Léo Lins e a piada como habeas corpus
Não, contar piada não virou crime, mas não se permite mais o cometimento de crimes sob o escudo da piada
Coleguinhas de comédia saíram em solidariedade a Léo Lins, um neofascista sem graça que encarna todos os preconceitos comuns aos bolsonaristas. Sim, o corporativismo também está presente na classe humorística, ainda que chamar Lins de humorista constitua deferência inadequada. A turba da “liberdade de expressão” não tem a mais parca noção do que seja liberdade, tampouco expressão. Enxergar um palco como espaço de inimputáveis é uma distorção primária do conceito de permissividade artística. O artista não está autorizado a cometer crimes no exercício da profissão.
Léo Lins cometeu alguns crimes no show que o levou à Justiça, e a sentença da juíza federal Bárbara de Lima Iseppi os descreve muito bem. Claro está que a condenação a oito anos de prisão parece exagerada – que a defesa encontre os argumentos penais necessários para modificá-la.
Não, contar piada não virou crime, mas não se permite mais o cometimento de crimes sob o escudo da piada. A magistrada enquadrou Léo Lins na Lei n. 7.716 / 89, que define como crime praticar, induzir ou incitar a discriminação e o preconceito racial. O texto da norma não isenta as piadas.
No quesito “impunidade artística”, os neofascistas do humor estão ainda mais lascados depois da promulgação da Lei n. 14.532 / 23 - também considerada pela juíza na sentença de Léo Lins, e que altera a 7.716 / 89 -, a qual contempla o chamado “racismo recreativo” (belo termo). Pela nova lei, a injúria racial a a ser considerada uma forma de racismo, tornando-se portanto imprescritível e inafiançável, com penas mais severas. Também preveem-se penas para atos de racismo praticados no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais. Nos casos em que o racismo é praticado em ambientes de recreação ou entretenimento, as penas podem ser aumentadas de um terço à metade, a depender das circunstâncias.
Para desespero daqueles que só provocam risos em trogloditas, a ideia do animus jocandi, pela qual o humor possui liberdade ilimitada, está com os dias contados, pois seu argumento destoa do princípio da dignidade humana. Ou seja, os humoristas não possuem um habeas corpus perpétuo para ofender, discriminar, humilhar. Como disse o criminalista Guilherme Carnelós, “a liberdade de expressão é pilar da democracia, mas não pode ser usada como um salvo-conduto para reprodução do preconceito”.
A quantidade e a gravidade dos impropérios que Léo Lins comete no show que motivou sua condenação – e em toda sua carreira, como é notório –, são assustadoras. A imprensa já os reproduziu em número suficiente para nausear multidões, mas fiquemos como um, à guisa de ilustração: “Tem gente que fala: ‘o negro não consegue arrumar emprego’. Mas, na época da escravidão ele já nascia empregado e também achava ruim! Aí é difícil ajudar! Aliás, se o Dia da Consciência Negra é feriado para os negros, Quarta-Feira de Cinzas deveria ser feriado para os judeus”.
Em sua defesa, Léo Lins atribuiu as falas criminosas a “um personagem”, e justificou-as pelo objetivo único de “fazer rir”, atentando contra a inteligência da juíza e de todos nós.
Neofascistas como Léo Lins são figuras que surgiram às pencas na mesma onda que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República. Fazem parte do mesmo movimento global reacionário. Retransmitem com seu humor de mau gosto todo o recado violento, medieval, que o bolsonarismo traz à sociedade. Sintomaticamente, são incapazes de cometer uma piada que seja sobre nossas elites tradicionais, ricas, brancas, machistas e endinheiradas.
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