na composição de sua equipe, figuras como André Fufuca (PP) no Ministério dos Esportes e Juscelino Filho (União Brasil) no Ministério das Comunicações provocaram perplexidade. Nomes ligados ao Centrão e a práticas políticas historicamente criticadas pela esquerda ocupam posições estratégicas, gerando a sensação de que o governo está abrindo mão de seus princípios em troca de uma governabilidade que se assemelha a um jogo defensivo, sem ousadia.
No Congresso, a aprovação da reforma tributária foi um lance importante, mas a construção do placar teve um custo elevado. A liberação de bilhões em emendas parlamentares para garantir apoio transformou a negociação em um modelo que, para muitos, se assemelha ao "toma-lá-dá-cá" tradicional, que a militância progressista sempre combateu. Para a esquerda, essa tática é como um gol em impedimento: pode contar no placar, mas deixa um gosto amargo para quem torce por um jogo limpo.
Cadê o futebol bonito? - Durante a campanha, Lula falou de reconstrução, de justiça social e de um Brasil progressista. A expectativa era de es firmes em direção ao fortalecimento de políticas públicas, ao combate à fome e à retomada do desenvolvimento sustentável. Mas no campo prático, as jogadas parecem travadas. O Auxílio Brasil foi renomeado como Bolsa Família, mas o impacto da medida foi diluído pela inflação e pela falta de uma agenda mais robusta de geração de emprego e renda.
Além disso, há sinais de acomodação nas promessas de enfrentamento ao desmatamento e de fortalecimento da agenda ambiental. Após o primeiro tempo marcado por avanços simbólicos, como a retomada do Fundo Amazônia e a presença destacada na COP28, o segundo tempo parece incerto. A pressão de aliados do agronegócio dentro do governo pode ser comparada a um zagueiro que mais atrapalha do que ajuda o ataque.
O que a torcida esperava - Os eleitores que voltaram às urnas para tirar o Brasil de uma crise institucional e moral querem mais que uma vitória eleitoral. A militância que enfrentou o jogo pesado dos últimos anos esperava que o governo Lula fosse um espetáculo de políticas públicas progressistas e transformadoras. Queriam um governo que jogasse de forma limpa, mas que também encantasse.
Na prática, o governo tem demonstrado receio de entrar em divididas. Projetos progressistas, como a regulação da mídia e a taxação de grandes fortunas, permanecem no banco de reservas. O argumento é que o Congresso não permite jogadas ousadas, mas a militância sabe que, sem pressão, o técnico não consegue mudar a postura do time em campo.
O jogo não é só pelo título - Lula precisa entender que vencer eleições não é o objetivo final, mas o meio para transformar o país. Governar é mais que conquistar reeleições ou manter o placar favorável. É demonstrar, no campo das ideias e das práticas, que seu time é o melhor, não só porque ganha, mas porque convence e encanta com o futebol que apresenta.
A militância de esquerda quer que seu técnico-mor pare de jogar para o gasto e arrisque um futebol vistoso. Que volte a governar para os milhões que ainda enfrentam a fome e a carestia, não para agradar a quem jamais estará ao seu lado. O Brasil quer ver no campo não apenas um time vencedor, mas um espetáculo que faça jus às bandeiras erguidas durante a campanha.
Um chamado às arquibancadas - O descontentamento da militância não pode ser tratado como ruído ou mera pressão. É o grito da arquibancada que sabe o que o time é capaz de fazer. Um técnico experiente como Lula deve entender que os torcedores querem mais que um campeonato vencido a qualquer custo: querem ver a beleza, a arte e o amor ao jogo que, no caso da política, significa governar para quem mais precisa, com um projeto transformador e progressista.
O futebol bonito prometido em 2022 ainda não apareceu em campo. A torcida segue esperando, mas o jogo está longe de ser eterno. Se o técnico não ajustar o time, pode perder o apoio daqueles que sempre estiveram ao seu lado, nos momentos de vitória e de crise. Afinal, no futebol e na política, vencer importa, mas a forma como se vence é o que faz a diferença.
Conhecido por seu carisma e sua habilidade em fazer comparações sobre o futebol, Lula precisa escutar as arquibancadas de sua militância. O apito inicial de seu terceiro mandato trouxe promessas de um futebol bonito: um jogo progressista, desenvolvido com es humanitários e gols que tirassem o povo da carestia. No entanto, a torcida começa a murmurar. Afinal, a militância não quer um campeonato vencido com gols de canela, impedidos ou, pior, com decisões controversas que lembram os piores erros do VAR.
Governar, assim como jogar, não é apenas sobre o placar. A vitória não pode ser comprada por alianças espúrias com jogadores que sequer respeitam as regras do jogo ou os valores do time. Recentemente, a composição do governo tem dado espaço a figuras da direita e personagens com histórico ético questionável. Essas movimentações não são percebidas como estratégias táticas de um técnico experiente, mas como es errados que comprometem a beleza e a essência do jogo prometido.
A militância e os eleitores que estiveram nas ruas, segurando bandeiras e resistindo nos tempos mais sombrios, não lutaram por um futebol burocrático, em que se joga pelo empate ou por uma vitória magra. Eles querem um espetáculo. Querem que o governo governe com a mesma paixão com que promessas foram feitas. A questão não é apenas ganhar em 2026, mas mostrar que se tem o melhor time, o melhor projeto, a melhor estratégia.
Gol roubado não vale. Gol de canela não empolga. A reeleição não pode ser um fim em si mesma, mas um meio para implantar um projeto progressista, desenvolvimentista e transformador. É preciso jogar bonito, com arte, demonstrando que o time não apenas merece ganhar, mas que encanta ao fazê-lo.
O Brasil está no campo, esperando que seu técnico-mor inspire seus jogadores a trazerem esperança e dignidade de volta ao gramado político. Que Lula ouça as arquibancadas e lembre-se de que o futebol, como a política, é mais que resultado: é paixão, beleza e transformação.
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