Infâncias queer, educação e invisibilidade: o Brasil que ainda se recusa a ver
Quando a infância é tratada como desprovida de marcas sociais - identidade de gênero, raça, deficiência, classe social - há uma falsa ideia de equidade
O Brasil é, ao mesmo tempo, palco de grandes marcos legais e de violências abissais no que diz respeito aos direitos das crianças. A infância, neste país continental, é um campo de disputa entre discursos que ora proclamam proteção, ora perpetuam o apagamento, o abuso e a negligência. Nesse emaranhado de contradições, um texto potente escrito pelas pesquisadoras Bruna Campos, Sara Wagner York e Maria Luiza Sussekind vem lançar luz sobre uma infância historicamente esquecida: as infâncias queer.
Publicado no livro "Educação Infantil: diálogos sobre pesquisa, formação, docência e crianças", organizado pelas professoras Marlene Oliveira e Silvanne Vellasquez, o capítulo traz à tona o que a maioria das políticas públicas prefere ignorar: crianças e adolescentes LGBTQIAPN+ continuam à margem dos direitos fundamentais, mesmo em um país que teoricamente se orgulha de seu arcabouço jurídico protetivo.
O que a gente chama de infância? - O artigo abre com um soco no estômago: o Brasil é o mesmo país que garante educação como direito universal na Constituição de 1988 e que silencia diante de crimes como o dos meninos emasculados no Maranhão e no Pará, ou os três meninos assassinados em Belford Roxo. A pergunta é inevitável: quem tem o direito de ser criança neste país?
Quando a infância é tratada como homogênea e desprovida de marcas sociais - como identidade de gênero, raça, deficiência, classe social - há uma falsa ideia de equidade. Mas a equidade não nasce da invisibilização, e sim do reconhecimento ativo das diferenças e desigualdades históricas. A crítica das autoras é contundente: o Estado brasileiro não só ignora as infâncias queer, como colabora para sua exclusão sistêmica.
Sistema Nacional de Educação: para quem? - Outro ponto forte do texto é a análise crítica do fracasso na implementação do Sistema Nacional de Educação (SNE), proposto na CONAE de 2014. Idealizado como uma resposta orgânica às desigualdades educacionais, o SNE foi rapidamente capturado por forças conservadoras, que esvaziaram os debates sobre gênero, sexualidade, racismo e capacitismo da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Esse retrocesso afetou diretamente crianças LGBTQIAPN+, não apenas na exclusão formal de seus corpos e identidades nos currículos escolares, mas também na negação de políticas públicas específicas que garantam sua permanência, dignidade e segurança na escola.
Ignorância como projeto político - Inspiradas em autoras como Judith Butler, as pesquisadoras propõem um deslocamento radical: pensar a ignorância não como ausência de saber, mas como um modo ativo de negar conhecimento. A ignorância, aqui, é epistemologicamente produzida por um sistema cisheteronormativo, branco e adultocêntrico que não tolera o que não se encaixa na norma.
"A pergunta sobre o que é intolerável é uma indagação sobre o que não se permite conhecer", citam as autoras. E talvez o intolerável, nesse caso, seja itir que crianças LGBTQIAPN+ existem, resistem e precisam ser protegidas. Não no futuro, mas agora.
A luta não começa nos anos 2000 - Um dos momentos mais emocionantes do texto é o resgate histórico das dissidências de gênero e sexualidade no Brasil, desde Xica Manicongo em 1591 até o Movimento de Libertação Homossexual nos anos 1970. As infâncias queer não são uma "novidade geracional": são parte da história do país, ainda que sistematicamente apagadas.
Esse trecho do texto é ideal para adaptação em conteúdos multimídia: linhas do tempo interativas, podcasts narrativos, vídeos de curta duração para redes sociais e projetos educacionais que contextualizem a resistência LGBTQIAPN+ no Brasil ao longo dos séculos.
Do silêncio à urgência: o que fazer agora? - Em um momento político marcado por retrocessos, o texto de Campos, York e Sussekind é um chamado à responsabilidade ética e política de toda a sociedade civil. Não é mais possível falar em equidade educacional sem nomear quem está sendo sistematicamente excluído. Não há justiça social sem enfrentar as violências contra crianças queer, negras, indígenas, PcDs, empobrecidas e fora da norma.
Além de gratuito, o livro representa um ato político: democratiza o o ao conhecimento e fortalece a luta coletiva por um país que enxergue - e acolha - todas as infâncias.
Baixe o livro completo : https://pedroejoaoeditores.com.br/wp-content/s/2025/03/EBOOK_Educacao-Infantil-dialogos-sobre-pesquisa-formacao-docencia-e-criancas.pdf
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