Lula é abestado ou sabido?
Uma resposta ao texto de Rey sobre Galípolo
No artigo “Galípolo e o fantasma do desenvolvimentismo”, publicado no Brasil 247, Reynaldo Aragon assina um texto impecável na forma, mas que me provoca um incômodo de fundo: ele atribui a Gabriel Galípolo um lugar que, em última instância, pertence a Lula. Quem colocou Galípolo no Banco Central foi o presidente. Quem reiterou sua confiança após a elevação da taxa Selic foi o presidente. Quem defendeu publicamente que ele terá tempo e autonomia para "consertar os juros" também foi o presidente. Então fica a pergunta: se Galípolo hoje atua de maneira considerada moderada ou até tecnocrática demais, Lula é o quê? Abestado ou sabido?
Não é uma pergunta de acusação, é de método. Se Lula age como quem sabe muito bem onde pisa, e é essa a leitura que faço, como nordestina que tenta não cair em sebastianismos, mesmo tendo o coração predisposto, então as escolhas e a postura de Galípolo não são um acidente. Não são resultado de “desvios” ou de “traições”, como alguns setores da esquerda gostariam de acreditar. Foram calculadas, toleradas e até publicamente endossadas.
Tensionar pela esquerda, aliás, é mais do que saudável. Às vezes, flerta com um fetiche difícil de não ceder: o de parecer mais real do que o rei (sem trocadilhos, Reyzinho). Mas é preciso saber para quem se dirige a lança.
Depois da reunião do Copom em janeiro de 2025, que manteve os juros altos, Lula disse, com todas as letras:
"Não esperava milagre. Eu já esperava por isso, não é nenhuma surpresa para mim."
E completou:
"Eu tenho 100% de confiança no trabalho do presidente do BC e tenho certeza de que ele vai criar as condições de entregar ao povo brasileiro uma taxa de juros menor no tempo que a política permitir que ele faça."
Ou seja, Lula não apenas esperava o movimento de Galípolo, como reafirmou sua aposta. Um mês depois, em fevereiro, ele foi ainda mais direto:
"Nós temos que ir ajustando as coisas e eu tenho certeza que o Gabriel Galípolo vai consertar a taxa de juros nesse país e nós só temos que dar a ele o tempo necessário para fazer as coisas."
E não parou por aí:
"Eu acho que o Roberto Campos Neto teve um comportamento anti-Brasil no BC. Ele era um cara que falava mal do Brasil o tempo inteiro."
Portanto, Lula não está apenas contrastando o novo com o velho. Ele está afirmando que Galípolo é o nome da virada, mas uma virada comedida, de dentro para fora, silenciosa e calculada. Se isso vai se comprovar, é outra história. Mas foi essa a história que Lula escolheu contar. E com a qual vai ser cobrado.
A crítica de Rey toca em pontos centrais: a desconexão entre a formação heterodoxa de Galípolo e sua prática à frente do Banco Central, o risco da PEC da autonomia como mecanismo de blindagem do rentismo, e o esvaziamento simbólico do papel do Estado desenvolvimentista. Nada disso é invenção, tudo está à vista. Mas ao final do texto, o que parece é que Lula teria sido enganado, dobrado, iludido, e isso, sinceramente, não bate com a trajetória do operário que virou presidente três vezes.
Lula não é ingênuo. E se Galípolo não escreve certo por linhas tortas, também não escreve sozinho. É preciso reconhecer que, desde a posse, Lula tem feito questão de manter o Banco Central dentro da margem de confiança do governo. Ele não recuou nem mesmo quando setores expressivos do PT, como Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann questionaram os rumos da política monetária. Isso não é silêncio cúmplice. É decisão política.
Eu carrego no peito uma tendência perigosa de acreditar em redenção. Mas política não é conto. E Lula nunca se colocou como santo. Talvez seja isso que nos reste agora: reconhecer que o presidente sabe bem o jogo que está jogando. E que a cobrança precisa ser feita com essa premissa. Porque, no fim, a pergunta nunca foi sobre Galípolo. A pergunta, hoje, é se Lula está disposto a sustentar o discurso desenvolvimentista com prática consequente. Ou se tudo não ou de retórica para manter a tropa unida.
Não é o fantasma do desenvolvimentismo que ronda o Banco Central. É a dúvida real e viva sobre que tipo de presidente Lula escolheu ser nesta terceira chance. E se não formos capazes de encarar isso de frente, continuaremos perguntando pelos erros dos Galípolos da vida, quando talvez devêssemos estar olhando para cima.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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