Legendários evangélicos e a busca pela masculinidade que nunca será encontrada
“Vinde a mim, todos que estais encubados e enrustidos, e eu vos masculinizarei”, satiriza Ricardo Nêggo Tom
Pregações religiosas, orações e atividades físicas intensas fazem parte de uma expedição evangélica batizada de “Legendários”, que tem por objetivo recuperar a masculinidade perdida e construir homens que mudarão os destinos da nação. Essa espécie de versão gospel do clube dos Pit Bichas, personagem criado pelo genial Tom Cavalcante para satirizar pseudo machos que costumam ser mais machos “embaixo de outros machos”, tem ganho destaque nas redes socais devido a participação de algumas celebridades no seleto clube dos Indianas Jones de Jesus.
Entre eles, o coach financeiro Thiago Nigro, conhecido como “Primo rico”, o ex-BBB Eliezer, que teria postado em suas redes sociais a frase: “O que acontece na montanha, fica na montanha”, uma senha para a confidencialidade exigida para participar da broderagem ungida na montanha, Caio Coppola, que deve estar em busca da masculinidade que a Gabriela Priolli o fez perder a cada surra que dava nele nos debates na CNN, o pastor evangélico e arqueólogo conspiracionista Rodrigo Silva, que já anunciou Bolsonaro como uma encomenda divina, e seu Neymar, pai do jogador Neymar Jr., que talvez tenha extraído de lá a inspiração para seu filho organizar uma versão feminina da expedição, numa festinha “legendária” realizada em uma de suas fazendas.
Um porta-voz do movimento declarou num vídeo postado no Instagram do grupo, que “quando se olha para uma mulher, se vê automaticamente quem é o seu marido, o homem que está ao seu lado", uma prova de que eles estão de olho na masculinidade do outro, e que a broderagem que Deus uniu, mulher nenhuma separa. Se referindo a Jesus como o “Legendário #001”, os membros do grupo precisam ir à igreja todos os domingos para uma comunhão de fé com o seu mentor. Entre os demais desafios que precisam ser cumpridos pelos machões evangélicos, está o "TOP - TRACK OUTDOOR POTENTIAL", um desafio mental e espiritual de 4 dias em "conexão com a natureza" e realização de intensas caminhadas.
O site do evento diz que o "TOP é um desafio físico, mental e espiritual em sua vida, onde você vai romper com tudo que te prende e você aprenderá a desfrutar o caminho, lutar suas batalhas certas e desenvolver seu potencial máximo para chegar ao seu nível 10 e se tornar o herói caçador que toda família precisa" Eu fico imaginando o tipo de rompimento e desfrute que um grupo de homens frágeis e sem personalidade, pode causar e sentir em seus corpos e mentes caminhando por trilhas naturais e desertas sob sigilo e confidencialidade. Aliás, o valor cobrado pela atividade mais “TOP” da expedição, R$ 81.590,00, já define a seletividade dos participantes do “banheirão religioso ao ar livre”.
A masculinidade frágil custa caro, tanto para eles, como para a sociedade que terá que conviver com homens fracos e reprimidos, que se comportam como lenhadores para tentar impor respeito e domínio sobre os demais. Jamais conseguirão. Serão eternamente vítimas de suas masculinidades frágeis, e do nosso deboche diante dessa esdrúxula tentativa de fortalecê-la. Acredito que nessas atividades o texto do Sermão da Montanha de Jesus, seja substituído pelo poema “No cume da montanha”, onde a essência do movimento pode ser expressa de forma mais contemplativa à natureza: “No cume de uma montanha, fui buscar masculinidade. Um macho no cume chega, um legendário no cume invade.”
Do ponto de vista sociológico, o que vemos nesse movimento é uma tentativa de criar uma masculinidade distópica e tóxica, baseada na aparência física, na fé religiosa e no poder econômico, o que resultaria numa subjetividade comum moldada a partir de tais “valores”, e num processo de exclusão social de homens que não se encaixam nesse perfil. Mais uma das facetas de um capitalismo do qual a igreja tem sido um braço forte e fundamental à sua manutenção. O próprio Jesus seria excluído do grupo, por não ter dinheiro e nem o perfil de um legendário que deseja manter a mulher submissa à sua fragilidade masculina interpretando um caçador que a provê, enquanto se mantém dentro do armário brincando de ser caça para outros provedores.
Como parte importante na implementação do projeto de poder neopentecostal na sociedade, os Legendários brasileiros também podem ser comparados aos Comendadores do “Conto da Aia”, homens influentes, com destaque social, e que exercem o poder no regime teocrático da nada fictícia Gilead, se observamos a influência do fundamentalismo religioso na nossa vida real. Os tais Legendários brothers das montanhas pretendem ser os cabeças da nação e ditar os rumos da sociedade com sua masculinidade trabalhada por coachs que não conseguiriam ultraar “A ponte do rio que cai”, aquela prova das Olimpíadas do Faustão, sem cair no primeiro balançar da ponte. É! A coisa está tão complicada, que nem para as montanhas podemos fugir mais.
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