Leão XIV: o novo papa americano e a Igreja 'sem medo' e pró-LGBTIs
A escolha de um papa americano num momento em que os EUA vivem polarizações políticas profundas carrega significados amplos
Na manhã desta quinta-feira, 8 de maio, a tão aguardada fumaça branca finalmente subiu da chaminé da Capela Sistina. O Conclave chegou ao fim. O novo papa da Igreja Católica foi escolhido: trata-se do cardeal norte-americano Robert Francis Prevost, de 69 anos, que adotará o nome de Leão XIV. O nome evoca força, tradição e, talvez, um retorno simbólico a uma liderança de rugido firme, mas – como ele mesmo enfatizou em seu primeiro discurso – “sensa paura”: sem medo.
A eleição aconteceu no quarto escrutínio, após três rodadas de votação que resultaram em fumaça preta. Leão XIV teria recebido pelo menos 89 dos 133 votos, uma margem sólida que reflete o desejo por continuidade, mas também por renovação. Sua escolha ecoa os ventos de reforma que marcaram o papado de Francisco, de quem Prevost é herdeiro espiritual e, até certo ponto, político.
Um papa das Américas - Prevost é o primeiro papa nascido nos Estados Unidos, embora sua trajetória esteja profundamente enraizada na América Latina. Ingressou na vida religiosa aos 22 anos e, ordenado em 1982, iniciou seu trabalho missionário no Peru, país ao qual fez questão de agradecer – em espanhol – durante sua primeira aparição pública como pontífice. Viveu ali durante anos de turbulência política, enfrentando inclusive os anos de chumbo do regime de Alberto Fujimori.
Sua formação inclui teologia em Chicago e direito canônico em Roma, na Universidade de São Tomás de Aquino. É visto como teólogo rigoroso, mas pastoralmente aberto. Traz no discurso um compromisso firme com a “sinodalidade”, termo central ao projeto reformista de Francisco, que envolve escuta mútua, descentralização e participação ampla da comunidade eclesial.
“Sensa paura” foi o sintagma mais repetido em seu discurso inicial. A expressão, herdada da tradição agostiniana, sugere não apenas coragem espiritual, mas também resiliência afetiva diante das contradições institucionais. Do ponto de vista psicanalítico, essa invocação da ausência do medo pode ser lida como um esforço de reorganização simbólica da autoridade eclesial: um convite a abandonar o superego punitivo, represivo e silencioso que marcou boa parte da história da Igreja diante do sofrimento alheio.
O novo papa falou ainda em “criar pontes”, “unir” e “estar próximo dos que sofrem” – termos que, embora carregados de empatia pastoral, não escapam da ambiguidade diante das tensões que cercam sua eleição. Especialmente porque, nos bastidores da Santa Sé, a presença recente do cardeal peruano Juan Luis Cipriani – acusado de abuso sexual – foi amplamente criticada por organizações de vítimas. Cipriani, que prestou homenagens públicas a Francisco após sua morte em 21 de abril, é considerado um símbolo do conservadorismo clerical e da resistência à cultura sinodal.
A escolha de um papa americano num momento em que os EUA vivem polarizações políticas profundas também carrega significados amplos. Prevost é abertamente crítico de Donald Trump, o que já despertou reações nas alas mais à direita da Igreja, especialmente entre bispos ultraconservadores norte-americanos. Seu papado, portanto, terá de equilibrar os desafios da diplomacia vaticana com a pressão interna de setores que resistem às transformações propostas nas últimas décadas.
Não por acaso, Leão XIV foi eleito no dia 8 de maio, data em que a Igreja celebra São Bonifácio IV, papa que enfrentou crises políticas intensas no início do século VII. Também se recordam neste dia São Martinho, São Bento II e a Nossa Senhora de Lourdes, padroeira dos doentes e símbolo de cuidado maternal. A coincidência sugere que o novo pontificado poderá ser marcado por uma teologia do acolhimento – mas sem ilusão: os ventos de resistência continuam soprando dentro das muralhas vaticanas.
Aos olhos do mundo, o novo papa se apresenta como uma figura de transição: um construtor de pontes em tempos de ruínas, um reformista consciente do abismo que separa o ideal eclesial da realidade histórica da instituição. Se conseguirá governar sem medo, como promete, só o tempo e a fé dirão.
Por que Leão XIV? - Leão XIII foi um papa importante por ter escrito, em 1891, a encíclica Rerum Novarum, a primeira a tratar da questão social e da ética capitalista no trabalho assalariado.
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